quarta-feira, 29 de maio de 2013

Eça de Queirós e Chesterton II




"A crise da sobreprodução industrial obriga a Inglaterra a procurar mercados por toda a Terra, a fazer povos vassalos para obter novos fregueses, por forma a vender o que fabrica para obter o que come.” Eça de Queirós, 1888.




Eça criticava o atraso tecnológico do seu país, a hipocrisia social e a dissolução em Lisboa, a ausência de parcimónia nas finanças públicas, a falta de homens de valor nos lugares de decisão, mas sem dúvida era um patriota e amava profundamente o que criticava. Por isso sempre retornava a Lisboa onde publicava a sua obra literária. Por isso publicava no Brasil. A sua pátria sempre foi a língua portuguesa. Pelos olhos do The Times, descreveu nas Crónicas de Londres, a nobreza da sua Pátria, construtora de um império extenso, a partir de uma realidade de apenas um milhão de almas.
Eça sempre sublinhou o lado particularmente bizarro da sociedade inglesa. Tinha com a Inglaterra uma atitude ambivalente. Fascinava-o o seu poder naval e forte carácter, a sua aristocracia orgulhosa, a sua classe média mercantil e prática, o seu rigor intelectual, a sua religiosidade. Não gostava do clima nem da melancolia das pessoas: “aqui tudo tem spleen, o céu, as almas, os discursos e os entusiasmos da paixão”.
Opinava que os ingleses têm marcada xenofobia, desconhecendo essencialmente os outros idiomas, desdenhando de tudo o que não é britânico, tendo a hipocrisia moral e a excentricidade como traços de carácter.
“Eu detesto a Inglaterra pelo seu limitado modo de pensar e pelo modo como cozinha os vegetais. Eu detesto a Inglaterra mas admito que, como uma nação de intelectuais, está entre as primeiras.
...Mas que povo estranho! Para eles é absolutamente certo que ninguém pode ter moralidade se não ler a Bíblia; ninguém pode ser forte se não jogar críquete; ninguém pode ser cavalheiro se não for inglês. E é por isso que são tão odiados. Nunca mudam, nunca se tornam em não-Inglês…Os Ingleses entram nas ideias e costumes estrangeiros como um bloco de granito se mistura na água. Ei-lo, com a sua bíblia, os seus clubes, os seus desportos, os seus preconceitos, a sua etiqueta, o seu egocentrismo…Mesmo em países em que tenha vivido centenas de anos, ele ainda é um estrangeiro.” Cartas de Inglaterra, 1905, ed post.
Chesterton era seguramente um patriota. “O patriotismo faz parte da política prática e é mais prático do que qualquer política”, Irish Impressions, 1919. A sua obra The Crimes of England, 1915, deveria em boa verdade denominar-se The Crimes of Prussia, porque é disso mesmo que se trata. Na verdade, Chesterton acredita que a alma inglesa capitulou perante a alma alemã na luta pela alma europeia. "A Inglaterra contribuiu para que houvesse muita Alemanha e pouca França ao colocar-se ao lado de Frederico, o Grande, e ao tolerar o imperialismo de Bismarck". Esse foi, no entender de Chesterton, o pecado da Inglaterra e a sua responsabilidade na guerra.
Aliás, Chesterton tem da guerra a ideia de uma luta épica e mística entre a velha alma da cristandade e o sinistro materialismo das escuras florestas do Bradenburgo. Defende corajosamente as pequenas nações, como o Montenegro e os boers, contra o império alemão e o imperialismo britânico de Rudyard Kipling e Cecil Rhodes. "Eu sempre acreditei na vitória das pequenas nações." The Victorian Age in Literature, 1913.
Curiosamente, oriundo de uma sociedade industrial, imperialista e financeira, Chesterton advoga o regresso do homem à família, à pequena propriedade e ao pequeno burgo; “Cada homem é uma revolução!” Considera não haver ralé mais ralé do que a das cidades, que se considera mais esclarecida e perde a capacidade de inventar mitos, contar histórias e encontrar a felicidade. O Homem Eterno, 1925.
Ironicamente, de algum modo essa “sociedade perdida” encontrava-se no Portugal atrasado, clerical e rural que Eça criticava.
Chesterton admirava os países do Sul, onde existem padres, as pessoas se riem alto, cantam e dançam em festas e usam roupas garridas. Em Tremendas Trivialidades e em grande parte dos seus livros menciona a França, onde esteve várias vezes; o seu melhor amigo, Belloc, era francês. Atribui à Espanha grande crédito em Lepanto,1912, e assume a admiração por Cervantes. Dedica à Irlanda Cristendom in Dublin, 1932 e Irish Impressions, 1919. O Napoleão de Notting Hill, 1908, influenciaria directamente Michael Collins e a independência irlandesa. Foi a Itália em 1920 e dedicou à Polónia, onde esteve um mês, em 1927, um poema: “Onde a guerra é mais sagrada do que a paz, Onde o ódio é mais sagrado do que o amor, Brilhou terrível como o Espírito Santo, Uma águia mais branca do que uma pomba.”
