sábado, 28 de março de 2015

Voltaire e o meu Pai


 

Dos passeios pela mão do meu pai, nas tardes de sábado de mãe ausente, guardo o cheiro a mar e a
flor, o vôo de gaivotas, o marejar de cacilheiros e a luz do Império. E os conselhos do meu melhor amigo: “António, a inteligência é coisa boa, mas pode perder um homem. É precisamente quando nos convencemos que somos melhores que nos tornamos piores.” Voltaire torna-me órfão de pai, do meu pai que me ama e que comigo sofre e propõe-me o ateísmo ou o deísmo. Num caso nasço num caixote do Pigalle, perdido entre os outros seres e substâncias, no outro sou produto de um albergue espanhol. Enquanto a minoria de ateus me obriga a perseguir a autenticidade da minha fé, esmerilando-a, a seita iluminada dos deístas, no esforço de argumentos científicos ou filosóficos, oferece-me um deus-mito, mera construção da imaginação humana, absolutamente indiferente a mim, insensível à minha sorte.

Não quero semelhante deus. O deus do Gott mit uns ou do In God we trust. Um deus-logos dos filósofos, chorando sobre a sorte dos homens sem nela poder intervir. Para um deus assim, antes ser ateu. Que me interessa conhecer um pai desconhecido que me abandonou à minha sorte, insensível ao meu sofrimento? Que redenção, que conforto esperar de um ser assim, com coração de pedra? A um ser assim indiferente, também eu lhe sou indiferente. Se existe uma seita que afirma um pai que sempre me ajuda e comigo sofre, então vale a pena procurar esse pai. Se ele não existir, a discussão reduz-se a uma questão filosófica, mas se ele existir trata-se de um drama humano e sobre-humano. Deixo de estar perante um mito, uma fabricação artística, para entrar num outro universo, ainda que sobreposto com este, mas cuja verdadeira natureza apenas poderei vislumbrar de forma alegórica. Se perder, pouco tenho a perder; se ganhar, é a aposta de um milhão de dólares.

Dizia Chesterton: “Não se pode ignorar o tópico de Deus. Quer se fale de porcos ou do binómio de Newton, ainda se está a falar Dele. Se o cristianismo for uma construção absurda, inventada por uma seita, defendê-lo apenas pode significar  falar vezes sem conta sobre um absurdo metafísico. Mas se porventura o cristianismo for verdadeiro, então defendê-lo tem que significar que ele está presente quando se fala quer de um assunto específico quer de um assunto geral. A discussão é irrelevante se o cristianismo for falso, mas nada é irrelevante se o cristianismo for verdadeiro.”

 

 

Eu quero procurar um Deus que seja comigo ateu. Pelo menos relativamente a todos os deísmos e a todos os mitos ou demonstrações. “Um Deus que tenha estado em revolta; uma divindade que conheça a solidão; um Deus que pareça, por um momento, ter-se tornado ateu.” Um Deus separado de mim e que garanta a minha liberdade, mesmo à custa do meu sofrimento. Eu quero procurar esse Deus laico, liberto de todas as magias da Antiguidade. Eu quero procurar esse Deus humano, que caminha para o futuro e não a serpente que morde a própria cauda, num eterno retorno. Eu só entendo o mal conhecendo o Deus que sofre. Se Deus não sofrer, ele é um sádico e não se espera nele liberdade nenhuma.

 


 

 O Erro de Voltaire

 

Voltaire é apenas humano, demasiado humano, como diria Nietzsche, nos seus erros e contradições. Ele vê a religião cristã como um mito construído à medida do homem. Mas, como acreditar no Deus de Voltaire, se o homem constrói um mito muito melhor e mais generoso do que ele? Como é que o ser idiota constrói um mito muito mais perfeito do que o Ser Supremo? Esta é uma contradição insanável do deísmo. Mas Voltaire incorre num outro erro de julgamento: ele julga o cristianismo com olhos demasiado cristãos. Na verdade, o cristianismo iniciou-se no seio do judaísmo. Cristo era judeu, tal como os apóstolos e os primeiros fiéis. Só após Paulo é que o evangelho é pregado de forma sistemática aos gentios. Para avaliarmos o cristianismo nascente, a sua essência, temos que o observar com olhos judaicos. A esta luz, o cristianismo não é um mito, é uma heresia.

