quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A VERDADE - Parte I






Todos falamos na verdade, todos amamos a verdade, mas o que é a verdade?

A verdade existe por si, ou seja, é transcendente, absoluta, ou apenas existe na cabeça do observador, dependendo de quem nela fala, variando de pessoa para pessoa, sendo portanto imanente ou relativa? Ou será que a verdade tem uma existência absoluta, transcendente, independente do observador, mas, ''malgré tout'', tem também uma componente relativa consoante a percepção de quem a observa, portanto imanente?
Quantas vezes já ouvimos interlocutores na TV dizerem, ''verdade? O que é a verdade?''
Vamos em primeiro lugar caracterizar o pensamento gnóstico:

A Gnose é anterior ao Cristianismo. É Panteísta: Deus está em tudo e em todo o lugar e todos estamos mergulhados em Deus. Nada está fora de Deus, nem sequer o planeta Terra. A Gnose (conhecimento) é a essência do pensamento maçónico. Está bem representada no mundo de Hollywood pela “Força” que está em todo o lado e é uma espécie de religião: “May the force be with you!”
Procura responder às perguntas:

''Quem somos, de onde viemos, para onde vamos?''

O objectivo de resposta a estas perguntas é a elaboração de uma religião com origem no homem (antropocêntrica), recusando que Deus se tenha dirigido aos patriarcas e aos profetas por comunicações, visões ou êxtases (teocentrismo). Desvaloriza o valor do testemunho direto dos Apóstolos e o valor dos sentidos.
A gnose nasce no seio do mundo judeu, pré-cristão, com intercâmbio com os povos pagãos vizinhos, usando o Pentateuco (cinco primeiros livros da bíblia), a filosofia da Índia, do Egipto e da Pérsia (Mani e o maniqueísmo), embora com linguagem dos clássicos. Nos anos 50 é descoberta em Nag Hammadi, Egipto, uma biblioteca gnóstica em língua copta.
Logo após a morte de Jesus, os gnósticos tentam ler as suas palavras como um código só para iniciados:

-Haveria uma mensagem para uso do povo ou evangelho (ensino exotérico)
-Haveria um código oculto nas entrelinhas, só visível a iniciados (ensino esotérico).

O mal não é obra do homem, mas de um Deus mau, o Demiurgo ou Deus judaico-cristão, inferior, ignorante. Da matéria primordial, não criada, transformou (não criou) o mundo - Demiurgo ou Artesão. Aprisionou o homem puro, espiritual, neste mundo material onde sofre. O homem deve debater-se por se libertar da matéria para deixar de ser inferior a Deus.
A matéria é má, logo Cristo não tinha corpo, era um Espírito. Este dogma nega a Encarnação. Mas S. Paulo em 1 Tim 3:16 diz que Cristo apareceu num corpo. Em 1 João 4:1-3, S. João adverte que quem nega que Cristo veio na carne procede do anti-Cristo. E em 1 João 1:1, S. João afirma o valor dos sentidos: “Aquele que nós vimos, ouvimos e tocámos”. Portanto tratava-se de um homem, não de um fantasma como afirmavam os gnósticos.
Por oposição, existe um deus superior, bom, o Deus-Tudo, o Grande Arquitecto, inacessível e indiferente às coisas humanas (então como pode ser bom?).
Os anjos ou ''Sephiroth'', tal como o mundo, divinos, não foram criados porque são essência deste deus-bom.
O processo de expansão foi atrasado pela acção do Demiurgo, atrasando a união dos espíritos gnósticos com o seu deus. A queda original não é da responsabilidade de Adão e Eva, mas do Deus-cristão.
Será o Cristo-lúcifer, portador da luz, que revela que o homem é deus e que o seu inimigo é o Deus-cristão que o impede por superstição e ignorância de chegar ao estado de Deus. Contrariamente ao Cristo-Jesus, não indica uma via ou caminho de redenção.
Esse caminho deverá ser percorrido pelo iniciado, pelo estudo esotérico e pela prática “ocultista” (que não é acessível a não iniciados).

