sábado, 5 de outubro de 2013

KANT PARA PRINCIPIANTES - A Moral de Kant


"Duas coisas me enchem o espírito de admiração e de reverência sempre nova e crescente, quanto mais frequente e longamente o pensamento nelas se detém:
o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim", Kant.





A Crítica da Razão Prática, de 177830, trata da questão da liberdade e da lei moral universal. Sem dúvida que Kant mantém o cepticismo do livro anterior, contrariamente ao que afirmava Heine31 e os seus seguidores contemporâneos.
No séc. XVI, a questão do livre-arbítrio separava a Igreja Católica da Reforma (de Lutero e Calvino), na sua convicção de que o homem é, em grande medida, dono do seu próprio destino e de que a oração pode modificar o destino das almas. A educação pietista de Kant fazia-o inclinar-se para o livre-arbítrio, mas subordinado a uma lei: “O que devo fazer?”, “O que posso esperar?”.

Kant afirma que nós temos a noção de liberdade porque antes temos a consciência do dever. A liberdade reside na autonomia da vontade. Toda a ética que assente em conteúdos, como os dez mandamentos, comprometem a autonomia da vontade. Para Kant, toda a ética que busque a felicidade é ilegítima, porque tem um “fim material”. O homem não deve agir para obter a sua felicidade ou a de outros, mas por puro dever, desprovido de emoções. O único sentimento legítimo é o do respeito, respeito ao homem como fonte do ordenamento moral, o supremo legislador, um númeno, uma divindade encarnada. A vontade é o ícone máximo, a volição é o altar do homem; do homem saído da imaturidade (o homem novo iluminado, uma versão precoce do super-homem)32.

Classicamente definia-se o que era bem e mal e depois formulava-se uma lei moral; para Kant a lei moral é que define o conceito de bem e mal. Não interessa o que eu faço, mas sim como faço aquilo que quero fazer.


AS OBRAS


Kant, tal como Lutero ou Calvino, desvaloriza o valor das obras: “a acção em si não tem toda a força de um modelo e de um impulso para a imitação.” Kant desvaloriza o valor de um homem que morre ao salvar várias pessoas que se afogam. Aliás, o seu desprezo pelo homem concreto e apreço pelas entidades mais ou menos abstractas fazem-no afirmar que nutre mais apreço pelo homem que morre pelo seu país, embora, também aqui, desvalorize o valor da acção.



ALTRUÍSMO OU DEVER


Kant recusa os truísmos para o comportamento moral. Para Kant o comportamento moral consiste em cumprir o dever enquanto dever.


“Se faço caridade aos pobres por puro dever faço uma acção moral, se o faço por compaixão faço uma acção simplesmente legal”.

Para Kant, o dever é anterior à liberdade. Nós apercebemo-nos que somos livres quando nos furtamos ao dever e sentimos remorso. É, no exemplo de Kant, aquele que, ameaçado por um tirano, jura falso contra um inocente. Kant conclui que ele devia dizer a verdade e, portanto, podia. Rejeita a inversa, ou seja, que só quem pode dizer a verdade deve dizê-la.

Estas formulações têm graves consequências:


- Não existe lugar ao perdão nem ao exemplo, uma vez que a lei deve ser sempre cumprida, deve ser universal, não deve atender a casos particulares - é um retorno ao olho por olho, dente por dente, a lei de Talião, tão ao gosto judaico e tão ao gosto da Reforma (Kant, um século depois, é o seu filósofo).



- Interessa mais contribuir para instituições do que para pessoas concretas, independentemente do resultado prático dessas contribuições – abre lugar a uma caridade institucional, de ONG, de funcionários, e retira o lugar a uma caridade baseada no serviço, na empatia, na compaixão33.

- No caso de um inocente perseguido pelos nazis, que se esconde em minha casa, eu posso dizer a verdade, mas será que devo? Vamos perguntar a Anne Frank? Deves, portanto podes ou Podes, mas… deves?