Era um excêntrico, mas um excêntrico extrovertido, que fumava e apreciava a boa comida, uma boa conversa ou um bom debate. Esse seu gosto pela bebida, comida, tabaco e catolicismo, contém os ingredientes que o mundo protestante julga ser o bilhete para o Inferno.  
“O turista inglês quando chega aos países latinos se lhe pedem dez pence por algo que valha quatro pence, paga os dez pence e chama ao vendedor, ladrão. Há um milhão de erros nesta solução. O primeiro é chamar a um homem ladrão quando ele se considera a si próprio um pequeno proprietário, erro comum de uma oligarquia. O homem não gosta de receber insultos, mas a verdade é que nunca supõe que lhe paguem os dez pence. Se o inglês se detivesse um pouco na mentalidade alheia, ofereceria dois pence, de forma calma e cortês, e ambos se encontrariam a meio, num preço justo. O inglês volta as costas a esse desafio com desprezo. O que é facto é que o inglês não aprecia a finalidade do regatear nem o seu objectivo, que pressupõe que todos os homens podem, em certas circunstâncias, ser próximos.” Irish Impressions.
Chesterton começou socialista, tal como a sua cunhada e o seu irmão, porque desprezava a aristocracia inglesa, pretendia combater a plutocracia e melhorar a vida dos pobres. Chesterton abandonou o socialismo quando percebeu o seu ateísmo, a ditadura do Estado e a privação da liberdade. Explicitamente quando percebeu que o capitalismo, ao romper as relações pessoais entre empregador e empregado, explorando desumanamente o trabalhador, favorece a emergência do comunismo e do antagonismo social, numa retroalimentação que culminou com o financiamento do movimento bolchevique pelos plutocratas.
Chesterton teve uma intervenção política e económica notável, defendendo a propriedade e o homem comum, contra a aristocracia e a concentração de capital ou da propriedade. Formulou, com o seu irmão e Belloc, o modelo económico do distributismo, baseado na doutrina social da Igreja e na Encíclica Rerum Novarum.
Desconfiava dos políticos e da sua relação com o poder económico: “O político é a pestilência do tempo moderno. O que deveríamos fazer era colocar os políticos suficientemente perto para os podermos esmurrar. É surpreendente como tão poucos políticos são enforcados.”
Era profundamente democrata: “Que a cristandade é idêntica à democracia é o mais exigente dos evangelhos: não existe nada que mais amedronte os homens do que a noção de que são todos filhos de Deus.” Twelve Types, 1902.
Eça sentiu-se atraído pelo socialismo porque fazia parte da aristocracia portuguesa e, como ela, era fascinado pela sua novidade, pela sua estética e era profundamente influenciado pelo pensamento francês. Abandonou o socialismo porque sofreu a influência do pensamento inglês, porque se reaproximou da Igreja Católica, porque se casou com a filha dos condes de Resende e constituiu família.
Não se lhe conhece uma preocupação particular com a condição do homem comum, mas partilha com Chesterton a sua desconfiança pelos políticos: “Os políticos são como as fraldas. Devem ser mudados frequentemente e pelas mesmas razões.”
Nos anos finais da sua vida, alinhou ao lado do escritor brasileiro monárquico seu amigo, Eduardo Prado, na defesa dos padres e da Igreja Católica, contra o positivismo ateu comteano de bacharéis e militares, que perseguiam a Igreja.
A sua crítica, como diplomata e observador social, foi mais de índole social, económica e política: “Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más, mas nunca nos faltaram homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje, crédito não temos, dinheiro também não - pelo menos o Estado não tem - e homens não os há, ou os raros, que os há, são postos na sombra pela política. De sorte que esta crise me parece a pior- e sem cura.”, 1891.
Que diria Eça se soubesse que a Inglaterra e a sua colónia, a sua Cartago, fariam de todos os países seus vassalos, que os seus cidadãos seriam os mais odiados e os mais valiosos como resgate, que o que fabrica e vende são sobretudo os seus valores, de origem prussiana, os seus filmes, a sua música? 

