domingo, 29 de novembro de 2015

Ernst Bloch (1885-1977) – Em busca da Esperança




Olho para o princípio da esperança e confesso o meu fascínio por Bloch, não tanto pelas
suas referências elogiosas a Chesterton, que me despertaram a atenção, muito menos por simpatia com a sua filosofia, mas sobretudo pela sua imagética. Para Bloch, a verdade intrínseca das coisas, aquela que irrompe “de dentro”, só pode ser alcançada após uma “completa transformação do universo, um grande apocalipse, a descida de um messias, um novo céu e uma nova terra.” É interessante observar um ateu à procura de uma esperança radical no marxismo, plena de whishful thinking, utopia.


A amplitude de conhecimentos e a subtileza exegética de Bloch, sem igual no mundo marxista, fê-lo reescrever toda a Bíblia, para “inventar” uma espécie de cristianismo ateísta, um gnosticismo. O Cristo rebelde e revolucionário, que não fazia compromissos, a quem o Pai enviou para a morte, aquele que não tinha onde reclinar a cabeça. A ambivalência de Bloch em relação ao cristianismo, uma certa generosidade ateia em relação à figura de Cristo, é contudo norteada pelo “espírito do sistema”. Esse “espírito do sistema” recorrente nos autores marxistas que manifestam uma genuína paixão por Cristo, é o sufoco na incompreensão da particularidade, da individualidade, da relação. Este não encontrar da divindade de Cristo amputa o valor da esperança. O encontro é substituído: não pelo vislumbre, mas pelo conceito. 


“A morte é o mais duro golpe contra a utopia.(…) A morte é o não-eu, estranho absoluto, o irracional da razão de cada civilização, o estranho e incompreendido. (…) Para quê o esforço da nossa existência se morremos completamente, vamos para a cova e, em última instância, não nos resta nada? (…) O túmulo, a escuridão, a putrefacção, os vermes têm e tiveram, sempre que não são reprimidos, uma espécie de poder retroactivo desvalorizante.”


Bloch fala como se estivesse vivo dentro do túmulo!


“É terrível ter de viver, sabendo que quanto mais amadurecemos, mais a nossa existência se encurta. O relógio bate a hora e estamos uma hora mais próximos do túmulo.”

Bloch encontra-se fixado neste mundo da vida diária, o Lebenswelt, o mundo onde, nas palavras de Alfred Schutz, os homens crescidos e despertos se relacionam entre si, agem no mundo e partilham experiências. O orgulho mantém o sonambulismo, a apetência do intelecto por sistemas impede a percepção da caridade.






Premissas


Bloch era filho de judeus não religiosos e, aos quinze anos, quando fazia a sua confirmação diante do altar, acrescentou três vezes “sou ateu”. Tinha chegado à conclusão que tudo era matéria por duas razões: a responsabilidade de um eventual Deus pela existência do mal no mundo (o problema crítico da teodiceia, nunca compreendido pelos ateus) e a ideia de que não é o Genesis o mais importante da religião mas sim o Apocalipse (a incompreensão da incompletude da Criação como expressão radical da liberdade). O Primado do fim sobre o princípio. A sua mente hegeliana raciocina em dicotomias e alternâncias. O Êxodo apontaria para o processo (tudo é processo, transformação) e o Apocalipse apontaria para o fim.


Então, tudo é “ainda-não”. Bloch contesta a noção hegeliana de que tudo é regresso ou reconhecimento e por outro lado critica Marx e Feürbach por não terem redefinido o messianismo escatológico: um reino messiânico de Deus sem Deus. O ateísmo não seria o inimigo da utopia religiosa, seria o seu pressuposto, dela desencadeante: “sem ateísmo não existe qualquer lugar para o messianismo”. O Deus absconditus era afinal o Homo absconditus. Bloch recusa qualquer acesso à religião por Revelação, por transcendência. O Cristo que não tinha onde reclinar a cabeça, estava em permanente conflito com o Pai, aquele que o abandonara. Cristo era esse rebelde por amor humanista, esse Prometeu, que abdicou de qualquer compromisso político para se encaminhar para um final previsível. Cristo era não só aquele que o Pai abandonou; era aquele que o Pai enviou para a morte.