O objectivo último é tido por essa coisa difusa e multifacetada chamada humanidade; não pelo indivíduo concreto que necessita de nós e apela ao nosso auxílio. Lembra o Mr. Scrooge de Dickens, que recusava a esmola mas contribuía para reformatórios e escolas de correcção34. Lembra JJ Rousseau, Estaline, os financeiros do Lehman Brothers (tinham um elevador particular para não se encontrarem com seres humanos)35 – um traço característico de todos estes adoradores da humanidade é o seu desprezo pelo indivíduo concreto, a sua misantropia. Assim também era com Marx que dirigia a Nova Gazeta Renana como um ditador36.






VIRTUDE, FELICIDADE E LIBERDADE


Recusa a felicidade como objectivo de vida: “por vezes isso é levado tão longe que há homens que pensam em proclamar o desejo de felicidade como uma lei prática universal”; e conclui, erradamente, que o altruísmo e a compaixão só podem conduzir à infelicidade e ao fracasso de quem os pratica, “porque cada pessoa apenas tem o seu próprio bem-estar no coração”.
(Obviamente, Kant nunca percebeu o que significa a palavra mãe).



Para Kant, virtude e felicidade nunca se podem realizar uma à outra37:"Condicionar a felicidade à virtude seria suprimir a liberdade."

(A liberdade de se ser feliz praticando a iniquidade).

O postulado da liberdade é justificado pela necessidade da existência da vontade pura que brota de um ser, o homem, que é um legislador, e que se encontra no mundo numénico, um deus. Nietzsche desenvolveria amplamente este conceito de vontade pura, com trágicas consequências para a Alemanha e para o mundo.

A consequência de se recusar a busca da felicidade, aliada à supressão metafísica, conduz-nos a uma existência austera, dietética, uma busca desesperada pelo prolongamento desta vida, procurando uma vida de elfos. Uma vida de elfos tristes e eternamente insaciados, infelizes. Curiosamente, o existencialismo, ao afirmar o nonsense desta vida, infere involuntariamente o erro. O marxismo é a sua realização prática. Na teologia é o chamado tomismo transcendental de Karl Rahner38.

DEUS, ALMA, LIBERDADE


São postulados. Por detrás desta imagem encontra-se o conceito de que este mundo não é governado por leis morais, mas apenas por leis físicas e a de que Deus não opera neste mundo. Assim, para dar sentido a uma ideia de recompensa postula-se, ou seja, concede-se, a existência de Deus num outro mundo e a imortalidade da alma. Deus é apenas uma necessidade, uma espécie de contrapeso, de equilíbrio - não é pessoal nem relacional39. É uma espécie de relojoeiro, deísta, a alma da colmeia40.

Cristo é tomado como um ideal que se encarnou na nossa razão. Significa a presença na moral do homem do ideal supremo da perfeita moralidade. "Mas essa figura ideal existe a priori na razão ética de cada homem, pelo que a figura histórica concreta do Mestre do Evangelho (tal como nas sociedades secretas, Kant evita sempre o uso explícito do nome Jesus Cristo), não é de modo algum necessária, pois cada homem já é portador na sua razão da ideia de homem moralmente perfeito".
Aliás, o eventual Cristo histórico não poderá constituir a medida da moralidade humana; pelo contrário, deverá Ele mesmo ser medido e avaliado à luz do “Cristo ideal” que brilha na razão de cada homem: “Um homem divino, dotado de características sobre-humanas que o elevam acima da nossa fragilidade, não poderia, além do mais, servir-nos como exemplo a imitar.”41

No entanto, contrariamente ao que Kant nos propõe, quem se aproxima dos testemunhos evangélicos tem a intuição imediata de que eles remetem a uma origem pessoal; neles nada há de abstracto e genérico. Brotam de uma unidade viva, indivisível, desenvolvem-se num contacto concreto contínuo com a realidade multiforme, sem nenhuma preocupação de sistematicidade. É a própria intuição que nos informa sobre a personalidade viva de um homem que fala e age diante de nós, ou que deixou vestígios da sua acção e do seu pensamento42,43.


A LEI MORAL


O sofisma44,45 e o relativismo46,47 continuam bem patentes na formulação kanteana da lei moral.






