Muitas pessoas simpatizam com Chesterton por ele ser conservador. É um misconcept. Mas para
discutir este assunto, primeiro, como faziam os escolásticos, é necessário estar de acordo com a definição do que queremos discutir. O que é ser conservador, existe diferença entre um conservador no mundo muçulmano, judaico, chinês, ou nas três matrizes europeias (ortodoxa, protestante e católica)? Para simplificar vamos considerar apenas a mesma família – o Ocidente. O que é ser conservador no Ocidente? Grande parte das pessoas toma os tories britânicos como o grande símbolo do conservadorismo. Outros, porventura menos atentos, tomam o republicanismo americano como símbolo conservador. Na verdade, a sociedade americana tem matriz liberal e aquilo que tomamos como conservadorismo, oriundo sobretudo da Nova Inglaterra, nada mais é do que uma forma de puritanismo moral com liberalismo económico. First things first ou back to basics, consideremos então as raízes do conservadorismo britânico.
Durante o reinado de Henrique VIII
(1509-1547), os mosteiros e abadias (incluindo a de Westminster) foram
confiscados à Igreja Católica inglesa e os nobres que se recusaram a abandonar
Roma foram desapossados das suas terras e dos seus haveres. Os nobres, as suas
famílias e os seus servos. A coroa distribuiria então esses enormes recursos
por uma oligarquia de nobres que apostataram com o rei. Simultaneamente os terrenos
baldios foram confiscados e atribuídos ao landlord.
Foi a primeira concentração de propriedade e a primeira exponenciação da
pobreza. Diz Chesterton, usando a analogia do evangelho:
“O inglês comum foi desapossado das
suas propriedades, em nome do progresso. Os destruidores das abadias
levaram-lhe o pão e deram-lhe uma pedra, sublinhando que era uma pedra preciosa,
o seixo branco do eleito por Deus. Levaram-lhe o maypole (mastro com fitas erguido no primeiro dia de maio à roda do
qual as pessoas dançam) e a sua vida rural e prometeram-lhe a vida nova da paz
e do comércio, inaugurada com o Palácio de Cristal.”
Ser pobre em Inglaterra pode ser muito
mais duro que em Portugal ou no Brasil. Naquele tempo não existia petróleo para
o aquecimento nem ajuda social de qualquer tipo. Confiscados os mosteiros e
dissolvidas as ordens religiosas e com elas o ideal beneditino da hospedagem,
deixou de existir caridade e ajuda aos pobres. Pelo reinado de Isabel I
(1558-1603), filha de Henrique VIII e Ana Bolena, o número de pobres era tão
grande que Walsingham e a rainha pensaram em os abater. Contudo, o grande
número implicaria um grande esforço para a coroa na tarefa do abate. Na
Irlanda, o massacre, a deportação, a escravatura, o confisco da terra, a fome e
a peste que Isabel I iniciou e que Cromwell culminou, sempre sob o alibi da
vontade de Deus, nivela-os com Hitler, Estaline ou Mao. Foram os ingleses quem reiniciou na idade moderna a escravatura. Um véu de silêncio foi
colocado pelos vencedores sobre a história do notável povo irlandês.
Perdida a noção de que um pobre pode
ser a face de Cristo ou o próprio Cristo, com Calvino (1509-1564),
em favor da noção mais utilitária de que os pobres têm o que merecem, aos
pobres restaram os asilos, a exploração e a migração para as cidades. Os
mosteiros não só socorriam os pobres como faziam investigação agrária,
renovação das sementes, fornecendo não só comida, como também as sementes
necessárias à sementeira. Chesterton outra vez:
“Os ricos despejaram literalmente os
pobres das hospedarias para o olho da rua, dizendo-lhes que era a rua do
progresso. Literalmente conduziram-os para para as fábricas e o esquema
moderno de escravatura e dependência do capital, convencendo-os de que este era
o único caminho para o bem-estar e a civilização. Da mesma forma que lhes
retiraram a comida e a cerveja do convento, dizendo-lhes que as ruas do céu se
encontravam pavimentadas a ouro, agora retiraram-lhes a comida e a cerveja da
aldeia, dizendo-lhe que as ruas de Londres estavam pavimentadas a ouro. O pobre
entrou assim para o alpendre lúgubre do puritanismo para depois passar ao alpendre
lúgubre do industrialismo, ao som de que cada um deles era, à vez, o portão do
futuro. Até aqui só tinha ido de prisão em prisão, ou melhor, para prisões cada
vez mais escuras, uma vez que o calvinismo ainda abria uma pequenina janela
para o céu. E finalmente é-lhe ensinado, com a mesma atitude de educação e
autoridade, que entre noutro alpendre escuro, ao qual deve entregar, em mãos
invisíveis, os seus filhos, a sua propriedade e todas as tradições dos seus
pais.”
Esta migração de miseráveis fez de
Londres a maior cidade do mundo, forneceu mão de obra para a revolução industrial
e para a expansão marítima. O puritanismo tinha-se encarregado de lançar mais
um manto negro sobre os católicos e os pobres, retirando-lhe a alegria dos prazeres da vida e a muitos a própria vida. Cromwell ficaria para a história
com o apropriado nome de carniceiro, o assassino. Era a Londres de Dickens.
Com a constituição das empresas
marítimas, dos seguros e das fábricas, a mesma aristocracia rural lealista
tornou-se uma oligarquia comercial, industrial e financeira. Com a mentalidade
calvinista e puritana do casamento por dote e da herança para o filho mais
velho, impediu-se a migração social e assistiu-se a mais uma concentração de
capital.
Esta concentração de capital teve
repercussão nas universidades. A Oxcam (Oxford e Cambridge) é em grande medida
instrumento da aristocracia. É estranho que os meninos ricos, filhos de lordes,
que não fazem nada na vida, excepto passar o tempo nos seus clubes exclusivos,
na caça à raposa e em Ascot, tenham todos educação nessas duas universidades e
nos “melhores” colégios. Os college
vivem de donativos e de imagem e a lordship
fornece ambos.
Nunca se esqueceram tanto as palavras
de São Pedro: “O homem deve ganhar o pão com o suor do seu rosto…e um homem de
honra é aquele que não vive do suor do rosto de outrem.”
Só em Inglaterra a propriedade dos
monumentos nacionais não é dos cidadãos mas da realeza, só em Inglaterra os
lordes têm uma câmara alta. É desta elite que se origina a partidocracia
inglesa e é com Burke que foi lançado o ideal conservador. Será objeto da
segunda parte deste artigo quando criticarmos o pensamento de conservadores
como João Pereira Coutinho.
António Campos
Referências
2 – A. J. Penty. A Guildsman’s Interpretation of
History.
3 – Chesterton. The Outline of Sanity.
4 – Houston Catholic Worker, vol 21, 5, 2001.
Boa tarde, Antônio. Tudo bem?
ResponderEliminarVocê concederia a permissão de republicarmos alguns de seus ensaios, como os que tratam do conservadorismo, em nosso site (http://saochesterton.com.br)?
Abraços