Respostas



Se tudo é “ainda não”, processo, como pode o homem comportar-se durante o processo para chegar afinal a bom porto? Por um lado, através da atitude de Kant de recusa da religião: o “ousa saber” é a saída do homem da menoridade culposa. Por outro lado, na esperança utópica pela perfeição. Usando as palavras de Agostinho: “no último dia seremos nós próprios”, i.e., o domingo ainda não foi criado.

Esta noção de um passado apenas grávido do futuro por transformação e nunca por anamnese ou identificação, leva não só à crítica do hegeliano Bloch a Hegel, mas também a Platão e a Freud – o Ultimum está em relação com o Novum e não com o Primum. Este ainda-não consciente tem duas implicações: somos, mas não sabemos o que somos e somos numa “aurora para a frente”. Eu sou, mas eu não me possuo. Apenas me encontro no novo, no utópico.


Ora esta noção tem implicações profundas no conceito de esperança. Se a realidade última está no novo, ela nunca pode ser um regresso. O homem como ainda-não identifica-se com a realidade enquanto possibilidade. A matéria precisa da sua forma mais audaciosa, do homem-Prometeu, para orientar esse processo em curso – “o filho próprio da matéria, no qual ela abre os olhos e se reflecte”. 

Processo em curso, eis a chave de todo o pensamento marxista.


É esta utopia que a morte desafia tão radicalmente. Afinal para quê, que sentido tem tudo isto? Todo o animal tem medo de morrer, mas só o homem tem a angústia da morte, antecipação do indefinível, do nada da dissolução. A consciência do eu proporciona a antecipação consciente da aniquilação inevitável. “Para quê o esforço da nossa existência, se morremos completamente, vamos para a cova e, em última análise, não nos resta nada?”


Como escapar dessa angústia da morte, desse aniquilador de todas as utopias? A humanidade inventa estratégias: a evicção ou ocultação, a guerra, a fé no êxito, a fé no sucesso dos filhos (o nepotismo), “o mito de paraísos ultra-terrenos”. Falta a teodiceia marxista que Blöch procurou toda a sua vida. Primeiro, durante a juventude, pela metampsicose e reencarnação. No entanto, nem a reencarnação salva a individualidade pessoal. Qual daqueles “eus” sou “eu mesmo”?


A resposta marxista ocorre durante o socialismo, o processo em curso. O herói marxista sacrifica a sua vida pela revolução, “caminhando resolutamente para o nada, com espírito livre, como lhe foi ensinado a crer. Imola-se sem esperança na ressurreição, deixa de considerar o seu eu importante pelo ganho da consciência de classe, a solidariedade. Esse materialista morre como se toda a eternidade fosse sua.” Nas palavras de Marx, “a morte aparece como a vitória do género sobre o indivíduo”; nas palavras de Hegel, a secularização da morte de Cristo e a sua ressurreição como a tomada de consciência do espírito da comunidade é “a sexta-feira especulativa”.


No entanto, um paraíso terreno futuro pode ser motivo bastante para que um homem se entregue à morte sem angústia durante a revolução, mas será insignificante para um homem que tenha uma doença terminal como o cancro ou que acabou de perder o seu filhinho querido. Perante a doença grave que confronta o homem com a aniquilação iminente ou com uma perda irreparável, a escatologia marxista não é bastante. A escatologia religiosa é menos estreita e oferece horizontes mais vastos. As pessoas buscam uma mais completa consolação.




Realizada a sociedade comunista, tendo-se passado do reino da necessidade para o reino da liberdade, superados os conflitos de classe, desaparecerá também a morte? Ou pelo contrário, um reino de felicidade absoluta, não aumentará a angústia da sua perda e da sua radical subtracção? Encontrado o paraíso, não será a dor da morte mais intensa? Bloch reconhece o paradoxo. Numa sociedade sem classes, privada de sacerdotes, será pungente o problema da finalidade e da destinação: “Uma vez eliminadas a pobreza e a preocupação pela vida, ergue-se com particular dureza a preocupação com a morte. (…) É mais fácil alimentar o homem do que redimi-lo, reconciliá-lo consigo e connosco, com a morte e com esse mistério absolutamente vermelho que consiste na existência do mundo.”
Se em termos de premissas existiam a prioris, que de modo algum eram menos a prioris que os da Revelação, sem a existência de testemunhos ou documentos de sustentação, então a quantidade e a qualidade de soluções propostas mergulham nas águas turvas do pensamento positivo e do mito.