Nas Bases da Metafísica Moral, 187548, Kant diz que o homem tem a liberdade de fazer a lei universal na condição de que ele próprio seja sujeito da lei que faz.



(Se eu for homossexual tenho a liberdade de impor a homossexualidade na condição de que eu me sujeite a ela!).

Esta causalidade livre significa o seguinte: O sujeito é dominado, não pela ideia de virtude, não pela ideia de felicidade, mas pela ideia de liberdade. Esta ideia de liberdade domina-o, mas ele também pode pensar sobre ela. Aliás, ele pode pensar mesmo na liberdade absoluta, algo próximo do que se entende por libertinagem. O sujeito é o criador da ideia de liberdade, porque a ideia é livre, não pertence a ninguém, nem tem limites. Mais: o sujeito tem o dever de impor esta sua lei universal a todos os outros homens, para bem da humanidade. Para que a lei se torne de facto universal.


FORMALISMO, AUTONOMIA, LIBERDADE

 

Se a liberdade implica a independência da vontade relativamente aos conteúdos da lei moral, então a vontade autonomiza-se, i.e., fica em condições de estabelecer para si a sua própria lei. Para Kant, formalismo, autonomia e liberdade estão intrinsecamente ligados.

Para Kant, as acções morais são aquelas que afirmam o princípio da vontade como efeito da liberdade. O conceito de bom ou mau não deve ser definido antes da lei moral; é a vontade pura ou a intenção pura que faz ser bom aquilo que ela quer (não existe qualquer conceito ou conteúdo moral do qual deva derivar a intenção e a vontade pura).




Como passar do formalismo da lei à prática concreta?



Por meio do imperativo categórico.




Tomemos a acção concreta que nos propomos realizar e suponhamos que a máxima na qual ela se inspira se deva tornar lei necessária, i.e., insusceptível de excepções, de uma natureza na qual nós também estejamos obrigados (e dispostos) a viver. Este “esquema” ou “esquematismo” revela-nos se a nossa acção é ou não moral: se nos satisfizesse viver nesse mundo em que a nossa máxima se tornasse lei necessária (sem excepções), isso quer dizer que ela estaria em conformidade com o dever. É importante notar que para Kant cada homem é um legislador.

Se eu detesto crenças religiosas devo, como efeito da liberdade, lutar para que as religiões sejam universalmente extintas.


Se eu acredito na superioridade das comunidades homossexuais devo lutar para que a sociedade adopte valores da homossexualidade pois eu aceito viver sob eles. 

Se eu acredito em ganhar a vida de forma violenta devo lutar para que o crime seja organizado e hierarquizado. 

Se eu não gosto de compromissos devo lutar para que se menorize toda e qualquer forma de assumir um compromisso.


Se eu pertenço a uma nação imperialista e acredito na superioridade dos meus valores relativamente aos das outras nações, devo usar todos os meios para os impor. 



Daqui aos conceitos de Hegel de übermensch e untermensch, de guerra virtuosa e de imposição dos fortes pela força, vai apenas um passo.

Daqui ao conceito de imposição do socialismo pelo terror revolucionário, de Marx e Engels, vai outro pequeno passo49. Sem Kant, nunca teria havido Marx.





Talvez se perceba agora a justificação moral de movimentos abortistas, homossexualistas, sincretistas, ou o imperialismo de certas nações, como a Prússia ou a América, cujos povos têm uma matriz cristã protestante. Todos eles estão dispostos a viver nesse tipo de sociedade que consideram “moral”.  

Desta construção de Kant, é legítimo concluir que eu não só não amo o ser humano meu semelhante (porque as emoções são o que há de mais vil na natureza humana), como lhe nego a possibilidade de ele se guiar por uma lei moral diferente da minha. Recuso-me a ver o mundo pelo seu olhar; pelo contrário, tudo farei para lhe impor o meu, que considero superior. Tudo farei para que todos os seres humanos olhem o mundo pelo mesmo olhar, por coincidência, o meu próprio olhar.


IMPERATIVO CATEGÓRICO



Máxima da vontade individual = princípio da lei universal.


