Dos passeios pela mão do meu pai, nas
tardes de sábado de mãe ausente, guardo o cheiro a mar e a
flor, o vôo de gaivotas, o marejar de cacilheiros e a luz do Império. E os conselhos do meu melhor amigo: “António, a inteligência é coisa boa, mas pode perder um homem. É precisamente quando nos convencemos que somos melhores que nos tornamos piores.” Voltaire torna-me órfão de pai, do meu pai que me ama e que comigo sofre e propõe-me o ateísmo ou o deísmo. Num caso nasço num caixote do Pigalle, perdido entre os outros seres e substâncias, no outro sou produto de um albergue espanhol. Enquanto a minoria de ateus me obriga a perseguir a autenticidade da minha fé, esmerilando-a, a seita iluminada dos deístas, no esforço de argumentos científicos ou filosóficos, oferece-me um deus-mito, mera construção da imaginação humana, absolutamente indiferente a mim, insensível à minha sorte.
flor, o vôo de gaivotas, o marejar de cacilheiros e a luz do Império. E os conselhos do meu melhor amigo: “António, a inteligência é coisa boa, mas pode perder um homem. É precisamente quando nos convencemos que somos melhores que nos tornamos piores.” Voltaire torna-me órfão de pai, do meu pai que me ama e que comigo sofre e propõe-me o ateísmo ou o deísmo. Num caso nasço num caixote do Pigalle, perdido entre os outros seres e substâncias, no outro sou produto de um albergue espanhol. Enquanto a minoria de ateus me obriga a perseguir a autenticidade da minha fé, esmerilando-a, a seita iluminada dos deístas, no esforço de argumentos científicos ou filosóficos, oferece-me um deus-mito, mera construção da imaginação humana, absolutamente indiferente a mim, insensível à minha sorte.
Não quero semelhante deus. O deus do Gott mit uns ou do In God we trust. Um deus-logos
dos filósofos, chorando sobre a sorte dos homens sem nela poder intervir. Para
um deus assim, antes ser ateu. Que me interessa conhecer um pai desconhecido
que me abandonou à minha sorte, insensível ao meu sofrimento? Que redenção, que
conforto esperar de um ser assim, com coração de pedra? A um ser assim
indiferente, também eu lhe sou indiferente. Se existe uma seita que afirma um pai
que sempre me ajuda e comigo sofre, então vale a pena procurar esse pai. Se ele
não existir, a discussão reduz-se a uma questão filosófica, mas se ele existir
trata-se de um drama humano e sobre-humano. Deixo de estar perante um mito, uma
fabricação artística, para entrar num outro universo, ainda que sobreposto com
este, mas cuja verdadeira natureza apenas poderei vislumbrar de forma alegórica.
Se perder, pouco tenho a perder; se ganhar, é a aposta de um milhão de dólares.
Dizia Chesterton: “Não se pode ignorar o
tópico de Deus. Quer se fale de porcos ou do binómio de Newton, ainda se está a
falar Dele. Se o cristianismo for uma construção absurda, inventada por uma
seita, defendê-lo apenas pode significar
falar vezes sem conta sobre um absurdo metafísico. Mas se porventura o
cristianismo for verdadeiro, então defendê-lo tem que significar que ele está
presente quando se fala quer de um assunto específico quer de um assunto geral.
A discussão é irrelevante se o cristianismo for falso, mas nada é irrelevante
se o cristianismo for verdadeiro.”
Eu quero procurar um Deus que seja
comigo ateu. Pelo menos relativamente a todos os deísmos e a todos os mitos ou
demonstrações. “Um Deus que tenha estado
em revolta; uma divindade que conheça a solidão; um Deus que pareça, por um
momento, ter-se tornado ateu.” Um Deus separado de mim e que garanta a
minha liberdade, mesmo à custa do meu sofrimento. Eu quero procurar esse Deus
laico, liberto de todas as magias da Antiguidade. Eu quero procurar esse Deus
humano, que caminha para o futuro e não a serpente que morde a própria cauda,
num eterno retorno. Eu só entendo o mal conhecendo o Deus que sofre. Se Deus
não sofrer, ele é um sádico e não se espera nele liberdade nenhuma.