 

Heresia e Blasfémia

 

Adorar um homem como Deus, o inefável, Aquele cujo nome impronunciável só possui consoantes, era para um judeu a suprema abominação. A maioria dos messias que ocorreram no seio judaico era não só mais importante do que Cristo, mas nenhum deles jamais pensou em se equiparar ao próprio Javé. Além de que com nenhum deles a História se partiu ao meio, em antes e depois, mesmo no meio judaico: após o ano 70 foram abolidos o sacrifício e o sacerdócio para sempre e Israel deixou de acreditar num messias humano e passou a acreditar num messias-povo; Israel só voltaria à Palestina em 14 de Maio de 1948. A sobrevivência do obscuro messias ressoa as palavras de Gamaliel, membro do Sinédrio sobre os discípulos de um messias supostamente ressuscitado: “Deixai esses homens e ponde-os em liberdade: porque se este desígnio ou esta obra vem dos homens, há-de dissolver-se; mas se vem de Deus, não podereis dissolvê-la.” No entanto, em quarenta séculos de vida religiosa de Israel, Jesus é o único hebreu a quem os hebreus um dia adoraram.

 


Um Mito da Pior Qualidade

Mas a blasfémia não ficava por aqui. Um israelita que dissesse “bebei o meu sangue” quebrava um dos tabus mais importantes do judaísmo: o da abstenção do sangue!

E como é que os discípulos continuaram a acreditar num messias cuja esperada vinda não se concretizou? Como compreender que o cristianismo seja o produto de um bando de iletrados que escreveram em mau grego para propagandear uma fé blasfema? E o que dizer de uma genealogia de um messias que incluía quatro mulheres? Para os hebreus a mulher não contava nas genealogias. Tamar prostituiu-se com o sogro; Raab era prostituta; Ruth era pagã e ofereceu-se a Booz; Betsabé era a adúltera mulher de Urias. Ninguém inventaria uma genealogia assim. Para já não falar na total ausência de descrição física ou aptidão escolar do herói. Na verdade nem se sabe se sabia escrever, apenas que sabia ler. Tudo o que escreveu foram uns garatujos no chão. Ora, na mentalidade judaica, só a cultura confere autoridade. Um messias que não pertence à tribo de Levi, a estirpe sacerdotal, e cujo nome é dos mais comuns em Israel. Em todas as mitologias o herói tem não só um nome único mas também solene.

 

Uma mensagem insuportável

 

E quanto à qualidade dos seguidores? Uns tipos de carácter tão fraco que nem conseguiram vigiar com ele uma hora, que fugiram perante o perigo, acovardados, que o deixaram morrer no abandono e na solidão completa! Repreendidos severamente por diversas vezes por não terem entendido o significado da mensagem, apresentam-se sem fé, embora exijam dos outros a fé. É impossível pior carta de recomendação. Como é que se pode confiar em gente assim? Como é que inventaram uma história tão bizarra destinada ao fracasso? A primeira aparição de Cristo foi perante o pior tipo de testemunha: as mulheres.1 Ninguém em Israel lhes dava crédito. E o que dizer da afirmação de que não é fundamental sepultar os mortos ou abandonar a família, dois preceitos interditos na lei judaica? Aliás, este messias dá notícias pelos 12 anos porque fugiu da família e deixou preocupadíssimos os seus pais durante dois dias, deixando uma pobre imagem da obediência filial e da capacidade de tutela dos seus pais. E quanto à afirmação de que o Reino dos Céus é das crianças, que não eram consideradas pessoas na Antiguidade?2

Falta mencionar a “invenção” da cruz. Uma invenção tão “popular” entre estes mitólogos que eles se recusavam a representá-la visivelmente, tal era o opróbrio a ela associado, não só entre os romanos mas também entre os judeus: “O suspenso num poste é objecto da maldição de Deus”, Dt 21.