“Age de forma a que a máxima da tua vontade possa sustentar-se sempre como princípio que dá a lei universal”

A única lei que é universal porque é a priori é o princípio transformador, da máxima da acção em lei moral - o esquematismo ou imperativo categórico. O conteúdo assim transformado pode variar porque cada homem pode pensar de forma diferente sobre uma lei à qual aceite submeter-se. O que não pode variar é o mecanismo (ou esquematismo, nas palavras de Kant) que transforma as normas de conduta em leis morais - o imperativo categórico. Esta é a única lei que é universal e a priori.

A lei moral, i.e., o imperativo categórico, não pode consistir em ordenar coisas concretas, por mais nobres que sejam, para evitar o empirismo. Por conseguinte, a lei moral não depende do conteúdo. Dir-se-ia que cada homem faz a sua moral à luz de um único mandamento. Portanto, quando se prescinde do conteúdo apenas resta a forma: “Deves porque deves”. Trata-se de um formalismo moral. Trata-se de adaptar para a filosofia a norma protestante de que não é moral aquilo que se faz, mas a intenção com que se faz.


Trata-se não de ordenar aquilo que devo querer mas sim de ordenar como devo querer aquilo que quero - eu é que defino aquilo que quero e apenas tenho que o fazer de certa forma. Por outras palavras, a moral não consiste naquilo que se faz, mas como se faz aquilo que se faz. Somos nós, com a nossa vontade e racionalidade que damos a lei a nós mesmos.
(É irresistível não lembrar as virtudes públicas com vícios privados).


“Sugere Kant que a forma de um imperativo categórico é que o indivíduo deve agir apenas de acordo com uma máxima que se possa simultaneamente querer como lei universal, i.e., o princípio racional que deve governar a vontade. Isto, deve sublinhar-se, não é uma máxima, ou princípio de ação em si, mas apenas estabelece a forma que tais máximas devem assumir. Daí que a pessoa que argumenta que é correcto romper as suas promessas se quiser, estabelece como lei universal de acção que quebrar promessas é aceitável. Se houvesse essa lei universal, e se fosse seguida, é provável que a instituição da promessa deixasse de existir por causa da sua vacuidade. Não é claro, contudo, que o homem que isso quer, tenha cometido algo parecido com uma contradição. Isto significa que a força da razão prática permanece obscura e a discussão sobre ela e a sua utilidade tem continuado desde então.”80


Mas será que existirá alguma diferença entre aquilo que se faz, ou seja, o resultado da nossa acção, e a intenção com que se faz?
A primeira pista chega-nos da sabedoria de um velho ditado português: “De boas intenções está o Inferno cheio!”

Porque será? O que quererá isto dizer?




Suponhamos um pai que ama muito o seu filho. Ao saber que ele namora com uma moça de condição social mais baixa, envida todos os esforços para terminar esse namoro e induz o seu filho a namorar com uma outra moça de condição social superior. Prática muito frequente entre as famílias mais poderosas, mas infelizmente, não só. Aqui reside a raiz da expressão “fez um bom casamento” que significa algo muito diferente de “estar bem casado”.

Haverá centenas de exemplos. Desde o pai que escolhe o curso universitário do filho ou que decide o seu futuro profissional, ao marido que impede a mulher de expressar os seus pontos de vista, ao muçulmano que casa a sua filha criança com um velho. A minoria revolucionária que se impõe pela violência, convencida que descobriu o santo graal, que é mais esclarecida que o comum dos homens. Ou os clubes de pensadores que tratam de impor à sociedade em geral, através dos media, os seus pontos de vista sobre o rumo que devem tomar as leis e as políticas sociais. Todos por uma recta intenção. A intenção de que é melhor assim.






O efeito de uma acção é universal, é visível por todos.

A intenção significa que alguém decide sobre o futuro de outrem, privando ou coagindo a livre decisão da própria pessoa.