Voltaire é apenas humano, demasiado
humano, como diria Nietzsche, nos seus erros e contradições. Ele vê a religião
cristã como um mito construído à medida do homem. Mas, como acreditar no Deus
de Voltaire, se o homem constrói um mito muito melhor e mais generoso do que
ele? Como é que o ser idiota constrói um mito muito mais perfeito do que o Ser
Supremo? Esta é uma contradição insanável do deísmo. Mas Voltaire incorre num
outro erro de julgamento: ele julga o cristianismo com olhos demasiado
cristãos. Na verdade, o cristianismo iniciou-se no seio do judaísmo. Cristo era
judeu, tal como os apóstolos e os primeiros fiéis. Só após Paulo é que o evangelho
é pregado de forma sistemática aos gentios. Para avaliarmos o cristianismo
nascente, a sua essência, temos que o observar com olhos judaicos. A esta luz,
o cristianismo não é um mito, é uma heresia.
Heresia e Blasfémia
Adorar um homem como Deus, o inefável,
Aquele cujo nome impronunciável só possui consoantes, era para um judeu a
suprema abominação. A maioria dos messias que ocorreram no seio judaico era não
só mais importante do que Cristo, mas nenhum deles jamais pensou em se
equiparar ao próprio Javé. Além de que com nenhum deles a História se partiu ao
meio, em antes e depois, mesmo no meio judaico: após o ano 70 foram abolidos o
sacrifício e o sacerdócio para sempre e Israel deixou de acreditar num messias
humano e passou a acreditar num messias-povo; Israel só voltaria à Palestina em
14 de Maio de 1948. A sobrevivência do obscuro messias ressoa as palavras de
Gamaliel, membro do Sinédrio sobre os discípulos de um messias supostamente
ressuscitado: “Deixai esses homens e
ponde-os em liberdade: porque se este desígnio ou esta obra vem dos homens,
há-de dissolver-se; mas se vem de Deus, não podereis dissolvê-la.” No
entanto, em quarenta séculos de vida religiosa de Israel, Jesus é o único
hebreu a quem os hebreus um dia adoraram.
Um Mito da Pior Qualidade
Mas a blasfémia não ficava por aqui. Um
israelita que dissesse “bebei o meu
sangue” quebrava um dos tabus mais importantes do judaísmo: o da abstenção
do sangue!
E como é que os discípulos continuaram
a acreditar num messias cuja esperada vinda não se concretizou? Como
compreender que o cristianismo seja o produto de um bando de iletrados que
escreveram em mau grego para propagandear uma fé blasfema? E o que dizer de uma
genealogia de um messias que incluía quatro mulheres? Para os hebreus a mulher
não contava nas genealogias. Tamar prostituiu-se com o sogro; Raab era
prostituta; Ruth era pagã e ofereceu-se a Booz; Betsabé era a adúltera mulher
de Urias. Ninguém inventaria uma genealogia assim. Para já não falar na total
ausência de descrição física ou aptidão escolar do herói. Na verdade nem se
sabe se sabia escrever, apenas que sabia ler. Tudo o que escreveu foram uns
garatujos no chão. Ora, na mentalidade judaica, só a cultura confere
autoridade. Um messias que não pertence à tribo de Levi, a estirpe sacerdotal,
e cujo nome é dos mais comuns em Israel. Em todas as mitologias o herói tem não
só um nome único mas também solene.
Uma mensagem insuportável
E quanto à qualidade dos seguidores?
Uns tipos de carácter tão fraco que nem conseguiram vigiar com ele uma hora,
que fugiram perante o perigo, acovardados, que o deixaram morrer no abandono e
na solidão completa! Repreendidos severamente por diversas vezes por não terem
entendido o significado da mensagem, apresentam-se sem fé, embora exijam dos
outros a fé. É impossível pior carta de recomendação. Como é que se pode
confiar em gente assim? Como é que inventaram uma história tão bizarra
destinada ao fracasso? A primeira aparição de Cristo foi perante o pior tipo de
testemunha: as mulheres.1 Ninguém em Israel lhes dava crédito. E o
que dizer da afirmação de que não é fundamental sepultar os mortos ou abandonar
a família, dois preceitos interditos na lei judaica? Aliás, este messias dá
notícias pelos 12 anos porque fugiu da família e deixou preocupadíssimos os
seus pais durante dois dias, deixando uma pobre imagem da obediência filial e
da capacidade de tutela dos seus pais. E quanto à afirmação de que o Reino dos
Céus é das crianças, que não eram consideradas pessoas na Antiguidade?2
Falta mencionar a “invenção” da cruz.