“Não é de excluir a possibilidade de algum dia o homem alcançar a imortalidade, é um postulado legítimo estender o reino da liberdade ao destino da morte. Como será o homem do ano 3000? (…) Cronos devora os seus filhos porque o definitivamente autêntico ainda não nasceu, pois quando o núcleo do existir aparecer, cessará toda a caducidade. A morte ficará afastada juntamente com a insuficiência processual a que pertence." É o retomar da máxima de Epicuro: “Onde está o homem não está a morte, onde está a morte não está o homem.” No Novum está ausente toda a caducidade e corruptibilidade.


“Mesmo contra a morte, a mais poderosa anti-utopia, a esperança não desarma, competindo ao homem, com optimismo militante, fazer inclinar a balança para o lado da esperança, como dizia Kant. Sobre esta terra difícil e dura, no termo de cada vida encontra-se uma única e absoluta certeza: a morte, a mais poderosa anti-utopia. Além disso, esta morte individual é dominada pela possibilidade de uma morte cósmica, essa entropia que torna tudo inútil.”


Os marajás do mundo da sofisticação fazem um baptismo no secularismo por imersão total. Notoriamente capturados pelo tédio e enfastiamento, atitudes a que pomposamente chamam alienação, o cansaço dos intelectuais resulta do facto de apenas falarem uns com os outros, uma vez que fazem a divisão das pessoas segundo a conformidade com o seu próprio pensamento. Da mesma forma que Feürbach transformou a dialética de Hegel de diálogo em monólogo (teologia é antropologia - do homem com a sua projecção), o ambiente intelectual da modernidade vive o mesmo tipo de monismo.





Como todo o pensamento marxista, a bela prosa de Bloch colapsa perante a diferença, a liberdade e a individualidade, que são padrões do tal início ou Genesis que desvalorizou. Todas estas visões de um paraíso imobilista, tal como na visão muçulmana, é um nonsense. Se a escola prepara as pessoas para o trabalho, também esta vida, de algum modo, tem que preparar as pessoas para a outra.


Então o que fazer com as pessoas que não querem ir para o paraíso? As pessoas não poderão manter a liberdade de escolher ficar fora do paraíso, de não acreditar nele? O ainda-não não é verdadeiramente ainda-não livre, uma vez que se encaminha sobre carris para um destino pré-determinado. Ora, o que evita que a História  seja uma verdadeira maçada, é precisamente o facto dela ser imprevisível, uma novidade, um Novum pleno, livre e verdadeiro.


Se um homem vive nas tensões e conflitos, se a esperança é a chama da alegria e da vida, que ganha o homem num local ou estado onde a esperança não existe e o conflito caduca? O conflito não resulta da diferença, a diferença da individualidade, a individualidade não resulta em diversidade, a diversidade em riqueza e alegria? Se a religião trata as pessoas “como gado”, o que dizer desta mitologia? Não foi Bloch quem afirmou que “o homem vive enquanto espera?” Por outro lado, se o homem descobrisse a imortalidade, isso nunca resgataria todo o resto da humanidade já caduca – nesse sentido esta utopia é muito estreita. Injusta. E onde existe injustiça não existe liberdade.


Se Deus não existe porque não impede o mal, como pode ser concebível um paraíso terreno onde os seres nele existentes têm em si a raiz do mal? Indiscutivelmente, a existência do mal mais radical nada tem que ver com a satisfação das necessidades básicas. Pelo contrário, o mal mais radical assenta no prazer em fazer sofrer, em humilhar, em desafiar as regras, em obter vantagens por caminho fácil. Como poderia estar o mal ausente nesse paraíso? O problema do mal com origem exclusiva no ser humano, continua um dos desafios mais radicais ao paraíso comunista.