Na mentalidade da Reforma, a moral de Kant é tida como um decalque da mensagem evangélica “não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti”. Mas trata-se de uma falácia: esta é uma mensagem negativa, apenas indica o que não deves fazer, e não o que deves fazer. Ora, a mensagem do evangelho é muito mais ampla: “ama ao próximo como a ti mesmo”. Isso significa não só que não lhe deves fazer aquilo que não queres que te façam, mas também que lhe deves fazer aquilo que ele pretende, aquilo de que ele diz necessitar. É muito diferente!

Significa ver o mundo não apenas com os próprios olhos, mas também pelos olhos dos outros, respeitando as suas ideias, evitando a sua humilhação, abrindo espaço à sua dignidade; no fundo, contribuindo para que, pela nossa limitação - dir-se-ia pela limitação da nossa vontade -, o outro se revele, apareça e se sinta feliz.
A hipocrisia da moral de Kant lembra sempre a advertência de Santo Agostinho: “Encontrei muitos com desejo de enganar outros, mas não encontrei ninguém que desejasse ser enganado”50.






Poder-se-ia dizer, unindo o seu conceito absoluto de liberdade com o seu imperativo categórico: “Só és verdadeiramente livre quando fazes aquilo que não deves fazer”, pois de um ponto de vista estrito, qualquer imperativo subordina a ideia de liberdade e, como tal, neste ponto, a filosofia moral de Kant encerra em si uma (mais uma!) antinomia insolúvel, a razão doente, nas palavras de Joseph Ratzinger, e abre a porta à desconstrução.


Sim, o céu está estrelado por cima de si, mas por um motivo que não compreende: na expansão do universo reside a razão das nossas noites serem estreladas e cada vez mais escuras.

Sim, a moral dentro de si, no sepulcro. Uma moral pessimista, uma moral de morte51.



“O céu estrelado” é o universo físico, tal como a ciência moderna o entende; e tudo o mais é relegado para o campo da subjetividade. Assim, a lei moral não estaria “fora”, mas “dentro de mim”; não seria objetiva, mas subjetiva; enfim, não seria uma Lei Natural com certos e errados objetivos, mas uma lei feita por nós mesmos à qual escolhemos vincular-nos. (Mas será que estamos realmente vinculados quando só nos vinculamos a nós mesmos?) A Moral seria, portanto, apenas uma questão de intenção subjetiva; não teria qualquer conteúdo com exceção da Regra de Ouro (o “imperativo categórico” de Kant).52











30 I. Kant, Crítica da Razão Prática, Edições 70, Lisboa, 2001.



31 “A história da vida de Immanuel Kant é difícil de retratar, porque ele não teve vida nem história. (…) O levantar de manhã, beber o café, escrever, leccionar, jantar, caminhar, tudo tinha o seu tempo preciso. Caminhava na pequena rua de tílias, desde então chamada “O Passeio do Filósofo”, de verão e de inverno, acima e abaixo por oito vezes, e quando o tempo pesado prognosticava chuva, os locais observavam o seu criado Lampe, com um grande chapéu de chuva debaixo do braço, como se fosse a imagem da Providência.



Que estranho contraste reside entre a vida exterior deste homem e os seus pensamentos destrutivos e destruidores do mundo! Se os habitantes de Koenigsberg tivessem o mínimo vislumbre do alcance das suas ideias, sentiriam um arrepio metálico mais frio do que na presença de um carrasco, que apenas pode matar o corpo. Mas o povo simples via nele apenas um professor de filosofia e, quando ele passava à hora habitual, saudavam-no de forma amistosa e acertavam os seus relógios por ele.” Heinrich Heine (1797-1856), História da Religião e Filosofia na Alemanha, ed Madras, Brasil.




32 I. Kant, Was ist Aufklärung?, Berlinische Monatsschrift, 1784.


33 Ver 1 Cor 13, 1-13 e 2 Tim 3, 1-6.


34 Charles Dickens, A Christmas Carol, 1843.


35 Filme Inside Job, Charles H Ferguson, 2010.


36 Marx-Engels, Selected Works, (Moscow, 1958), Vol. 2, p. 300. Marx-Engels, Collected Works, London, 1975.


Courtois, Stéphane et al, O Livro Negro do Comunismo: crimes, terror e repressão. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.