Uma invenção tão “popular” entre estes mitólogos que eles se recusavam a
representá-la visivelmente, tal era o opróbrio a ela associado, não só entre os
romanos mas também entre os judeus: “O
suspenso num poste é objecto da maldição de Deus”, Dt 21.
Não será mais inteligente afirmar que
os pobres discípulos, homens comuns, foram fiéis depositários e nomeados
propagandistas de uma mensagem impossível? Uma mensagem se não indesejada pelo
menos indesejável? Que as consequências que muitos sofreram, não apenas em
Israel, como Estêvão, mas em todo o Império Romano, seriam facilmente
previsíveis? Como se deixa sacrificar alguém até à morte por uma mensagem que
sabe ser falsa, que não lhe traz nenhum proveito material e que lança a si e à
sua família na maior ignomínia? Acreditar nesta bizarria como o fazem ateus e
deístas requere realmente muita fé! Dir-se-ia que requere pessoas muito
crédulas.
Mas Voltaire até admitia que semelhante
mestre não existiu. Como explicar então esta labareda da História sem o fósforo
que a acendeu? Não é este um desrespeito do princípio da causalidade, um
sistema solar com ausência do sol?
Outra versão é que os livros foram
adulterados ou inventados ab initio,
muitos anos após os supostos acontecimentos. Mas os primeiros livros foram
escritos com milhares de testemunhas oculares ainda vivas. O evangelho da
Marcos é anterior ao ano 70, i.e., anterior à destruição de Jerusalém, e nele é
descrito como o processo de divinização de Cristo está completo. A Primeira
Carta de Paulo aos Coríntios anterior ao ano 57 (em que Paulo refere
precisamente que Cristo apareceu a mais de 500 irmãos, a maioria dos quais se
encontra ainda viva), tal como a carta aos Gálatas. Pelo ano 40, dezassete anos
antes de ter sido escrita a carta aos Gálatas, ocorreu o primeiro encontro de
Paulo com os chefes da Igreja de Jerusalém. A Primeira Carta de Paulo aos
Tessalonicences antes do ano 52 (e nela a reprodução do slogan oral do cristão, o kérygma,
encontra-se intacto: “Cristo morreu, foi sepultado e ressuscitou”). O papiro de
Rylands prova cientificamente que o evangelho de João é anterior ao ano 125. A
construção de um mito, por mais absurdo que pareça, requere muito tempo e não
sobrevive à presença de testemunhas oculares entre os prosélitos, que o
desmentiriam de pronto. No ano 79 já existia uma casa com símbolos cristãos que
foi encontrada em 1939 por baixo das cinzas do Vesúvio. Em 1968 foi descoberta
em Cafarnaum a casa de Pedro que existia como “igreja” cristã desde o ano 100.
Os documentos judaicos sobre Jesus não
desmentem a historicidade dos evangelhos; apenas os usam como fonte de troça e
de desdém. O trecho de Flávio Josefo, citado por Agápio de Hierápolis, segundo
a versão presente na Universidade Hebraica de Jerusalém: “Naquela época vivia um sábio chamado Jesus. A sua conduta era boa e
era estimado pela sua virtude. Numerosos foram aqueles que, entre judeus e
outras nações, se tornaram seus discípulos. Pilatos condenou-o a ser crucificado
e a morrer. Mas aqueles que se tinham tornado seus discípulos não deixaram de
seguir o seu ensinamento. Eles contaram que lhes aparecera três dias depois da
sua crucifixão e que estava vivo. Talvez ele fosse o Messias de quem os
profetas contaram tantas maravilhas.”
De facto, não só nenhum outro líder
religioso se igualou a Deus, como nenhum outro foi pré-anunciado nas escrituras
com dois mil anos de antecedência. Estes dois factos deveriam bastar para que
os soberbos entendessem que as religiões
não são todas iguais.
As Variações nos Testemunhos como
sinais de autenticidade
Voltaire, como muitos críticos depois
dele, pensam ter descoberto as inúmeras variações nas descrições entre
evangelhos: sermão da montanha na planície, 42 antepassados de Cristo para
Mateus e 56 para Lucas, etc.. Este modo de raciocinar de Voltaire revela a
mente burguesa. Pensa ter descoberto alguma coisa. No ano 150 foi escrito na
Síria o Evangelho de Pedro, uma
tentativa de conciliação entre os 4 evangelhos, que a Igreja considerou
apócrifo. No ano 170, Taciano tentou nova síntese harmoniosa: o Diatéssaron.