 










António Campos

Anália Carmo (revisão e correcção)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Eça de Queirós e G K Chesterton I








Quanto ao Sr. Eça de Queirós e aos seus amigos deste lado do Atlântico, repetirei que o autor d’O Primo Basílio tem em mim um admirador de seus talentos, adversário de suas doutrinas, desejoso de o ver aplicar, por modo diferente, as fortes qualidades que possui; que, se admiro também muitos dotes do seu estilo, faço restrições à linguagem; que o seu dom de observação, aliás pujante, é complacente em demasia; sobretudo, é exterior, é superficial. O fervor dos amigos pode estranhar este modo de sentir e a franqueza de o dizer. Mas então o que seria a crítica?

Obra Completa de Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. III, 1994


É interessante estabelecer um paralelismo entre o pensamento de Chesterton (1874-1936) e a obra de um escritor praticamente seu contemporâneo, Eça de Queirós (1845-1900), que viveu em Inglaterra em Newcastle-upon-Tyne (1874-1879) e em Bristol (1879-1888). Viveria apenas dois anos na sua amada Paris (1888-1900) onde viria a morrer de tuberculose.

Distinguem-se claramente dois períodos na obra de Eça de Queirós. No primeiro período, Eça criticou a Igreja Católica numa época em que era popular e moderno fazê-lo. O incesto e o adultério, a luxúria e a lascívia, eram assuntos principais dos seus romances, como em O Primo Basílio (onde é manifesta a influência de Balzac) e até no mais tardio Os Maias, menosprezando a fé como em A Relíquia ou o celibato como em O Crime do Padre Amaro (onde a influência de Zola é por demais evidente).
As correntes literárias na Universidade de Coimbra, nomeadamente com a Questão Coimbrã, e a simpatia com o pensamento francês (Balzac e Baudelaire em particular), trazido pelos ares do novo caminho de ferro, o Sud Express, que chegava de Paris, criaram uma moda, uma atmosfera, de desprezo e ataque à Igreja Católica. Assumido homem racionalista, experimenta com os seus amigos positivistas e socialistas a incerteza mística. Já em Lisboa, forma o grupo ironicamente denominado Cenáculo, com Antero de Quental, Teófilo Braga e Ramalho Ortigão. Antero de Quental intervalava o socialismo e Proudhon com o misticismo e o pessimismo, acabando por se suicidar. Teófilo Braga, que viria a ser um dos presidentes do desastre a que chamaram Primeira República, era socialista, ateu, mas místico, ferozmente anti-clerical. Nesse grupo, destinado a continuar em Lisboa a atmosfera coimbrã, insultavam-se a Igreja Católica, Deus e todas as instituições da sociedade. Elaborou os poemas satânicos da personagem Fradique Mendes. É marcada a influência de Baudelaire e do simbolismo, estética que poderia ser considerada a precursora do desconstrucionismo na arte e na filosofia. É neste seu período, sobretudo a propósito de O Primo Basílio e de O Crime do Padre Amaro, que o excelente Machado de Assis (1839-1908) lhe faz uma crítica contundente e mordaz, inteligente e assertiva.
No segundo período, que compreende Os Maias, A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras, manifesta-se a crítica a uma ralé aristocrática, que fazia do adultério passatempo e do ócio modo de vida. Eça apontava essa decadência moral, como quem expõe a fraqueza do puritanismo, como quem diz que o sinistro Mr. Hyde é, na verdade, o respeitável Dr. Jekyll, mas se abstém de fazer um juízo moral ou propor um comportamento alternativo. Neste período manifesta-se um desencanto com o mundo moderno e um desejo de retorno às origens. Foi nesta altura que este homem, esguio e recatado, casou, teve quatro filhos e sofreu marcada influência da sua longa estadia em Inglaterra.
Apesar de uma reaproximação à Igreja Católica, o misticismo marca-o até final da sua vida e é espantoso como entre o seu mobiliário de Paris, parte dele conservado actualmente na “Casa de Tormes”, que pertence à Fundação Eça de Queirós, se encontra uma mesa e candeeiro onde, com os seus amigos, fazia sessões de espiritismo.
Se o percurso de Eça foi o de uma busca do materialismo a partir de um ambiente religioso, o de Chesterton foi o de partir de uma Inglaterra vitoriana, puritana, fortemente anti-papista, ter uma passagem pelo deserto do agnosticismo, chegar a algo próximo de um anglicanismo da Igreja Alta e, finalmente, a assumpção do catolicismo, destemidamente, com confessa simpatia por Manning e Newman, e proximidade ou mesmo intimidade com John O’Connor e Ronald Knox. Chesterton foi sempre um apologista de uma concepção católica do Universo, mesmo antes da sua entrada na Igreja Católica em 1922. Chesterton teve sempre uma moral, um comportamento e uma teologia a propor. Converteu muitos antes de entrar, continuou, e continua, a converter muitos após a sua entrada na Igreja. Seguramente foi, inicialmente, um católico dos que ficam no Adro e indicam a quem passa o caminho da Igreja, mas nunca foi um daqueles católicos exemplares que só se sentem bem na sacristia e que, fora dela, a ninguém conseguem mostrar o caminho da Igreja.
Outra faceta distintiva do carácter de Chesterton é que ele não se limitou a revelar o que estava mal. Fez um juízo e propôs um caminho alternativo, uma moral e uma teologia.
Finalmente, tudo na sua vida era um espelho do que opinava e escrevia. Chesterton era transparente como o cristal. Não sofreu influência de modas nem de correntes literárias e nunca ambicionou sublimar a sua escrita ou rotulá-la. Como bom jornalista, a escrita era a sua forma de comunicar, o seu dom natural.