37 A antinomia da Razão Prática: ligar a felicidade e a virtude seria suprimir a liberdade; ou seja suprimir a possibilidade de se ser feliz praticando a iniquidade.









39 Se pensarmos bem, é uma admissão velada de que o homem não age eticamente apenas por dever, mas porque “faz sentido” a existência de Deus e da alma, e de que as leis morais não são simplesmente mecânicas.



40 Rafael Gambra, História Sensilla de la Filosofia. Ediciones Rialp, SA, Madrid, 1991.

Na verdade, os empiristas como Berkeley tiveram de solucionar o problema das imagens persistirem além da morte do sujeito. Ou seja, embora uma mesa desapareça para o sujeito que morre, ela persiste para os outros sujeitos vivos (os empiristas não foram tão longe que admitissem que cada ser humano vivia num universo absolutamente independente e autónomo). O único meio de estabelecer essa conexão entre os vários mundos interiores e assegurar a permanência da mesa é admitir que todos os seres humanos estão com a mente conectada a uma mente cósmica.

41 I. Kant, A Religião Dentro dos Limites da Simples Razão, 1783. Piero Coda, A Proposito dell’Insostenible Antinomia della Cristologia Kantiana, Lateranum, 1, pp 113-145, 1989.
“Quando se me apresenta que um ser, que está de posse da mais alta felicidade, se submete à mais profunda miséria para fazer participar desta felicidade criaturas merecedoras de castigo, sinto-me levado à mais alta veneração e reconhecimento a seu respeito. Mas logo que creio que isto é para mim um ganho, que me autoriza a não satisfazer eu mesmo à eterna justiça, recaio na baixeza da subserviência.
Quando, porém, a razão me diz que este ser deve servir-me efectivamente como exemplo para eu me elevar ao mesmo nível  de moralidade e que eu devo encontrar em mim a disposição de me tornar como ele é, isto é de tal modo estimulante para a alma, que toda a fraqueza da minha natureza desaparece, a ponto de ser capaz de me entusiasmar por tal ideia. Este deus em nós é aquele diante do qual se dobra todo o joelho sobre a terra.”

42 Antonio Banfi, Risposta prima, Cristo-Dio, Inchiesta, Doxa, 1928.

43 Silvano Zuca. Cristo na Filosofia contemporânea, vol 1, ed Paulus, SP, Brasil, 2003 cita C. Fabro. L’eliminazione dell’Uomo-Dio  nel pensiero moderno. Il Cristo dei filosofi.


“Antes de Cristo bastava a posição de Sócrates de aspirar à verdade com paixão infinita: a verdade como subjectividade da aspiração infinita. Depois de Cristo, é necessário para todo o homem decidir-se por ou contra Cristo: há um facto histórico objectivo que é decisivo para a própria salvação eterna. (…) Há, portanto, para a razão “um salto” que é um facto da vontade iluminada e a isto chama-se acto de fé.”




44 Na primeira crítica, Kant submete a razão ao critério do entendimento, mediante o esquematismo, “uma arte encerrada nas profundezas da alma humana, cujos verdadeiros modos de actividade é pouco provável que a natureza alguma vez permita descobrir e que venham a revelar-se ao nosso olhar.”
Entende-se? É de crença que aqui se trata…

Nesta segunda crítica, Kant submete o entendimento (e a imaginação) à razão. Trata-se de uma inversão de processos e a razão torna-se ela própria lei, a moralidade superior. Aqui é representação e essência, outra excepção! A razão funciona como ausência de qualquer razão ou objectivo superior (nomeadamente a busca contínua do homem de um sentido para a existência).

45 Se, para Kant, o único conhecimento científico válido é o conhecimento  obtido por experiência que não se modifica com o tempo (sintético a priori), onde vai Kant buscar as bases empíricas da sua construção? Como obteve Kant o seu conhecimento e como poderemos nós colocar à prova a sua formulação? Se, por outro lado, como parece evidente, a formulação das suas críticas não tem base  na experiência, são colocadas em causa pelo tempo e não são universais, então, pela sua própria definição, as suas críticas não são verdadeiro conhecimento. 