Marcião pretendeu o mesmo e a Igreja rejeitou este ponto de vista lógico e
declarou os marcionitas hereges. Portanto,
a contestação à doutrina da Igreja começou muito cedo, o que invalida a
hipótese mítica. As discrepâncias entre os Evangelhos já eram conhecidas de
todos no século II. É engraçado senhor Voltaire, como é que uma comunidade que
tudo teria inventado se recusa a adoptar o último passo da invenção,
precisamente aquele que eliminando as contradições tornaria o relato mais
credível?
A resposta parece óbvia: porque a
Igreja se recusava a tocar em textos que considerava provas testemunhais. Como
qualquer relato efectuado por diversas testemunhas, existem sempre pequenas
variações à matéria fundamental. Não é por isso que não se levam em conta.
Voltaire revelou desconhecer a heresia marcionita, Taciano ou o evangelho
apócrifo de Pedro. O seu orgulho levou-o a pensar ter sido o primeiro a
descobrir discordâncias nos evangelhos! Não entendeu que a Igreja considerou a
prova testemunhal intocável. A Igreja preferiu sempre o apontar para o firme, o
mistério pascal, em vez de se preocupar com as famosas discordâncias que tanto
divertiam Voltaire e todos os seus enfatuados sucessores, geralmente bem menos
brilhantes do que ele. Paulo usa sempre expressões como “testemunhas segundo a carne” e “o
meu evangelho obteve a aprovação daqueles que foram testemunhas”. Por vezes
nota-se que o escritor do evangelho escreve uma mensagem cujo conteúdo não
entende completamente, mas recusa-se a adulterá-la.
Curiosamente, Voltaire e outros
críticos, não criticam os cristãos por serem fiéis seguidores de Cristo; pelo
contrário, criticam-nos por o não serem bastante. Assim elevam eles próprios a
qualidade da mensagem!
O Verdadeiro Revolucionário
De tudo o que foi dito, não foi
Voltaire quem teve um comportamento desviante. Voltaire encarnou a sua época.
Foi preso sempre por motivos pessoais, porque tinha uma língua viperina. Cristo
foi um enfant terrible, com
comportamento desviante. O verdadeiro revolucionário. Atribuiu um valor
relativo a muitos preceitos, afirmou que todo o poder terreno está na
dependência do demónio, conviveu com prostitutas e valorizou as mulheres e
crianças, que não tinham qualquer valor no mundo clássico. Comia, bebia e
oferecia a ébrios um bom vinho. Dava-se com mulheres com quem ficava à conversa
e comia proximamente com pecadores. Curou uma mulher com a doença mais
desprezível: menorragias ou menometrorragias! Tocava em aleijados, leprosos e
cegos e recusava o anúncio a uma seita: “Porventura
traz-se a lâmpada para se pôr debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é
antes para se colocar sobre o velador?” Foi Cristo quem duvidou, quem
chorou, quem rezou, quem vacilou. Foi, como dizia Chesterton, um Deus que por
um momento se pode considerar ateu. Foi humano, demasiado humano! Era a sua
mensagem e as suas acções que eram sobre-humanas.
Cristo, o verdadeiro revolucionário;
Cristo, o Deus alienado. Cristo, o que introduziu um outro valor desconhecido
do mundo antigo, “aquele que se exalta
será humilhado e aquele que se humilha será exaltado”: a humildade. Ainda
hoje a não compreendemos. Humilis tem
um significado pejorativo, algo ignóbil; mas Cristo contrapõe ao odioso
realismo ou real politik, saída de
Maquiavel e ecoada nos salões da Prússia, o regresso ao exemplo dos simples e
das crianças. A sabedoria faz-nos voltar à infância, à pobreza da renúncia e do
serviço aos outros, não à pobreza da preguiça e do “quero lá saber”.
Russell E. Saltzman, num artigo na First Things, declarava há pouco tempo
que escolher o último lugar gera a falsa humildade, a hipocrisia (Prov 25:6-7 e
Lu 14: 7-11). Pode ser, se o sujeito em questão ambicionar ser chamado para o
primeiro lugar; mas nunca se ele se sentar no último lugar tentando passar
despercebido. A religião verdadeira tem sempre um sentido alegórico e este
último lugar é uma imagem do esquecer-se de si. É por isso que Cristo continua
a história, nesse jantar de sábado. E continua num tom blasfemo, de atrevimento
e de desafio: “Na próxima vez convidem os
pobres, os aleijados, os coxos, os cegos.”