Se o mal não teve nem tem origem no homem, este não é responsável pelos seus actos:
-é inútil a progressão cristã e o valor das obras
-é inútil a luta contra as tentações e fraquezas
-é inútil todo o esforço de aperfeiçoamento
-----o essencial é a libertação da matéria na qual o Demiurgo aprisionou o homem para alcançar o estado de essência original divina, emanação do deus-bom.
-----o caminho é o ensino esotérico de Cristo, o meio é a magia que conduz o homem à iluminação, ao seu estado primordial, ao contacto com seres superiores.

Portanto as verdades do Credo cristão são negadas. A Paixão e Ressurreição de Cristo são símbolos. O homem não é resgatado, porque não é pecador, mas vítima do despotismo do demiurgo.
Por outro lado a influência maniqueísta é manifesta. O Demónio é o oposto de Deus e não uma sua criatura que se afastou definitivamente por vontade própria, como ensinam as três religiões monoteístas.
Para os gnósticos, há três partes no homem:

1-O corpo ou 'soma': mau
2-Parte psicológica ou 'psyche': força má que sustém a matéria
3-Parte divina ou 'pneuma': indiferente às coisas do corpo

Portanto o homem não é responsável pelos seus actos, que têm origem nesta força, a psyche, inferior e má, da qual o homem não tem qualquer culpa de estar dotado.
Há semelhanças óbvias com a psicanálise e com Lutero: ''As obras são inúteis ao homem, incapaz de actos bons. A salvação vem da fé, uma fé iniciática, da correcta interpretação das escrituras.''

A psicanálise moderna também libertou o homem do Bem e do Mal, responsabilizando um inconsciente mal definido, a Psyche, pelos actos malévolos.
O inconsciente é o local das pulsões instintivas às quais o homem deve dar livre curso para não criar complexos perniciosos de culpa, i.e., liberdade sexual, perversão, droga.
Esquece-se do Outro: estes comportamentos infligem sofrimentos em terceiros!
Como nota Chesterton em Hereges, a psicanálise é o substituto moderno do confessionário, mas ao contrário da Confissão não visa a admissão de culpa e reparação, mas sim a anulação da culpa e do outro, pela libertinagem. “O Inferno são os outros.”

A regra gnóstica geral é a recusa da procriação, porque Deus-cristão exortou o homem no livro do Génesis:''Crescei e multiplicai-vos!''. Ora isto perpetua o mal na Terra.
Mais uma vez Chesterton sublinha que a ideologia moderna ao realçar a ignorância dos homens simultaneamente como pretexto e dogma, aponta que a humanidade deve dar origem a uma versão superior de si própria, ao super-homem, ao homem socialista, às vanguardas iluminadas, aos iniciados, com supressão do homem comum pela violência e pela força. Segue o “mandamento”: “Evoluí e destruí-vos!”
As orgias rituais significam isso mesmo: a recusa da vida!
O culto da morte, muito evidente na mitologia nórdica e germânica (Goethe, Wagner, Valhalla e as valquírias que resgatam os heróis mortos em combate), significa a libertação do pneuma e a interrupção do sofrimento deste mundo (suicídio em massa dos cátaros, infanticídio dos anabaptistas e de muitas seitas do nosso tempo como o caso de Waco, Texas). Mas também é muito evidente no holocausto nuclear, nos campos de concentração e nos Gulag.
Para os psicanalistas, o homem deve dar livre curso às pulsões da ‘psyche’, sem remorso, sem culpa.
A prática da ascese pela prática do vício é o sinal de que o homem já se libertou do Bem e do Mal, capaz de fixar a sua própria lei, a liberdade sem responsabilidade, sem culpa.
Sobre a infiltração pelos gnósticos dos judeus sefarditas no séc XV que conduziria à composição da Cabala (ainda hoje com significado conspirativo no léxico português) e ao édito de expulsão:
-Tudo o que está escrito no Antigo Testamento tem um duplo significado. O esotérico só está ao alcance de iniciados. O Messias como imperador terreno, chefiando um governo socialista esotérico mundial (filho de David) ao gosto do movimento sionista laico, por oposição ao Messias sofredor, que carrega em si a culpa dos homens (filho de José) que faz parte da apologética religiosa judaica - rolo do Messias de Qumram.