Não será mais inteligente afirmar que os pobres discípulos, homens comuns, foram fiéis depositários e nomeados propagandistas de uma mensagem impossível? Uma mensagem se não indesejada pelo menos indesejável? Que as consequências que muitos sofreram, não apenas em Israel, como Estêvão, mas em todo o Império Romano, seriam facilmente previsíveis? Como se deixa sacrificar alguém até à morte por uma mensagem que sabe ser falsa, que não lhe traz nenhum proveito material e que lança a si e à sua família na maior ignomínia? Acreditar nesta bizarria como o fazem ateus e deístas requere realmente muita fé! Dir-se-ia que requere pessoas muito crédulas.

 

 

 
O Testemunho da História

 

Mas Voltaire até admitia que semelhante mestre não existiu. Como explicar então esta labareda da História sem o fósforo que a acendeu? Não é este um desrespeito do princípio da causalidade, um sistema solar com ausência do sol?

Outra versão é que os livros foram adulterados ou inventados ab initio, muitos anos após os supostos acontecimentos. Mas os primeiros livros foram escritos com milhares de testemunhas oculares ainda vivas. O evangelho da Marcos é anterior ao ano 70, i.e., anterior à destruição de Jerusalém, e nele é descrito como o processo de divinização de Cristo está completo. A Primeira Carta de Paulo aos Coríntios anterior ao ano 57 (em que Paulo refere precisamente que Cristo apareceu a mais de 500 irmãos, a maioria dos quais se encontra ainda viva), tal como a carta aos Gálatas. Pelo ano 40, dezassete anos antes de ter sido escrita a carta aos Gálatas, ocorreu o primeiro encontro de Paulo com os chefes da Igreja de Jerusalém. A Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicences antes do ano 52 (e nela a reprodução do slogan oral do cristão, o kérygma, encontra-se intacto: “Cristo morreu, foi sepultado e ressuscitou”). O papiro de Rylands prova cientificamente que o evangelho de João é anterior ao ano 125. A construção de um mito, por mais absurdo que pareça, requere muito tempo e não sobrevive à presença de testemunhas oculares entre os prosélitos, que o desmentiriam de pronto. No ano 79 já existia uma casa com símbolos cristãos que foi encontrada em 1939 por baixo das cinzas do Vesúvio. Em 1968 foi descoberta em Cafarnaum a casa de Pedro que existia como “igreja” cristã desde o ano 100.

Os documentos judaicos sobre Jesus não desmentem a historicidade dos evangelhos; apenas os usam como fonte de troça e de desdém. O trecho de Flávio Josefo, citado por Agápio de Hierápolis, segundo a versão presente na Universidade Hebraica de Jerusalém: “Naquela época vivia um sábio chamado Jesus. A sua conduta era boa e era estimado pela sua virtude. Numerosos foram aqueles que, entre judeus e outras nações, se tornaram seus discípulos. Pilatos condenou-o a ser crucificado e a morrer. Mas aqueles que se tinham tornado seus discípulos não deixaram de seguir o seu ensinamento. Eles contaram que lhes aparecera três dias depois da sua crucifixão e que estava vivo. Talvez ele fosse o Messias de quem os profetas contaram tantas maravilhas.”

 

De facto, não só nenhum outro líder religioso se igualou a Deus, como nenhum outro foi pré-anunciado nas escrituras com dois mil anos de antecedência. Estes dois factos deveriam bastar para que os soberbos entendessem que as religiões não são todas iguais.

 

 

 

As Variações nos Testemunhos como sinais de autenticidade

 

Voltaire, como muitos críticos depois dele, pensam ter descoberto as inúmeras variações nas descrições entre evangelhos: sermão da montanha na planície, 42 antepassados de Cristo para Mateus e 56 para Lucas, etc.. Este modo de raciocinar de Voltaire revela a mente burguesa. Pensa ter descoberto alguma coisa. No ano 150 foi escrito na Síria o Evangelho de Pedro, uma tentativa de conciliação entre os 4 evangelhos, que a Igreja considerou apócrifo. No ano 170, Taciano tentou nova síntese harmoniosa: o Diatéssaron. Marcião pretendeu o mesmo e a Igreja rejeitou este ponto de vista lógico e declarou os marcionitas hereges. Portanto, a contestação à doutrina da Igreja começou muito cedo, o que invalida a hipótese mítica. As discrepâncias entre os Evangelhos já eram conhecidas de todos no século II. É engraçado senhor Voltaire, como é que uma comunidade que tudo teria inventado se recusa a adoptar o último passo da invenção, precisamente aquele que eliminando as contradições tornaria o relato mais credível?