Precisamente aqueles que se encontravam
proibidos pela Lei de oferecer sacrifícios a Deus (Lev 21: 17-23). Ora, esta
chamada à mesa do jantar, coloca estes deficientes na difícil posição de não
terem como pagar. Exactamente como nós, chamados a um outro mundo, vivendo e
operando neste, não sendo de cá mas vivendo cá, como se este mundo não fosse o
melhor mundo possível, mas o melhor dos mundos impossíveis. Sempre sem
condições de poder pagar, porque nem aos nossos pais terrenos estamos em
condições de devolver o convite.
A Voz de Outro Mundo
Francesco Carnelutti, jurista ateu e
grande criminalista italiano, folheou casualmente um evangelho que encontrou
por acaso, numa viagem de comboio. Os seus olhos detiveram-se com uma estranha
frase do capítulo 25 de Mateus: “Estava
no cárcere e foste visitar-me.”
“Revi os assassinos, os estupradores, os parricidas, os larápios,
toda aquela humanidade desconcertante, reduzida tantas vezes à condição de
animais. E este Deus dos cristãos identificava-se com cada um deles, sem
exclusões nem excepções. Não se quedava na nobreza do preso político ou do
inocente vítima de abuso de poder. Não: “estive
no cárcere”; ele é o condenado tout court, o delinquente comum. De súbito
percebi que nenhuma fantasia religiosa poderia ter inventado um Deus assim.
Somente o criador desta humanidade obscura e desesperada ousaria identificar-se
com ela.”
Como poderia uma comunidade religiosa
identificar o seu Deus com um delinquente de qualquer espécie? E logo
constituída por um grupo de pobres judeus timoratos, adoradores do intangível
JHWH, o Santo dos Santos, o inatingível. Aquele cujo nome tremendo não poderia
ser pronunciado com medo de o profanar. É a incredibilidade das palavras do
evangelho que demonstra o seu crédito. Dizia o grande pensador marxista admirador
de Chesterton, Ernst Blöch, que somente
um bom cristão pode ser um ateu autêntico, i.e., somente um cristão afirma que
não há melhor imagem de Deus no mundo do que a de um homem. A paternidade comum
de Deus, firmada por Cristo e pelos apóstolos, é a recusa de todos os racismos
e de toda a escravatura ou genocídio.
Dizia Jean Guitton: “Ouvi uma vez Claudel afirmar, após ler a
“Vida de Jesus” de Rénan, que se Rénan tem razão Deus não existe.” Como
poderemos nós homens ter inventado um mito melhor que o próprio Deus e como
pôde Deus deixar-nos no erro por vinte séculos? Como pode este mito estar
associado às maiores obras de arte e ao maior desenvolvimento civilizacional à
face da Terra? Como pode um mito importar-se comigo e o Deus real ser
indiferente à miséria da minha existência? Pois bem, se Cristo é um mito, então
também eu sou ateu. Se eu sou indiferente para esse Deus dos deístas, então
esse Deus também me é indiferente. Sem Cristo, não acredito em nenhum Deus!
Conclusão
“Os historiadores do ano três mil, que vierem à posse de uma
biografia de Napoleão, salva por acaso da catástrofe atómica, se seguirem o
mesmo método usado com Jesus, demonstrarão que a epopeia napoleónica não é mais
do que um mito. Uma lenda, na qual os homens do longínquo século XIX encarnam a
ideia pré-existente do “Grande Chefe”.
As expedições no deserto e entre as
neves, o nascimento e a morte numa ilha, o próprio nome, a traição, a queda, a
ressurreição, a recaída definitiva sob os golpes da inveja e da reacção, o
exílio no meio do oceano.
«De tudo isto parece evidente que Napoleão nunca existiu. Trata-se
do mito do eterno Imperador, talvez seja a ideia da própria França, a que algum
obscuro grupo de fanáticos da fé patriótica deu nome, existência, empresas
fictícias no início do século XIX» - dirão esses peritos, i.e., os sucessores
daqueles estudiosos que aplicam este método ao problema de Jesus de Nazaré.”