António Campos

Anália Carmo (revisão e correcção da primeira parte de três)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

CHESTERTON VISTO POR H. BELLOC


Hilaire Belloc foi um escritor britânico de origem francesa que conviveu e colaborou durante muitos anos com Chesterton, de tal modo que George Bernard Shaw cunhou mesmo o
 vocábulo “Chesterbelloc” para caracterizar essa estreita e profunda ligação cultural e literária. Tendo nascido nos arredores de Paris, em La Celle-Saint Cloud, a 27 de Julho de 1870, filho de pai francês e de mãe inglesa, convertida ao catolicismo, fez, após a morte de seu pai, toda a sua superior educação em Inglaterra, primeiro na Oratory School, em Birmingham, onde recebeu influência do Beato J. H. Newman, e mais tarde em Oxford, no Balliol College, onde se licenciou em História. Aluno brilhante, o facto de ser católico não lhe garantiu o acesso a uma cátedra, como seria normal se fosse anglicano.


     Escritor multifacetado foi, sobretudo, poeta, historiador, ensaísta, crítico literário e jornalista. Fundou com G. K. Chesterton o semanário Eye Witness em 1911. E quer através de jornais ou revistas, quer por meio de livros, debates e discursos, exerceram ambos notável influência no meio cultural e na sociedade inglesa da primeira metade do século vinte. Algumas das suas obras continuam a ser reeditadas – excepto em Portugal, onde a sua presença é escassa -, sempre com proveito de leitores interessados e cultos e garantido êxito editorial. Fiel a uma amizade que o marcou para sempre foi, sem dúvida, não só um dos melhores amigos de G. K. Chesterton, mas talvez quem melhor o conheceu, não apenas através da sua obra mas também pelo convívio continuado e fraterno. Faleceu a 16 de Julho de 1953, em Guildford, Surrey, embora a partir de 1941 tivesse tido graves problemas de saúde que o levaram a viver retirado de tudo e de todos.
     Hilaire Belloc faz uma análise lúcida e coerente da obra de Chesterton num texto que serviu de prólogo a um volume publicado em 1933 – The glass walking stick and other essays - do autor de Ortodoxia e que recolhe, ainda em vida, vários dos seus ensaios. Tem como título Lugar de G. K. Chesterton nas letras inglesas e nele H. Belloc sintetiza as principais características culturais da obra de Chesterton em seis pontos.

