G.K. Chesterton, 1900
tradução António Campos e Anália Carmo
Se as árvores fossem altas e a relva curta
Como num conto louco
Se aqui e além um mar fosse azul
Quebrando uma monótona palidez
Como num conto louco
Se aqui e além um mar fosse azul
Quebrando uma monótona palidez
Se um fogo fixo pairasse no ar
Para me aquecer ao longo de todo o dia
Se um cabelo farto e verde crescesse em grandes colinas
Eu saberia o que fazer
Encontro-me na escuridão; sonhando que existem
Grandes olhos frios ou bondosos
E ruas sinuosas e portas mudas
E homens vivos para além (delas)
Para me aquecer ao longo de todo o dia
Se um cabelo farto e verde crescesse em grandes colinas
Eu saberia o que fazer
Encontro-me na escuridão; sonhando que existem
Grandes olhos frios ou bondosos
E ruas sinuosas e portas mudas
E homens vivos para além (delas)
Que venham as nuvens da tempestade: é melhor uma hora,
E que se vão para chorar e lutar,
Do que todas as eras em que reino
Nos impérios da noite.
E que se vão para chorar e lutar,
Do que todas as eras em que reino
Nos impérios da noite.
Penso que se me dessem licença
Para neste mundo aparecer
Eu seria bom ao longo de todo o dia
Em que eu estivesse neste mundo encantado
Para neste mundo aparecer
Eu seria bom ao longo de todo o dia
Em que eu estivesse neste mundo encantado
Não ouviriam de mim uma palavra
De egoísmo ou de escárnio
Se eu ao menos pudesse encontrar a porta,
Se eu ao menos tivesse nascido.
If trees were tall and grasses short
As in some crazy tale
If here and there a sea were blue
Beyond the breaking pale.
De egoísmo ou de escárnio
Se eu ao menos pudesse encontrar a porta,
Se eu ao menos tivesse nascido.
If trees were tall and grasses short
As in some crazy tale
If here and there a sea were blue
Beyond the breaking pale.
If a fixed fire hung in the air
To warm me one day through,
If deep green hair grew on great hills,
I know what I should do.
To warm me one day through,
If deep green hair grew on great hills,
I know what I should do.
In dark I lie; dreaming that there
Are great eyes cold or kind,
And twisted streets and silent doors,
And living men behind.
Are great eyes cold or kind,
And twisted streets and silent doors,
And living men behind.
Let storm clouds come: better an hour,
And leave to weep and fight,
Than all the ages I have rule
The empires of the night.
And leave to weep and fight,
Than all the ages I have rule
The empires of the night.
I think that if they gave me leave
Within the world to stand,
I would be good through all the day
I spent in fairyland.
Within the world to stand,
I would be good through all the day
I spent in fairyland.
They should not hear a word from me
Of selfishness or scorn,
If only I could find the door,
If only I were born.
Of selfishness or scorn,
If only I could find the door,
If only I were born.
Na verdade este poema não está diretamente relacionado com o aborto, mas não há dúvida que um leitor contemporâneo imediatamente o associaria a esse problema. Na verdade, é uma dedicatória ao que é essencial, uma espécie de optimismo baseado “num mínimo místico de gratidão”, uma alegria apenas pela existência. Trata-se de um argumento a favor da maravilha que deveria encher o coração de cada pessoa, e de facto enche o coração da maioria das crianças (porque elas ainda são novas neste mundo), pois o mundo é tão fascinante como o reino da fantasia. “Se as árvores fossem altas e a relva curta/Como num conto louco/Se aqui e além um mar fosse azul/Quebrando uma monótona palidez". Lembra a Alice no País das Maravilhas ou as Crónicas de Narnia. Muitas vezes imaginamos mundos maravilhosos e não nos apercebemos da maravilha que é o nosso mundo.
Ouçamos Chesterton em Autobiografia:
“… Eu inventei uma teoria básica e mística. Consistia no seguinte: a mera existência, reduzida aos seus limites primários, era suficientemente extraordinária e excitante. Qualquer coisa entusiasma comparado com nada… Nas nossas nucas, por assim dizer, existe um esplendor ou explosão de maravilha, esquecida, sobre a nossa existência. O objecto da vida artística e espiritual é o de escavar por este amanhecer de maravilha, submerso, de forma a que um homem sentado numa cadeira possa de repente descobrir que está vivo, e ficar feliz…Então, entre os versos da minha juventude em que eu comecei a falar sobre este assunto estava um chamado “O bebé não nascido”, em que eu imaginei uma criatura por nascer suplicando pela existência, prometendo ser completamente virtuosa se tivesse a oportunidade da existência. Outro verso imagina o escarnecedor a suplicar a Deus que lhe dê olhos, lábios e língua, de modo que possa gozar de Quem lhos deu; uma versão mais agreste da mesma fantasia. Penso que foi por esta altura que eu pensei na noção de vida eterna e a introduzi num conto chamado “Homem vivo”; de um ser benevolente que andava de pistola, que subitamente a apontou a um pessimista quando este filósofo afirmou que a vida não valia a pena.”
É impossível não recordar Os Maias, escrito em 1888, e lembrar o diálogo final entre Carlos da Maia e João da Ega em que os dois amigos concluem não valer a pena correr por nada na vida e, no entanto, logo correm…apenas para apanhar uma caleche:
“-Ainda o apanhamos!
-Ainda o apanhamos!”
Grande Eça, grande Chesterton. A vida vale a pena!
Desiludidos mas não desencantados…
António Campos
Sem comentários:
Enviar um comentário