E volto ao meu pai. O seu estado
lembra-me o poema “Cavalinho” da adorável Matilde Rosa Araújo que hoje ninguém
cita, porque os nossos corações foram tocados pelo olhar da medusa: Paizinho, paizinho/ Passou tempo sem medida/
Tu ficaste velhinho/ E eu tornei-me tão crescido. O meu pai não é uma
figura particularmente bonita, nem excepcionalmente inteligente, nem rico ou
influente. Tem contudo, uma característica que o diferencia de todas as outras
pessoas: é o meu pai! E neste passar do tempo que não volta foi na face dele
que eu sempre encontrei a face de meu Pai, o Deus escondido, o Deus absconditus. Um dia sonho caminhar ao
lado do meu pai nos bosques do Paraíso, onde entre regatos e castanheiros,
encontrarei as lontras e as raposas da sua Beira Alta natal. Nesse dia sonho
contemplar a face amiga e o olhar terno do meu Deus sofredor.
António Campos
Notas: Este texto é, em grande medida,
uma sinopse do fantástico livro “Hipóteses sobre Jesus” de Vittorio Messori,
cuja leitura não dispensa de modo nenhum.
1
Levítico: O resgate de uma mulher vale exactamente metade do de um varão.
Eclesiástico 42: “É melhor a maldade do homem do que a bondade da mulher.”
Mas o valor da mulher fora de Israel
era muito pior: O culto de Mitra do século IV, excluía completamente as
mulheres. O único culto que poderiam seguir era o de Ísis ou a prostituição
sagrada. Sócrates ignora as mulheres. Para Platão não há lugar para elas na boa
organização social (nem sequer a nível sexual, considerando para este propósito
muito melhores os jovenzinhos). Para o estóico Epícteto estão ao nível do
paladar. Para Eurípedes, é o pior dos males. Para Aulo Gélio é um mal
necessário. Para Aristóteles, é por natureza defeituosa e incompleta
(interrogo-me sobre que órgão do homem lhe faltará…). Para Pitágoras,
influenciado por todas as modas orientais, foi criada pelo princípio do mal que
criou também o caos e as trevas. Para Cícero se não houvesse mulheres os homens
falariam com os deuses. “Ficou em casa a fiar lã” era o máximo elogio dos
epitáfios colocados nas tumbas das mulheres romanas.
Para Giordano Bruno a mulher é vazia de
todo o mérito, onde só se encontra soberba, ira, luxúria, falsidade, nojo, mau
cheiro, cadáver em putrefacção, mercado de porcarias. Para Kant, a inteligência
é característica do homem enquanto que sensibilidade e emoções são atributos da
mulher. Para Nietzsche varia do “não te esqueças do chicote quando vais falar
com mulheres” a um mais soft “a
mulher foi o segundo erro de Deus.”
Mas o livro do Génesis afirma a igual
dignidade: “E criou-os homem e mulher”. Com Cristo: “No Céu viverão como anjos
de Deus”. A parábola das virgens prudentes afirma que a mulher para realizar a
sua missão humana não necessita tornar-se esposa e mãe. O Messias é “feito de
mulher”, como afirma Paulo, que a eleva à qualidade de Mãe de Deus. “Todas as
gerações me chamarão a bem-aventurada.”
E no Talmude:
"Cuida-te, quando fazes chorar uma
mulher, pois Deus conta as suas lágrimas.
A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual…debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada!"
A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual…debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada!"
2
Em Roma e em Atenas, até ao reconhecimento da paternidade, o filho não tinha
qualquer direito à vida; o seu destino estava completamente nas mãos do pai.
Platão afirma ser necessário deixar morrer os filhos das famílias muito pobres.
Para Aristóteles, a criação dos pequeninos deficientes deve ser proibida por lei.
Os Essénios excluíam completamente as crianças. Para Cristo, elas são um modelo
epistemológico e uma prova do verdadeiro amor.
Descobri muito recentemente o génio de GK Chesterton com o livro "Orthodoxy" e folgo em descobrir este website em sua homenagem. Chesterton foi conditio sine qua non para a minha reconciliação com a Igreja após década e meia de nihilismo e outros disparates.
ResponderEliminarIrei com certeza tornar-me cliente habitual deste estabelecimento daqui para a frente.
Deus o abençoe, senhor.
Não exagero se disser que as suas palavras me comoveram.
EliminarNão creio poder desejar-lhe melhor do que uma Santa Páscoa, agora que entendemos o que isso significa, pelo coração, pela razão e também pela fé.
Cumprimentos,
António.
Retribuo os votos de uma Santa Páscoa, para si e para os seus.
EliminarCumprimentos,
João Veiga.