Por João César das Neves
Um dos fenómenos mais espantosos da história da
humanidade é o ataque à Igreja. Esse processo, tão aceso nestes dias, é sempre
muito curioso.
Primeiro pela duração e persistência. Há 2000 anos
que os discípulos de Cristo são perseguidos, como o próprio Jesus profetizou. E
cada ataque, uma vez começado, permanece.
A Igreja é a única instituição a que se assacam
responsabilidades pelo acontecido há 100, 500 ou 1500 anos. Os cristãos actuais
são criticados pela Inquisição do século XVII, missionação ultramarina desde o
século XV, cruzadas dos séculos XI-XIII, até pela política do século V (no
recente filme Ágora, de Alejandro Amenábar, 2009).
Depois, como notou G. K. Chesterton em 1908, o
cristianismo foi atacado '' por todos os lados e com todos os argumentos, por
mais que esses argumentos se opusessem entre si '' (Orthodoxy, c. VI).
Vemos criticar a Igreja por ser tímida e
sanguinária, pessimista e ingénua, laxista e fanática, ascética e luxuosa,
contra o sexo e a favor da procriação, etc. Mas o mais espantoso é que os
ataques conseguem convencer-nos daquilo que é o oposto da evidência mais
esmagadora.
Os iluministas provaram-nos que a religião cristã é
a principal inimiga da ciência; supersticiosa, obscurantista, persecutória do
estudo e investigação rigorosos. A evidência histórica mostra o inverso. A
dívida intelectual da humanidade à Igreja é enorme. Devemos a multidões de
monges copistas a preservação da sabedoria clássica.
Quase tudo o que sabemos da Antiguidade pagã veio
dos mosteiros. Foi a Igreja que criou as primeiras universidades e o debate
académico moderno. Eram cristãos devotos os grandes pioneiros da ciência, como
Kepler, Pascal, Newton, Leibniz, Bayes, Euler, Cauchy, Mendel, Pasteur, etc.
Até o caso de Galileu, sempre citado e distorcido, mostra o oposto do que
dizem.
Depois, os jacobinos asseguraram-nos que a Igreja é
culpada de terríveis perseguições religiosas, étnicas e sociais, destruição
cultural de múltiplos povos, amiga de fogueiras e câmaras de tortura, chacinas,
saques e genocídios. No entanto, a evidência de 2000 anos de história real de
cristãos concretos é de caridade, mediação, pacifismo. Tudo o que o nosso tempo
sabe de direitos humanos, diplomacia, cooperação e tolerância foi bebê-los a
autores cristãos.
A seguir, os marxistas vieram atacar a Igreja por
ser contra os proletários e a favor dos ricos. Quando é evidente o cuidado
permanente, multissecular e pluricultural dos cristãos pelos pobres e infelizes
e as maravilhas sociais da solidariedade católica no apoio aos desfavorecidos.
Vivemos hoje talvez o caso mais aberrante: a Igreja
é condenada por...pedofilia. A queixa é de desregramento sexual, deboche,
perversão. Mas a evidência histórica mostra que nenhuma outra entidade fez mais
pelo equilíbrio da sexualidade e a moralização da vida pessoal da humanidade.
Mais uma vez, o ataque nasce do oposto da verdade.
Serão as acusações contra a Igreja falsas? Elas
partem sempre de um núcleo verdadeiro. Houve cristãos obscurantistas,
persecutórios, cruéis, injustos, luxuosos, como hoje há padres pedófilos.
Aliás, em 2000 anos de história, e agora com mais de mil milhões de fiéis, tem
de haver de tudo. A distorção está na generalização ao todo, de casos
particulares aberrantes. Não sendo tão má quanto o mito, a Inquisição foi
péssima. Mas a Inquisição não representa a Igreja e a própria Igreja da época a
condenou. Os críticos nunca combatem os erros, sempre a instituição. Hoje não
se ataca a pedofilia na Igreja, mas a Igreja pedófila.
A razão do paradoxo é clara. Cada época projecta na
Igreja os seus próprios fantasmas. Ninguém atropelou mais o rigor científico
que os iluministas. Ninguém foi mais sangrento que os jacobinos. Ninguém gerou
mais pobreza que os marxistas. Ninguém tem mais desregramento sexual que o
nosso tempo.
O ataque à Igreja é uma constante histórica. A
História muda. A Igreja permanece. Porque ela é Cristo. Dela é a nona
bem-aventurança: ''Bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem''
(Mt 5, 11).
João César das Neves in Diário de Notícias, 2010
João Luís Alves César das Neves (Lisboa, 1957)
é um economista e professor português, pai de quatro filhos. Professor catedrático e
presidente do Conselho Científico da Faculdade de Ciências Económicas e
Empresariais da Universidade Católica. Autor
de mais de trinta livros e de múltiplos artigos científicos, é também
colaborador na imprensa,
assinando a coluna Não há almoços grátis, no Diário de Notícias.
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