     No primeiro, considera que o aspecto dominante de Chesterton, como escritor e como homem, é “ que era nacional”. O carácter nacional da obra de este escritor e pensador inglês radica, precisamente, no facto de, como nos diz, Chesterton ser “nacional em si mesmo”, pois “seguir o seu pensamento e a sua obra é uma introdução à alma inglesa. É um espelho de Inglaterra, e é particularmente inglês no seu método de pensar, como é a sua visão das coisas e dos homens.” E conclui, de forma certeira: “Escreve com acento inglês.”

     A segunda questão que realça é o sentido que Chesterton revela com o rigor e a qualidade de argumentação, que desenvolve nos seus escritos ou esgrime, com grande elegância, nos seus debates e discursos. Uma precisão de linguagem e um rigor de pensamento que, sublinha, foram outrora apanágio dos ingleses mas estão hoje arredadas das suas preocupações quotidianas. Também entre nós ganham os sofismas amplo direito de cidadania, servindo para confundir os incautos e enganar os inocentes. A boa lógica desapareceu da argumentação escrita e oral e a falta de rigor tornou-se a norma que corrói e destrói todas as normas.

     O terceiro rasgo, como lhe chama H. Belloc, é a singular capacidade de utilizar o paradoxo, com que iluminava e explicava a realidade, através de comparações. Considera-a mesmo a arma peculiar do génio de Chesterton, embora elucide claramente o leitor sobre o verdadeiro significado de paradoxo que não é, de modo nenhum, um mero artifício de linguagem que busca deliberadamente espantar o leitor através de uma contradição artificiosa. É a iluminação de uma realidade concreta mediante uma justaposição inesperada e que melhor a esclarece. Não é um simples jogo verbal. Não pode, por isso, ser considerado como fruto de um verbalismo oco e sem sentido. Pelo contrário. Foi uma das suas características fundamentais que ninguém, até hoje, conseguiu imitar e é o elemento mais forte da sua maneira de escrever e de pensar, como marca pessoal da sua excepcional agudeza de engenho e capacidade de raciocínio.
No quarto ponto salienta a fundamentação histórica com que envolve todos os seus trabalhos, sem descurar também a visão sólida e profunda que tem do próprio ambiente literário em que se movimentam os seus estudos. O conhecimento que tinha da literatura inglesa permitiu-lhe deixar-nos importantes ensaios nesta área e cuja finura de análise assombra ainda hoje muitos conceituados especialistas. As páginas que dedicou a Charles Dickens são, entre outras, uma prova evidente de esta afirmação.

     O quinto aspecto que constitui para todos nós um exemplo a prosseguir é a caridade. O amor que tinha pelo próximo levava-o a perceber o correcto sentido da caridade cristã. Encarava a controvérsia – que era para si um autêntico deleite, uma alegria imensa – nunca como um conflito ou como se de uma dura batalha se tratasse. Ao invés, via-a como um modo de apreciar a riqueza de pensamento, o rigor de raciocínio, a busca da verdade, mas também uma maneira de respeitar e, mais do que isso, admirar o próprio antagonista, o adversário com quem esgrimia argumentos mas com quem sempre se reconciliava fraternalmente no final do debate.

     E, finalmente, diz-nos H. Belloc, toda a substância da sua vida e da sua obra se resume numa simples frase: a aceitação da sua fé. Foi católico antes de se converter; converteu muitos depois de receber o baptismo. Nunca cedeu à tentação de esconder a sua fé, num país e numa época em que ser “papista” era um insulto ou, pelo menos, motivo de desprezo.

     É esta imagem que o seu amigo Hilaire Belloc nos deixa e que, creio, corresponde por inteiro à figura cimeira da cultura inglesa, da cultura europeia, da cultura católica, não apenas do século passado mas cada vez mais de este século que tanto precisa de intelectuais católicos que não tenham medo de procurar a verdade e de a proclamar com a argúcia e o humor de G. K. Chesterton.





   ANTÓNIO LEITE  DA  COSTA