M. Vargas Llosa, um não católico, caracteriza bem
esta filosofia:
“Os filósofos libertários como M. Foucault pela sua
crítica da autoridade e da civilização ocidental - aquela que mais fez
progredir a liberdade, a democracia, a ciência, a arte, a música, a filosofia e
os direitos humanos - destruíram a escola pública multiclassista e transformaram-na
no gueto dos pobres e sede de marginais. A sua propensão para o sofisma e para
o artifício intelectual desprovido de seriedade, levaram-no a escrever “O Homem
não existe”. A sua denúncia paranóica dos instrumentos do poder fizeram-no negar
até ao fim a realidade, cujo exemplo mais dramático foi o da SIDA que o
vitimou, que tomava como uma invenção do poder para submeter a opinião pública
e controlar a moral sexual.”
Esta perda de conexão com a verdade das coisas
sentida pelo senso-comum, a desconexão com a realidade, a apetência pelo dogma
niilista, levaram os pensadores a perderem autoridade e a deixarem o nosso tempo,
tão crente nas virtudes da ciência, sem sistemas de referência, precisamente
uma das grandes pedras de toque da análise científica.
Para J. Derrida, a linguagem não expressa a
realidade, mas expressa-se a si mesma, vive em circuito fechado. Como se o
discurso existisse por si e não como código de comunicação da realidade. A
crítica superior à obra, a estética da linguagem superior ao conteúdo da
mensagem. O mundo é uma ficção fabricada pelas palavras. Nada existe fora da
linguagem e não existe qualquer verdade ética, lógica, cultural ou política. O
apogeu desta paranóica tirania das palavras atinge-se com o axioma: “Toda a
linguagem é fascista!” A única realidade que existe é o discurso que remete a
outro discurso e que o poder usa para controlar a sociedade e torná-la
conformista.
A maior crítica é que nenhuma outra sociedade
produziu tanta arte, cultura, democracia, direitos humanos e progresso
científico, material e técnico, como a sociedade ocidental. Nela convive a
Igreja Católica há dois mil anos, a Reforma, a Revolução Francesa e Russa. Como
poderia o conformismo originar pensamentos tão díspares como S. Tomás de
Aquino, Voltaire, Hegel, Marx, Nietzsche, Dante ou Goethe?
Ou facultar a convivência entre Chesterton, H.G.
Wells, Bernard Shaw?
A verdade lembra muito a parábola do elefante e dos
três indivíduos que o teriam de descrever de olhos vendados (ou os três cegos):
a pessoa que pegava no rabo descrevia o elefante semelhante a uma corda, o que
palpava a barriga como um muro e o que palpava a perna como se fosse uma
árvore.
Estarão essas descrições erradas?
Mas o elefante assemelha-se a uma corda, a um muro
ou a uma árvore?
Não estará o homem dependente dos sentidos, da
cognição, do preconceito, pequena parcela do Universo, na mesma posição para
analisar a Verdade?
Não deixa de ser real o modo como se descreve “o
elefante”, mas está longe de ser “visto”. E o elefante existe por si, não
apenas na cabeça do homem vendado ou do cego.
É esta limitação de análise que levou S. Tomás de
Aquino a firmar a necessidade da comunicação de Deus com o Homem, da Revelação:
“Era necessário para a salvação dos
homens que houvesse uma doutrina revelada por Deus, além das disciplinas filosóficas
que investiga a razão humana”.
E de outra fonte, é esta limitação que leva a Loja
a prescindir da Razão e da Ciência que tanto apregoa em público, para seguir a
magia e o neoplatonismo iniciático, em privado.
Mas será que a razão sem fé pode intuir a
realidade?
Não é isso que faz a ciência quando antes de fazer
uma descoberta já intuiu a sua existência? Lembro o bosão de Higgs e a tabela
periódica, mas há outras. Não segue o curso de uma Razão transcendente, lógica,
pré-existente ao humano que intui?
Mas talvez Parménides de Eléia seja o exemplo mais
flagrante:
A sua definição dos dois caminhos: o da verdade ou
Aletheia e o da opinião ou Doxa. A sua definição do Ser-Absoluto, o que permeia
todo o Universo:
Esse ser é omnipresente, já que qualquer
descontinuidade na sua presença seria equivalente à existência do seu oposto, o
Não-Ser. Esse ser não pode ter sido criado por algo, pois isso implicaria
admitir a existência de um outro Ser. Do mesmo modo, esse Ser não pode ter sido
criado do nada, pois isso implicaria a existência do “Não-Ser”. Portanto, o Ser
simplesmente é. “Como poderia ser gerado? E como poderia perecer depois disso?
Assim a geração se extingue e a destruição é impensável. Também não é
divisível, pois que é homogéneo, nem mais aqui nem menos ali, o que lhe
impediria a coesão, mas tudo está cheio do que é. Por isso é todo contínuo;
pois o que é adere intimamente ao que é. Mas, imobilizado nos limites de
cadeias potentes, é sem princípio ou fim, uma vez que a geração e a destruição foram
afastadas, repelidas pela convicção verdadeira. É o mesmo, que permanece no
mesmo e em si repousa, ficando assim firme no seu lugar. Pois a forte
Necessidade o retém nos liames dos limites que de cada lado o encerra, porque
não é lícito ao que é ser ilimitado; pois de nada necessita - se assim não
fosse, de tudo careceria.”
Se pensarmos que Deus se apresentou a Moisés como
“Eu Sou”, que o demónio não é o contrário de Deus nem lhe pré-existe, sendo
apenas uma criatura angélica que se afastou, que Cristo disse que existem dois
caminhos, tendo dito de si próprio: “Eu sou o caminho, a Verdade e a vida”,
podemos compreender quanto a razão é condição necessária, embora não
suficiente, para a compreensão da Verdade.
Dizia Chesterton: Eu tentei criar a minha própria
heresia (doxa), mas no final notei que se tratava apenas da Ortodoxia
(aletheia).
Neste Natal do ano da Graça de 2012, o governo
sueco enviou uma resolução aos professores do país, proibindo a menção ao nome
de Jesus Cristo. Os professores podem levar os alunos durante a época de Natal
às igrejas, mas o nome de Jesus não deve ser mencionado. A oração, bênçãos ou
declarações de fé, são proibidos. Segundo o The Christian Institute, a União
Europeia distribuiu mais de três milhões de calendários escolares em 2011, com
referências a festividades muçulmanas, hindus, sikhs e chinesas, mas totalmente
omissos quanto ao feriado cristão do Natal. Como não respeitam Cristo, poderiam
respeitar Dickens?
Diz Bento XVI: “É uma tragédia que a Europa se
afirme e divulgue que a fé em Deus é antagonista do homem e inimiga da sua
liberdade. Como é possível que o mais determinante para a vida humana seja
remetido para a mera intimidade ou penumbra? Como é possível que se negue a
Deus, sol das inteligências, força das vontades e íman dos nossos corações, o
direito de propor a luz que dissipa todas as trevas?”
Sim, como é possível?
A vara tem vários sítios para onde cair, mas o
essencial é que se conserve direita, Chesterton dixit. Neste tempo de heresia,
em que o paganismo regressou às tabernas da velha Europa, aqui depomos o nosso
pequeno voto pela Verdade.
Advento, 2012
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