quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"By the Babe Unborn"- “O Não Nascido”

G.K. Chesterton, 1900
tradução  António Campos e Anália Carmo



Se as árvores fossem altas e a relva curta
Como num conto louco
Se aqui e além um mar fosse azul
Quebrando uma monótona palidez                                       

Se um fogo fixo pairasse no ar
Para me aquecer ao longo de todo o dia
Se um cabelo farto e verde crescesse em grandes colinas
Eu saberia o que fazer

Encontro-me na escuridão; sonhando que existem
Grandes olhos frios ou bondosos
E ruas sinuosas e portas mudas
E homens vivos para além (delas)

Que venham as nuvens da tempestade: é melhor uma hora,
E que se vão para chorar e lutar,
Do que todas as eras em que reino
Nos impérios da noite.

Penso que se me dessem licença
Para neste mundo aparecer
Eu seria bom ao longo de todo o dia
Em que eu estivesse neste mundo encantado

Não ouviriam de mim uma palavra
De egoísmo ou de escárnio
Se eu ao menos pudesse encontrar a porta,
Se eu ao menos tivesse nascido. 
If trees were tall and grasses short
As in some crazy tale
If here and there a sea were blue
Beyond the breaking pale.

If a fixed fire hung in the air
To warm me one day through,
If deep green hair grew on great hills,
I know what I should do.

In dark I lie; dreaming that there
Are great eyes cold or kind,
And twisted streets and silent doors,
And living men behind.

Let storm clouds come: better an hour,
And leave to weep and fight,
Than all the ages I have rule
The empires of the night.

I think that if they gave me leave
Within the world to stand,
I would be good through all the day
I spent in fairyland.

They should not hear a word from me
Of selfishness or scorn,
If only I could find the door,
If only I were born.



Na verdade este poema não está diretamente relacionado com o aborto, mas não há dúvida que um leitor contemporâneo imediatamente o associaria a esse problema. Na verdade, é uma dedicatória ao que é essencial, uma espécie de optimismo baseado “num mínimo místico de gratidão”, uma alegria apenas pela existência. Trata-se de um argumento a favor da maravilha que deveria encher o coração de cada pessoa, e de facto enche o coração da maioria das crianças (porque elas ainda são novas neste mundo), pois o mundo é tão fascinante como o reino da fantasia. Se as árvores fossem altas e a relva curta/Como num conto louco/Se aqui e além um mar fosse azul/Quebrando uma monótona palidez". Lembra a Alice no País das Maravilhas ou as Crónicas de Narnia. Muitas vezes imaginamos mundos maravilhosos e não nos apercebemos da maravilha que é o nosso mundo.

Ouçamos Chesterton em Autobiografia:

“… Eu inventei uma teoria básica e mística. Consistia no seguinte: a mera existência, reduzida aos seus limites primários, era suficientemente extraordinária e excitante. Qualquer coisa entusiasma comparado com nada… Nas nossas nucas, por assim dizer, existe um esplendor ou explosão de maravilha, esquecida, sobre a nossa existência. O objecto da vida artística e espiritual é o de escavar por este amanhecer de maravilha, submerso, de forma a que um homem sentado numa cadeira possa de repente descobrir que está vivo, e ficar feliz…Então, entre os versos da minha juventude em que eu comecei a falar sobre este assunto estava um chamado “O bebé não nascido”, em que eu imaginei uma criatura por nascer suplicando pela existência, prometendo ser completamente virtuosa se tivesse a oportunidade da existência. Outro verso imagina o escarnecedor a suplicar a Deus que lhe dê olhos, lábios e língua, de modo que possa gozar de Quem lhos deu; uma versão mais agreste da mesma fantasia. Penso que foi por esta altura que eu pensei na noção de vida eterna e a introduzi num conto chamado “Homem vivo”; de um ser benevolente que andava de pistola, que subitamente a apontou a um pessimista quando este filósofo afirmou que a vida não valia a pena.”

É impossível não recordar Os Maias, escrito em 1888, e lembrar o diálogo final entre Carlos da Maia e João da Ega em que os dois amigos concluem não valer a pena correr por nada na vida e, no entanto, logo correm…apenas para apanhar uma caleche:

“-Ainda o apanhamos!

-Ainda o apanhamos!”

Grande Eça, grande Chesterton. A vida vale a pena!


Desiludidos mas não desencantados…




António Campos

Sem comentários:

Enviar um comentário