-Semelhança Cabala-Gnose:
1-O deus-tudo é o ‘’En-Sof’’ (não limitado),
2-As emanações desse deus originam os seres intermédios, anjos ou ‘sephiroth’,
3-Panteísmo: tudo, incluindo o mundo, se encontra mergulhado no ‘’En-Sof’’
4-O homem é trino como no pensamento gnóstico (corpo, inteligência material, inteligência espiritual)
----corpo
----psyche (princípio animal ou nefesh, princípio espiritual ou ruach)
---pneuma
5-A alma, neschama, entra no mundo material vinda do deus, separando-se em masculino e feminino e transmigrando por reincarnação tantas vezes quantas as necessárias para atingir a perfeição (metampsicose gnóstica)
6-O homem na sua forma inclui tudo o que existe no céu e na terra -é uma divindade encarnada.
7- A serpente é o inspirador e protector do homem contra as injustiças do Deus-cristão.
8-Lúcifer, Belzebu, Astaroth são anjos, S. Miguel um demónio.
O Zohar e a Cabala são expressões judaicas da gnose.
9-Homem de Vitrúvio (L. da Vinci): o homem é medida do mundo, é um deus. O círculo significa a passagem à perfeição divina.


A UTOPIA
Obra escrita por Thomas More no séc XV. Cidade ideal semelhante à república de Platão.
Oval, para lembrar o ovo gnóstico primitivo.
Socialismo: o indivíduo não tem direitos, tudo é comum.
Rei Utopos proclama a liberdade religiosa: se Deus é autor de tantas religiões diferentes, então a verdade absoluta não existe (não existe a verdade única mas várias verdades).

ERASMO DE ROTERDÃO (1467-1536)
Ordenado padre pelo abade de Cambrai, amigo de Thomas More (autor da utopia) e de Lutero
Criticou o culto da Virgem Maria, a confissão, as imagens sagradas, apoiou a heresia ariana1. Dúvidas sobre a divindade de Cristo e sobre a SS Trindade. Exigiu o casamento dos padres e o sacerdócio para os leigos.

NEOPLATONISMO E A RENÚNCIA À RAZÃO
Para Platão, a elevação ao mundo superior não se socorre da razão.
Se a alma é divina, ela possui por natureza a verdade.
É inútil procurar a verdade pela razão porque nos podemos enganar.
Portanto é melhor extrair o conhecimento da alma, a luz, por técnicas iniciáticas, esotéricas, mágicas.
Este menosprezo da razão encontra-se em Lutero, tal como nos românticos e no pensamento gnóstico moderno.

COSME DE MEDICIS
Mandou traduzir o ‘’Corpus Hermeticum’’, 17 tratados de magia e ocultismo, oriundos de Alexandria, do autor Hermes Trimegistre (o três vezes grande).
ECUMENISMO
A admiração do Islão a que atribuem ideias de generosidade e dignidade, Celebração de Saladino por Maquiavel.

LUTERO
Fez a passagem do humanismo neoplatónico gnóstico à Reforma
Utilizou sistemas neopitagóricos e neoplatónicos
Leu o livro Pseudo-Hermes Trimegistre, o livro de magia e ocultismo, das 24 filosofias, que existe no convento de Mafra, em Portugal.
A sua justificação da fé é de natureza gnóstica:
"ninguém se salva sem um caminho de conhecimento tal como professado no hebraico talmúdico e na religião islâmica’’.
Os judeus criaram a exegese bíblica e o livre exame, sustentáculos da Reforma.
O livre exame da Bíblia supõe o contacto directo e constante com a divindade, o que evita os erros de interpretação.
Quanto maior o conhecimento da língua original, melhor o conhecimento das escrituras (crítica das escrituras).

