quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Chesterton e o Conservadorismo - Introdução




Muitas pessoas simpatizam com Chesterton por ele ser conservador. É um misconcept. Mas para
discutir este assunto, primeiro, como faziam os escolásticos, é necessário estar de acordo com a definição do que queremos discutir. O que é ser conservador, existe diferença entre um conservador no mundo muçulmano, judaico, chinês, ou nas três matrizes europeias (ortodoxa, protestante e católica)? Para simplificar vamos considerar apenas a mesma família – o Ocidente. O que é ser conservador no Ocidente? Grande parte das pessoas toma os tories britânicos como o grande símbolo do conservadorismo. Outros, porventura menos atentos, tomam o republicanismo americano como símbolo conservador. Na verdade, a sociedade americana tem matriz liberal e aquilo que tomamos como conservadorismo, oriundo sobretudo da Nova Inglaterra, nada mais é do que uma forma de puritanismo moral com liberalismo económico. First things first ou back to basics, consideremos então as raízes do conservadorismo britânico.


Durante o reinado de Henrique VIII (1509-1547), os mosteiros e abadias (incluindo a de Westminster) foram confiscados à Igreja Católica inglesa e os nobres que se recusaram a abandonar Roma foram desapossados das suas terras e dos seus haveres. Os nobres, as suas famílias e os seus servos. A coroa distribuiria então esses enormes recursos por uma oligarquia de nobres que apostataram com o rei. Simultaneamente os terrenos baldios foram confiscados e atribuídos ao landlord. Foi a primeira concentração de propriedade e a primeira exponenciação da pobreza. Diz Chesterton, usando a analogia do evangelho:

“O inglês comum foi desapossado das suas propriedades, em nome do progresso. Os destruidores das abadias levaram-lhe o pão e deram-lhe uma pedra, sublinhando que era uma pedra preciosa, o seixo branco do eleito por Deus. Levaram-lhe o maypole (mastro com fitas erguido no primeiro dia de maio à roda do qual as pessoas dançam) e a sua vida rural e prometeram-lhe a vida nova da paz e do comércio, inaugurada com o Palácio de Cristal.”





Ser pobre em Inglaterra pode ser muito mais duro que em Portugal ou no Brasil. Naquele tempo não existia petróleo para o aquecimento nem ajuda social de qualquer tipo. Confiscados os mosteiros e dissolvidas as ordens religiosas e com elas o ideal beneditino da hospedagem, deixou de existir caridade e ajuda aos pobres. Pelo reinado de Isabel I (1558-1603), filha de Henrique VIII e Ana Bolena, o número de pobres era tão grande que Walsingham e a rainha pensaram em os abater. Contudo, o grande número implicaria um grande esforço para a coroa na tarefa do abate. Na Irlanda, o massacre, a deportação, a escravatura, o confisco da terra, a fome e a peste que Isabel I iniciou e que Cromwell culminou, sempre sob o alibi da vontade de Deus, nivela-os com Hitler, Estaline ou Mao. Foram os ingleses quem reiniciou na idade moderna a escravatura. Um véu de silêncio foi colocado pelos vencedores sobre a história do notável povo irlandês.


Perdida a noção de que um pobre pode ser a face de Cristo ou o próprio Cristo, com Calvino (1509-1564), em favor da noção mais utilitária de que os pobres têm o que merecem, aos pobres restaram os asilos, a exploração e a migração para as cidades. Os mosteiros não só socorriam os pobres como faziam investigação agrária, renovação das sementes, fornecendo não só comida, como também as sementes necessárias à sementeira. Chesterton outra vez:


“Os ricos despejaram literalmente os pobres das hospedarias para o olho da rua, dizendo-lhes que era a rua do progresso. Literalmente conduziram-os para para as fábricas e o esquema moderno de escravatura e dependência do capital, convencendo-os de que este era o único caminho para o bem-estar e a civilização. Da mesma forma que lhes retiraram a comida e a cerveja do convento, dizendo-lhes que as ruas do céu se encontravam pavimentadas a ouro, agora retiraram-lhes a comida e a cerveja da aldeia, dizendo-lhe que as ruas de Londres estavam pavimentadas a ouro. O pobre entrou assim para o alpendre lúgubre do puritanismo para depois passar ao alpendre lúgubre do industrialismo, ao som de que cada um deles era, à vez, o portão do futuro. Até aqui só tinha ido de prisão em prisão, ou melhor, para prisões cada vez mais escuras, uma vez que o calvinismo ainda abria uma pequenina janela para o céu. E finalmente é-lhe ensinado, com a mesma atitude de educação e autoridade, que entre noutro alpendre escuro, ao qual deve entregar, em mãos invisíveis, os seus filhos, a sua propriedade e todas as tradições dos seus pais.”


Esta migração de miseráveis fez de Londres a maior cidade do mundo, forneceu mão de obra para a revolução industrial e para a expansão marítima. O puritanismo tinha-se encarregado de lançar mais um manto negro sobre os católicos e os pobres, retirando-lhe a alegria dos prazeres da vida e a muitos a própria vida. Cromwell ficaria para a história com o apropriado nome de carniceiro, o assassino. Era a Londres de Dickens.




Com a constituição das empresas marítimas, dos seguros e das fábricas, a mesma aristocracia rural lealista tornou-se uma oligarquia comercial, industrial e financeira. Com a mentalidade calvinista e puritana do casamento por dote e da herança para o filho mais velho, impediu-se a migração social e assistiu-se a mais uma concentração de capital.

Esta concentração de capital teve repercussão nas universidades. A Oxcam (Oxford e Cambridge) é em grande medida instrumento da aristocracia. É estranho que os meninos ricos, filhos de lordes, que não fazem nada na vida, excepto passar o tempo nos seus clubes exclusivos, na caça à raposa e em Ascot, tenham todos educação nessas duas universidades e nos “melhores” colégios. Os college vivem de donativos e de imagem e a lordship fornece ambos.

Nunca se esqueceram tanto as palavras de São Pedro: “O homem deve ganhar o pão com o suor do seu rosto…e um homem de honra é aquele que não vive do suor do rosto de outrem.”
Só em Inglaterra a propriedade dos monumentos nacionais não é dos cidadãos mas da realeza, só em Inglaterra os lordes têm uma câmara alta. É desta elite que se origina a partidocracia inglesa e é com Burke que foi lançado o ideal conservador. Será objeto da segunda parte deste artigo quando criticarmos o pensamento de conservadores como João Pereira Coutinho.



Referências


2 – A. J. Penty. A Guildsman’s Interpretation of History.

3 – Chesterton. The Outline of Sanity.

4 – Houston Catholic Worker, vol 21, 5, 2001.

1 comentário:

  1. Boa tarde, Antônio. Tudo bem?

    Você concederia a permissão de republicarmos alguns de seus ensaios, como os que tratam do conservadorismo, em nosso site (http://saochesterton.com.br)?

    Abraços

    ResponderEliminar