A resposta parece óbvia: porque a Igreja se recusava a tocar em textos que considerava provas testemunhais. Como qualquer relato efectuado por diversas testemunhas, existem sempre pequenas variações à matéria fundamental. Não é por isso que não se levam em conta. Voltaire revelou desconhecer a heresia marcionita, Taciano ou o evangelho apócrifo de Pedro. O seu orgulho levou-o a pensar ter sido o primeiro a descobrir discordâncias nos evangelhos! Não entendeu que a Igreja considerou a prova testemunhal intocável. A Igreja preferiu sempre o apontar para o firme, o mistério pascal, em vez de se preocupar com as famosas discordâncias que tanto divertiam Voltaire e todos os seus enfatuados sucessores, geralmente bem menos brilhantes do que ele. Paulo usa sempre expressões como “testemunhas segundo a carne” e “o meu evangelho obteve a aprovação daqueles que foram testemunhas”. Por vezes nota-se que o escritor do evangelho escreve uma mensagem cujo conteúdo não entende completamente, mas recusa-se a adulterá-la.

Curiosamente, Voltaire e outros críticos, não criticam os cristãos por serem fiéis seguidores de Cristo; pelo contrário, criticam-nos por o não serem bastante. Assim elevam eles próprios a qualidade da mensagem!

 


O Verdadeiro Revolucionário

 

De tudo o que foi dito, não foi Voltaire quem teve um comportamento desviante. Voltaire encarnou a sua época. Foi preso sempre por motivos pessoais, porque tinha uma língua viperina. Cristo foi um enfant terrible, com comportamento desviante. O verdadeiro revolucionário. Atribuiu um valor relativo a muitos preceitos, afirmou que todo o poder terreno está na dependência do demónio, conviveu com prostitutas e valorizou as mulheres e crianças, que não tinham qualquer valor no mundo clássico. Comia, bebia e oferecia a ébrios um bom vinho. Dava-se com mulheres com quem ficava à conversa e comia proximamente com pecadores. Curou uma mulher com a doença mais desprezível: menorragias ou menometrorragias! Tocava em aleijados, leprosos e cegos e recusava o anúncio a uma seita: “Porventura traz-se a lâmpada para se pôr debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é antes para se colocar sobre o velador?” Foi Cristo quem duvidou, quem chorou, quem rezou, quem vacilou. Foi, como dizia Chesterton, um Deus que por um momento se pode considerar ateu. Foi humano, demasiado humano! Era a sua mensagem e as suas acções que eram sobre-humanas.

Cristo, o verdadeiro revolucionário; Cristo, o Deus alienado. Cristo, o que introduziu um outro valor desconhecido do mundo antigo, “aquele que se exalta será humilhado e aquele que se humilha será exaltado”: a humildade. Ainda hoje a não compreendemos. Humilis tem um significado pejorativo, algo ignóbil; mas Cristo contrapõe ao odioso realismo ou real politik, saída de Maquiavel e ecoada nos salões da Prússia, o regresso ao exemplo dos simples e das crianças. A sabedoria faz-nos voltar à infância, à pobreza da renúncia e do serviço aos outros, não à pobreza da preguiça e do “quero lá saber”.

Russell E. Saltzman, num artigo na First Things, declarava há pouco tempo que escolher o último lugar gera a falsa humildade, a hipocrisia (Prov 25:6-7 e Lu 14: 7-11). Pode ser, se o sujeito em questão ambicionar ser chamado para o primeiro lugar; mas nunca se ele se sentar no último lugar tentando passar despercebido. A religião verdadeira tem sempre um sentido alegórico e este último lugar é uma imagem do esquecer-se de si. É por isso que Cristo continua a história, nesse jantar de sábado. E continua num tom blasfemo, de atrevimento e de desafio: “Na próxima vez convidem os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos.”