46 A consciência deixa de ter qualquer representação absoluta, deixando portanto o conceito metafísico de ser comum a todos os homens, isto é, a ideia de que todos os homens têm noção do bem e do mal, e passa a ser algo inerente e variável com cada homem. Para se ter a liberdade, a razão passa a ser um númeno, algo transcendente, enquanto que a consciência passa a ser uma imagem.


A busca contínua do princípio objectivo que oriente a liberdade pelo entendimento, situa-se no campo da ilusão e da aparência. Razão prática significa o desentendimento do entendimento (!), a consciência da ausência absoluta de objectivo moral na faculdade da razão.


Trocado por miúdos, toda esta charada gira à volta de que o conceito de liberdade é absoluto, sem condições limitantes, sobretudo não submetida nem à virtude nem à felicidade.

47 Sobre a razão na crítica da razão pura: A ausência da coisa em si permite que o entendimento faça uma representação de algo que lhe é exterior, isto é, a razão. A razão era uma mediação entre o entendimento e a coisa em si. Concluindo, a consciência do entendimento da ausência da coisa em si é, na verdade, uma consciência da ausência da razão. Pode dizer-se que o objectivo da crítica da razão pura é o luto por aquilo que a “coisa em si” deveria ter proporcionado ao entendimento, i.e., a razão - como se vê, linguagem muito simples que qualquer ignorante entende. Aprecie-se esta pérola da consciência da ausência da razão e do luto pela razão!
Na crítica da razão prática o ambiente já não é tão funesto. O entendimento já não está de luto pela razão. Porque a razão é “uma coisa em si”. Mas por ser “uma coisa em si”, i.e., um númeno, a sua existência é sacrificada. Mas alegremo-nos: o entendimento já não está de luto pelo sacrifício da razão, não tem desgosto, apenas dor e sofrimento. Este sofrimento é uma forma de êxtase e de exaltação do objecto ausente, a faculdade da razão. Complicado? Exalta-se a razão mas não se acredita na sua existência. Onde já ouvimos isto? Desconstrucionismo…

48 Grundlegung zur Metaphysic der Sitten, Artur Buchenau und Ernst Cassirer, vol. IV, págs. 241-324, 1922, Berlin. (Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 1875. Tradução: Paulo Quintela, 1960, Coimbra. Edições 70, 2007, Lisboa).

A liberdade é um conceito absoluto, próprio de um númeno. Por isso, o ser que define este tipo de relação entre entendimento e razão é um ser racional livre, atributos apenas do homem. A lei moral, resulta dessa relação muito peculiar entre a razão prática e a liberdade, e tem como sua única origem possível o homem…O sujeito não é apenas autor da lei, é-lhe também sujeito, porque, de facto, o homem apesar de pertencer ao mundo da razão numénica também habita neste reino sensível.

 
49 Page, Leslie R.; Karl Marx and Critical Examination of his Works. Freedom Association, London, 1987.

50 Confessiones, X, 23, 33: CCL 27, 173.


(Para Kant, se à recta intenção não corresponder um efeito louvável, não existe necessidade de alterar o comportamento- por ex., se eu contribuir para uma ONG em vez de doar dinheiro a um pedinte, mesmo que o meu dinheiro apenas sirva para alimentar o funcionamento burocrático da ONG, não necessito de alterar o sentido da minha doação; se o socialismo falhou, distribuindo pobreza e infelicidade, isso apenas significa que não se conseguiu pôr verdadeiramente em prática, mas que se deve continuar a tentar, pois o socialismo continua a ser uma louvável intenção).

51 A ideia do pessimismo, de que nascer é mau (uma vez que o homem se corrompe na sociedade), de que todos os homens são maus: “o altruísmo e a compaixão só podem conduzir à infelicidade e ao fracasso de quem os pratica, porque cada pessoa apenas tem o seu próprio bem-estar no coração”.
“As emoções humanas representavam o mais radical fracasso da razão e do racionalismo, na medida em que tomam a ética como o aspecto supremo da humanidade, acima do conhecimento.”8





52 http://blog.quadrante.com.br/kant-a-verdade-subjetiva/




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