sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A Verdade - Parte II



Um dos maiores ataques no nosso tempo ao conceito de verdade é uma inteira filosofia, o desconstrucionismo. É bem o exemplo de como o caminho humano se pode afastar do senso comum e do bom senso e bater à porta do niilismo, o extremo cepticismo (que Chesterton também criticou) e da loucura.

M. Vargas Llosa, um não católico, caracteriza bem esta filosofia:

“Os filósofos libertários como M. Foucault pela sua crítica da autoridade e da civilização ocidental - aquela que mais fez progredir a liberdade, a democracia, a ciência, a arte, a música, a filosofia e os direitos humanos - destruíram a escola pública multiclassista e transformaram-na no gueto dos pobres e sede de marginais. A sua propensão para o sofisma e para o artifício intelectual desprovido de seriedade, levaram-no a escrever “O Homem não existe”. A sua denúncia paranóica dos instrumentos do poder fizeram-no negar até ao fim a realidade, cujo exemplo mais dramático foi o da SIDA que o vitimou, que tomava como uma invenção do poder para submeter a opinião pública e controlar a moral sexual.”

Esta perda de conexão com a verdade das coisas sentida pelo senso-comum, a desconexão com a realidade, a apetência pelo dogma niilista, levaram os pensadores a perderem autoridade e a deixarem o nosso tempo, tão crente nas virtudes da ciência, sem sistemas de referência, precisamente uma das grandes pedras de toque da análise científica.

Para J. Derrida, a linguagem não expressa a realidade, mas expressa-se a si mesma, vive em circuito fechado. Como se o discurso existisse por si e não como código de comunicação da realidade. A crítica superior à obra, a estética da linguagem superior ao conteúdo da mensagem. O mundo é uma ficção fabricada pelas palavras. Nada existe fora da linguagem e não existe qualquer verdade ética, lógica, cultural ou política. O apogeu desta paranóica tirania das palavras atinge-se com o axioma: “Toda a linguagem é fascista!” A única realidade que existe é o discurso que remete a outro discurso e que o poder usa para controlar a sociedade e torná-la conformista.

A maior crítica é que nenhuma outra sociedade produziu tanta arte, cultura, democracia, direitos humanos e progresso científico, material e técnico, como a sociedade ocidental. Nela convive a Igreja Católica há dois mil anos, a Reforma, a Revolução Francesa e Russa. Como poderia o conformismo originar pensamentos tão díspares como S. Tomás de Aquino, Voltaire, Hegel, Marx, Nietzsche, Dante ou Goethe?

Ou facultar a convivência entre Chesterton, H.G. Wells, Bernard Shaw?

A verdade lembra muito a parábola do elefante e dos três indivíduos que o teriam de descrever de olhos vendados (ou os três cegos): a pessoa que pegava no rabo descrevia o elefante semelhante a uma corda, o que palpava a barriga como um muro e o que palpava a perna como se fosse uma árvore.

Estarão essas descrições erradas?

Mas o elefante assemelha-se a uma corda, a um muro ou a uma árvore?

Não estará o homem dependente dos sentidos, da cognição, do preconceito, pequena parcela do Universo, na mesma posição para analisar a Verdade?

Não deixa de ser real o modo como se descreve “o elefante”, mas está longe de ser “visto”. E o elefante existe por si, não apenas na cabeça do homem vendado ou do cego.

É esta limitação de análise que levou S. Tomás de Aquino a firmar a necessidade da comunicação de Deus com o Homem, da Revelação: “Era necessário para a salvação dos homens que houvesse uma doutrina revelada por Deus, além das disciplinas filosóficas que investiga a razão humana”.

E de outra fonte, é esta limitação que leva a Loja a prescindir da Razão e da Ciência que tanto apregoa em público, para seguir a magia e o neoplatonismo iniciático, em privado.

Mas será que a razão sem fé pode intuir a realidade?

Não é isso que faz a ciência quando antes de fazer uma descoberta já intuiu a sua existência? Lembro o bosão de Higgs e a tabela periódica, mas há outras. Não segue o curso de uma Razão transcendente, lógica, pré-existente ao humano que intui?

Mas talvez Parménides de Eléia seja o exemplo mais flagrante:

A sua definição dos dois caminhos: o da verdade ou Aletheia e o da opinião ou Doxa. A sua definição do Ser-Absoluto, o que permeia todo o Universo:

Esse ser é omnipresente, já que qualquer descontinuidade na sua presença seria equivalente à existência do seu oposto, o Não-Ser. Esse ser não pode ter sido criado por algo, pois isso implicaria admitir a existência de um outro Ser. Do mesmo modo, esse Ser não pode ter sido criado do nada, pois isso implicaria a existência do “Não-Ser”. Portanto, o Ser simplesmente é. “Como poderia ser gerado? E como poderia perecer depois disso? Assim a geração se extingue e a destruição é impensável. Também não é divisível, pois que é homogéneo, nem mais aqui nem menos ali, o que lhe impediria a coesão, mas tudo está cheio do que é. Por isso é todo contínuo; pois o que é adere intimamente ao que é. Mas, imobilizado nos limites de cadeias potentes, é sem princípio ou fim, uma vez que a geração e a destruição foram afastadas, repelidas pela convicção verdadeira. É o mesmo, que permanece no mesmo e em si repousa, ficando assim firme no seu lugar. Pois a forte Necessidade o retém nos liames dos limites que de cada lado o encerra, porque não é lícito ao que é ser ilimitado; pois de nada necessita - se assim não fosse, de tudo careceria.”

Se pensarmos que Deus se apresentou a Moisés como “Eu Sou”, que o demónio não é o contrário de Deus nem lhe pré-existe, sendo apenas uma criatura angélica que se afastou, que Cristo disse que existem dois caminhos, tendo dito de si próprio: “Eu sou o caminho, a Verdade e a vida”, podemos compreender quanto a razão é condição necessária, embora não suficiente, para a compreensão da Verdade.

Dizia Chesterton: Eu tentei criar a minha própria heresia (doxa), mas no final notei que se tratava apenas da Ortodoxia (aletheia).

Neste Natal do ano da Graça de 2012, o governo sueco enviou uma resolução aos professores do país, proibindo a menção ao nome de Jesus Cristo. Os professores podem levar os alunos durante a época de Natal às igrejas, mas o nome de Jesus não deve ser mencionado. A oração, bênçãos ou declarações de fé, são proibidos. Segundo o The Christian Institute, a União Europeia distribuiu mais de três milhões de calendários escolares em 2011, com referências a festividades muçulmanas, hindus, sikhs e chinesas, mas totalmente omissos quanto ao feriado cristão do Natal. Como não respeitam Cristo, poderiam respeitar Dickens?

Diz Bento XVI: “É uma tragédia que a Europa se afirme e divulgue que a fé em Deus é antagonista do homem e inimiga da sua liberdade. Como é possível que o mais determinante para a vida humana seja remetido para a mera intimidade ou penumbra? Como é possível que se negue a Deus, sol das inteligências, força das vontades e íman dos nossos corações, o direito de propor a luz que dissipa todas as trevas?”

Sim, como é possível?

A vara tem vários sítios para onde cair, mas o essencial é que se conserve direita, Chesterton dixit. Neste tempo de heresia, em que o paganismo regressou às tabernas da velha Europa, aqui depomos o nosso pequeno voto pela Verdade.


Advento, 2012





António Campos

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