O ponto de contacto Gnose-Reforma:
-O espírito humano é uma essência divina
-a alma está em contacto directo com Deus
-existe certeza na consciência (é óbvia esta influência na filosofia de Kant)
-a voz da consciência é a voz de Deus

O homem é um instrumento passivo nas mãos de Deus:
-Não existe livre arbítrio
-Deus foi destronado pelas consciências individuais, os mandamentos pelo relativismo moral, o livre arbítrio pelo passivismo nas mãos do divino, o julgamento final pela ascese.
-As consciências individuais fazem parte da consciência universal única.

A Reforma é panteísta e Kant, dois séculos depois, o seu filósofo.

Na sua obra ‘’A religião nos limites da simples razão’’, ao início do capítulo ‘’sobre o fio condutor da consciência nos assuntos da fé’’, Kant torna-se o campeão do determinismo: a consciência do indivíduo torna-se o imperativo absoluto, ou seja Deus ele mesmo (a consciência), completamente separada da vontade da pessoa, que é passiva, impotente.
As consequências são trágicas:
-não há livre escolha
-a verdade e a justiça estão à mercê da consciência do indivíduo
-o que é bom para uns pode ser mal para outros
-se não há distinção entre Bem e Mal não pode haver responsabilidade

O homem, como diria Nietzsche mais tarde, retirado do seu papel de criatura livre de adorar o seu Deus e de se submeter filialmente aos seus mandamentos universais, torna-se uma pequena essência perdida e indeterminada do Grande Arquitecto, tendo que se ajoelhar perante a Humanidade divina de que faz parte e adorá-la.
Cidadão prisioneiro da cidade Utopia, da República de Platão ou do Socialismo Tecnocrático moderno, onde cada prazer, mesmo mínimo, constitui um direito em nome da sua pertença à Humanidade. Esta cidade foi construída em nome da liberdade religiosa, mas que resultou contra a religião católica, contra Deus e os seus mandamentos (a sua Lei).

Exactamente como tinha dito a Serpente no livro do Génesis:’’eritis sicut Dei’’ (sereis como Deus), esquecendo-se de acrescentar:’’sereis meus servidores, os servos do Senhor do Mundo”.
A divinização do Homem é apenas teórica, retórica. Em seu lugar, com a globalização, a escravatura tornou-se a realidade quotidiana, o prelúdio do Inferno.

Esta é a religião do nosso tempo. Uma heresia ou um veneno. O seu antídoto é Chesterton.

“Cada época produziu a sua heresia e, contra ela o seu Santo, o seu antídoto”. Cada Santo é o remédio mais óbvio para a sua época” Heretics (1905)

No catolicismo:

-A alma não é divina

-A alma não preexiste

-A alma não reincarna

-Só Deus é criador

-O mundo das ideias não existe

-As leis de Deus são universais

-A sua transgressão acarreta culpa e necessidade de reparação

-Há livre arbítrio

-Há julgamento final, não existe reincarnação

-O homem não está mergulhado em Deus, é livre e independente

-A criatura humana não é indiferente a Deus que a ama como um pai ama o seu filho.


1Deus não pôde criar o mundo diretamente, sem medianeiro, quer porque Deus não poderia operar diretamente sobre criaturas tão imperfeitas, tão inferiores, quer porque as próprias criaturas não poderiam resistir vitalmente à ação divina (influência panteísta e gnóstica). O medianeiro necessário foi o Logos, o Verbo ou a Sabedoria, criatura de uma ordem superior, mais antiga, mais perfeita de todas e feita antes do tempo. Assim, o arianismo, tal como o islamismo, destruiu a natureza divina de Jesus Cristo, embora Lhe concedesse uma posição mais elevada entre as criaturas. Isto destrói a obra da Redenção, do perdão dos pecados, da ressurreição, os fundamentos mais caros do catolicismo.




António Campos

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