É certo que Bloch não coloca em causa a existência histórica de Cristo, mas continua a morte de Deus. Vê Deus como uma projecção do homem. Mas esta tese feuerbachiana apresenta duas limitações:

A primeira, é a de que tal suposição se encontra determinada pela época. Nenhuma época é o fim da história, nenhuma época é o pináculo do saber. Pelo contrário, como dizia Ranke, cada época se apresenta perante Deus. Cada época extrai uma realidade dessa sua proximidade com Deus. Pelo facto de a nossa época não conceber a existência de anjos e demónios, isso não significa necessariamente que eles não existam. Existem tipos de saber que são realmente atemporais. Shakespeare é hoje tão actual como antes e a complexidade do espírito humano descrita por Dostoiévski não perdeu nada da sua actualidade. O apóstolo Paulo não tem deficit cognitivo face aos filhos da rádio, da net ou da televisão!




A segunda objeção é a seguinte: Existirá um modo de chegar da antropologia à teologia sem ser pela Revelação? Se o homem inventa Deus por projecção, como dizem os marxistas e dizia Freud, então será que a projecção não resulta de reflexão? Como referido, as pessoas encontram mais esperança na escatologia cristã do que na marxista, mas fica por provar que isso resulte apenas da projecção de uma necessidade. Tomemos como exemplo a matemática. Um matemático pode construir modelos matemáticos sem estar em relação com a natureza, como construções abstractas saídas do seu intelecto. O que espanta, é que também a natureza é pródiga em construções matemáticas. A matemática que o intelecto humano projecta parece, surpreendentemente, provir de uma realidade matemática universal que lhe é externa e que a sua mente parece reflectir. A mente humana e a natureza participam de uma realidade mais ampla que possui uma estrutura comum que ambas partilham. Sendo assim, projecção e reflexão são movimentos pendulares da mesma realidade. E o que se aplica ao domínio da matemática aplica-se ao domínio da esperança.


Como viver eternamente num paraíso onde nada acontece a não ser a satisfação das necessidades básicas? Em que é que ele se distingue de uma prisão?
Se Deus existe não é possível a esperança, dizia Bloch. Ora, se tudo é processo, o que há de novo? Não é apenas o velho transformado, um passado prenhe do futuro? Como falar em novo e, portanto, em esperança? E se tudo tem uma direcção fixa e obrigatória, onde reside a liberdade, a alegria e a esperança? “A morte devora toda a teleologia”, perante a morte, a sua concepção capitula.


Estas são as contradições de um homem que afirmou “Ubi Lenin ibi Jerusalem" (onde está Lenine, está Jerusalém). Mas que também supostamente defendia a liberdade do ser humano ao afirmar, “Só um ateu pode ser um bom cristão e só um cristão pode ser um bom ateu”.


Chesterton criticaria esta posição colectivista, panteísta, ao afirmar: “De acordo com a Sra. Besant, a igreja universal é apenas o eu universal. Trata-se da doutrina de que somos todos uma única pessoa; de que não existem muros de individualidade entre homem e homem…Ela não nos diz para amar o nosso próximo; ela diz-nos para sermos o nosso próximo. Esta atitude espelha o abismo insondável entre cristandade e budismo: para este tipo de budista ou teosofista, a individualidade é o pecado do homem, para o cristão ela é o objectivo de Deus, o cerne da sua ideia do universo.”


Noutra passagem, criticava que o ainda-não, a incompletude, fosse destituído de valor ontológico: “Uma das atitudes humanas mais frequentes e estranhas é aquela que acontece por exemplo num jardim à noite ou em verdes prados, em que uma flor ou uma folha nos parecem mostrar algo de novo e importante que nós, por um prodígio de imbecilidade, não vemos nem entendemos. Existe um certo valor poético, genuíno, nesse sentido de ter perdido o significado pleno das coisas. A beleza existe não apenas no conhecimento, mas também nesta deslumbrante e dramática ignorância.”