Precisamente aqueles que se encontravam proibidos pela Lei de oferecer sacrifícios a Deus (Lev 21: 17-23). Ora, esta chamada à mesa do jantar, coloca estes deficientes na difícil posição de não terem como pagar. Exactamente como nós, chamados a um outro mundo, vivendo e operando neste, não sendo de cá mas vivendo cá, como se este mundo não fosse o melhor mundo possível, mas o melhor dos mundos impossíveis. Sempre sem condições de poder pagar, porque nem aos nossos pais terrenos estamos em condições de devolver o convite.

 

 

A Voz de Outro Mundo

 

Francesco Carnelutti, jurista ateu e grande criminalista italiano, folheou casualmente um evangelho que encontrou por acaso, numa viagem de comboio. Os seus olhos detiveram-se com uma estranha frase do capítulo 25 de Mateus: “Estava no cárcere e foste visitar-me.”

“Revi os assassinos, os estupradores, os parricidas, os larápios, toda aquela humanidade desconcertante, reduzida tantas vezes à condição de animais. E este Deus dos cristãos identificava-se com cada um deles, sem exclusões nem excepções. Não se quedava na nobreza do preso político ou do inocente vítima de abuso de poder. Não: “estive no cárcere”; ele é o condenado tout court, o delinquente comum. De súbito percebi que nenhuma fantasia religiosa poderia ter inventado um Deus assim. Somente o criador desta humanidade obscura e desesperada ousaria identificar-se com ela.”

Como poderia uma comunidade religiosa identificar o seu Deus com um delinquente de qualquer espécie? E logo constituída por um grupo de pobres judeus timoratos, adoradores do intangível JHWH, o Santo dos Santos, o inatingível. Aquele cujo nome tremendo não poderia ser pronunciado com medo de o profanar. É a incredibilidade das palavras do evangelho que demonstra o seu crédito. Dizia o grande pensador marxista admirador de Chesterton, Ernst Blöch, que somente um bom cristão pode ser um ateu autêntico, i.e., somente um cristão afirma que não há melhor imagem de Deus no mundo do que a de um homem. A paternidade comum de Deus, firmada por Cristo e pelos apóstolos, é a recusa de todos os racismos e de toda a escravatura ou genocídio.

Dizia Jean Guitton: “Ouvi uma vez Claudel afirmar, após ler a “Vida de Jesus” de Rénan, que se Rénan tem razão Deus não existe.” Como poderemos nós homens ter inventado um mito melhor que o próprio Deus e como pôde Deus deixar-nos no erro por vinte séculos? Como pode este mito estar associado às maiores obras de arte e ao maior desenvolvimento civilizacional à face da Terra? Como pode um mito importar-se comigo e o Deus real ser indiferente à miséria da minha existência? Pois bem, se Cristo é um mito, então também eu sou ateu. Se eu sou indiferente para esse Deus dos deístas, então esse Deus também me é indiferente. Sem Cristo, não acredito em nenhum Deus!

 

 


Conclusão

 

“Os historiadores do ano três mil, que vierem à posse de uma biografia de Napoleão, salva por acaso da catástrofe atómica, se seguirem o mesmo método usado com Jesus, demonstrarão que a epopeia napoleónica não é mais do que um mito. Uma lenda, na qual os homens do longínquo século XIX encarnam a ideia pré-existente do “Grande Chefe”.

As expedições no deserto e entre as neves, o nascimento e a morte numa ilha, o próprio nome, a traição, a queda, a ressurreição, a recaída definitiva sob os golpes da inveja e da reacção, o exílio no meio do oceano.

«De tudo isto parece evidente que Napoleão nunca existiu. Trata-se do mito do eterno Imperador, talvez seja a ideia da própria França, a que algum obscuro grupo de fanáticos da fé patriótica deu nome, existência, empresas fictícias no início do século XIX» - dirão esses peritos, i.e., os sucessores daqueles estudiosos que aplicam este método ao problema de Jesus de Nazaré.”

 

E volto ao meu pai. O seu estado lembra-me o poema “Cavalinho” da adorável Matilde Rosa Araújo que hoje ninguém cita, porque os nossos corações foram tocados pelo olhar da medusa: Paizinho, paizinho/ Passou tempo sem medida/ Tu ficaste velhinho/ E eu tornei-me tão crescido. O meu pai não é uma figura particularmente bonita, nem excepcionalmente inteligente, nem rico ou influente. Tem contudo, uma característica que o diferencia de todas as outras pessoas: é o meu pai! E neste passar do tempo que não volta foi na face dele que eu sempre encontrei a face de meu Pai, o Deus escondido, o Deus absconditus. Um dia sonho caminhar ao lado do meu pai nos bosques do Paraíso, onde entre regatos e castanheiros, encontrarei as lontras e as raposas da sua Beira Alta natal. Nesse dia sonho contemplar a face amiga e o olhar terno do meu Deus sofredor.

 
 

 



 

António Campos
 

Notas: Este texto é, em grande medida, uma sinopse do fantástico livro “Hipóteses sobre Jesus” de Vittorio Messori, cuja leitura não dispensa de modo nenhum.

 

 

1 Levítico: O resgate de uma mulher vale exactamente metade do de um varão. Eclesiástico 42: “É melhor a maldade do homem do que a bondade da mulher.”

Mas o valor da mulher fora de Israel era muito pior: O culto de Mitra do século IV, excluía completamente as mulheres. O único culto que poderiam seguir era o de Ísis ou a prostituição sagrada. Sócrates ignora as mulheres. Para Platão não há lugar para elas na boa organização social (nem sequer a nível sexual, considerando para este propósito muito melhores os jovenzinhos). Para o estóico Epícteto estão ao nível do paladar. Para Eurípedes, é o pior dos males. Para Aulo Gélio é um mal necessário. Para Aristóteles, é por natureza defeituosa e incompleta (interrogo-me sobre que órgão do homem lhe faltará…). Para Pitágoras, influenciado por todas as modas orientais, foi criada pelo princípio do mal que criou também o caos e as trevas. Para Cícero se não houvesse mulheres os homens falariam com os deuses. “Ficou em casa a fiar lã” era o máximo elogio dos epitáfios colocados nas tumbas das mulheres romanas.

Para Giordano Bruno a mulher é vazia de todo o mérito, onde só se encontra soberba, ira, luxúria, falsidade, nojo, mau cheiro, cadáver em putrefacção, mercado de porcarias. Para Kant, a inteligência é característica do homem enquanto que sensibilidade e emoções são atributos da mulher. Para Nietzsche varia do “não te esqueças do chicote quando vais falar com mulheres” a um mais soft “a mulher foi o segundo erro de Deus.”

Mas o livro do Génesis afirma a igual dignidade: “E criou-os homem e mulher”. Com Cristo: “No Céu viverão como anjos de Deus”. A parábola das virgens prudentes afirma que a mulher para realizar a sua missão humana não necessita tornar-se esposa e mãe. O Messias é “feito de mulher”, como afirma Paulo, que a eleva à qualidade de Mãe de Deus. “Todas as gerações me chamarão a bem-aventurada.”

E no Talmude:

"Cuida-te, quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as suas lágrimas.
A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual…debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada!"

 

2 Em Roma e em Atenas, até ao reconhecimento da paternidade, o filho não tinha qualquer direito à vida; o seu destino estava completamente nas mãos do pai. Platão afirma ser necessário deixar morrer os filhos das famílias muito pobres. Para Aristóteles, a criação dos pequeninos deficientes deve ser proibida por lei. Os Essénios excluíam completamente as crianças. Para Cristo, elas são um modelo epistemológico e uma prova do verdadeiro amor.

3 comentários:

  1. Descobri muito recentemente o génio de GK Chesterton com o livro "Orthodoxy" e folgo em descobrir este website em sua homenagem. Chesterton foi conditio sine qua non para a minha reconciliação com a Igreja após década e meia de nihilismo e outros disparates.

    Irei com certeza tornar-me cliente habitual deste estabelecimento daqui para a frente.

    Deus o abençoe, senhor.

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    1. Não exagero se disser que as suas palavras me comoveram.

      Não creio poder desejar-lhe melhor do que uma Santa Páscoa, agora que entendemos o que isso significa, pelo coração, pela razão e também pela fé.

      Cumprimentos,

      António.

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    2. Retribuo os votos de uma Santa Páscoa, para si e para os seus.

      Cumprimentos,

      João Veiga.

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