Bloch, na véspera de morrer, escutou uma vez mais a sua música mais querida, a abertura de Fidelio de Beethoven que associava à Primeira Carta de Paulo aos Coríntios: “…de repente, num instante, ao som da última trombeta.” Esta passagem sempre o comovera. Não é que Bloch tenha ido a Roma e não tenha visto o Papa; Bloch foi a Roma, mas não viu a cidade. Como eu o compreendo nestes dias…




António Campos

Notas bibliográficas:


1 - Peter L. Berger. A Rumor of Angels, Doubleday, NY, 1969.



2 - Anselmo Borges. Ernst Bloch, A Esperança Ateia Contra a Morte. Revista Filosófica de Coimbra, nº4, 1993.



3 - Murray Rothbard. The Economical Thought Before Adam Smith: An Austrian Perspective on the History of Economical Thought.Edward Elgar Pub., 1995.



4 - Cartas originais trocadas entre Adolph Lowe (New York New School for Social Research, economista e sociólogo) e Peter Berger (New York New School for Social Research, sociologia do conhecimento) entre 10 de Janeiro e 1 de Março de 1969.



5 - Silvano Zucal. Cristo na Filosofia Contemporânea, vol. 2, séc. XX. Paulus ed., SP, 2006.




6 - John Aldane. Faithful Reason: Essays Catholic and Philosophical. Ed. Routledge, London, 2004.


domingo, 1 de novembro de 2015

A BALADA DOS CONSTRUTORES DE DEUS




Pela madrugada um passarinho voou
De um ninho onde nascera

E de véspera lançara

Medo sobre os reis da terra.


A primeira árvore onde poisou
Era verde de folhas perenes;

A segunda árvore em que poisou

Era vermelha com maçãs vermelhas;


A terceira árvore onde poisou
Era estéril, acastanhada

Excepto por um morto nela pregado

Desde então numa colina sobranceira.


Nessa noite os reis da terra estavam alegres
De taças e cálices cheios;

Na noite de véspera estavam gelados
Com medo de um homem nu.


"Se ele continuasse a conversa", disseram,

"O escravo seria mais do que o homem livre;
Se ele dissesse mais um par de palavras", disseram,

"As estrelas ficavam debaixo do mar."


Disse o Rei do Leste ao Rei do Oeste,
"Eu sentia que nos olhava com severidade,

Olha, matemo-lo e façamo-lo esterco,
E rapidamente o esquecerão."


 Disse o Rei do Oeste ao Rei do Leste,
"Eu senti medo com o seu sorriso,

 Nã, matemo-lo e façamos dele deus,
Convém-nos um deus morto."


Mandaram esse jovem para uma colina
E pregaram-no num madeiro;

E no meio de trevas e de sangue
Para eles fizeram um deus.


E a última palavra não soou,
E o mundo ficou sem marca

E o melhor dos filhos de homem
Foi-se mudo, na escuridão.


E vieram os cânticos e as harpas,
Incenso, ouro e mirra,

E elevaram sobre os Serafins
O pobre carpinteiro morto.


"Tu és o príncipe de todos", cantaram,

"Da terra, do ar e do mar."

Foi então que o passarinho voou para a cruel cruz
E se escondeu nos cabelos do morto.




"Tu és o filho do mundo", gritaram,
"Fala, se as nossas orações forem atendidas."

 O pássaro castanho agitou-se no cabelo
Dando a impressão de que o morto se mexera.



Ouviu-se um guincho tal como do mundo o último grito
De todas as nações debaixo do céu

E um senhor caiu perante o escravo
E suplicou pelo perdão.


Acovardaram-se, ao contemplar os seus olhos reabertos
A antiga ira por vir;

O pássaro voou do cabelo do Cristo morto,
E pousou num limoeiro.


G. K. Chesterton, A Balada dos Que Constroem Deus




Tradução idiomática: António Campos


Nota: naturalmente dedicado a todos os filósofos da sexta-feira especulativa, porque o homem não pode mais. E um agradecimento profundo aos monges copistas que evitaram a perda dos escritos clássicos e permitiram a estes filósofos modernos retornarem ao patamar dos gregos: a sexta-feira especulativa – um agradecimento que eles próprios nunca tiveram a grandeza de fazer.