Ela
era pragmática, alguém que fez obra, enquanto que eles eram apenas teóricos que
nada fizeram.
As areias do Algarve, entre o azul celeste e o azul turquesa do mar (esse Atlântico norte selvagem
que uiva e bate, das costas da Cornualha até às costas do norte e centro de Portugal, que se atrasa e amansa a sul, à entrada das colunas de Hércules), dão-nos o leito para fazer eco dos textos escritos por Chesterton sobre a fenomenal Joana d’Arc, heroína do mundo católico e do mundo latino.
Chesterton escreveu sobre Joana d’Arc pelo menos dez textos, em livros ou ensaios: no capítulo 3 de Ortodoxia, 1908; The Maid of Orleans, de All Things Considered, 1908; no Illustrated London News (em 23.06.1923, em 07.07.1923, em 12.04.1924, em 30.08.1924, em 25.07.1925, em 15.08.1925); Santa Joana e a Nação de 12 de Abril de 1924. Tal importância deriva de vários factores: Joana representa a fixação mais a norte da fronteira do mundo latino, o triunfo do direito sobre a usurpação, a construção definitiva do conceito de nação, o triunfo do cavaleiro sobre o progressista, a intervenção de Deus na História, o papel central da França na história da Europa. Nos próximos dias publicaremos extractos de alguns desses ensaios.
Iniciamos pelo texto de Ortodoxia a propósito da
crítica de um livro do céptico Anatole France sobre Joana d’Arc:
Joana d’Arc não ficou imobilizada numa encruzilhada,
quer rejeitando todos os caminhos como Tolstoi, quer aceitando-os a todos como
Nietzsche. Ela escolheu um caminho e foi por aí fora, como um raio. Contudo,
quando penso em Joana d’Arc, vislumbro tudo o que há de verdadeiro, quer em
Tolstoi, quer em Nietzsche, em tudo o que existe de tolerável em cada um deles.
Penso em tudo o que há de nobre em Tolstoi, o prazer das coisas simples,
especialmente a compaixão, o gosto pelas coisas práticas da vida, a empatia pelos
pobres, a dignidade da reverência.
Joana d’Arc tinha tudo isso, com esta grande
diferença: ela para além de admirar a pobreza, era efectivamente pobre;
enquanto que Tolstoi era apenas um aristocrata tentando desvendar o segredo da
pobreza.
E penso no que existe de coragem, orgulho e patético no pobre Nietzsche, na sua revolta contra o vazio e conformismo do nosso tempo, no seu grito pelo aprumo extático perante o perigo, na sua ânsia pela investida de grandes cavalos, no seu grito às armas. Bem, Joana d’Arc tinha tudo isso, e com esta diferença: ela não elogiava a guerra, ela combateu. Sabemos que ela não temia um exército, enquanto que Nietzsche, por tudo o que sabemos, até de uma vaca tinha medo.
Tolstoi enalteceu os camponeses; ela era uma camponesa. Nietzsche enalteceu os guerreiros, ela era um soldado. Ela bateu-os a ambos, nos seus ideais antagónicos; ela era mais dócil do que um, mais violenta do que o outro. No entanto, ela era pragmática, alguém que fez obra, enquanto que eles eram apenas teóricos que nada fizeram.
Era impossível que não me ocorresse que talvez ela - e a fé que professava - detivessem um qualquer segredo de unidade e utilidade moral, um segredo que se perdeu. E com essa ideia veio uma outra, mais grandiosa, e a figura colossal do seu Mestre atravessou o teatro do meu pensamento.
E penso no que existe de coragem, orgulho e patético no pobre Nietzsche, na sua revolta contra o vazio e conformismo do nosso tempo, no seu grito pelo aprumo extático perante o perigo, na sua ânsia pela investida de grandes cavalos, no seu grito às armas. Bem, Joana d’Arc tinha tudo isso, e com esta diferença: ela não elogiava a guerra, ela combateu. Sabemos que ela não temia um exército, enquanto que Nietzsche, por tudo o que sabemos, até de uma vaca tinha medo.
Tolstoi enalteceu os camponeses; ela era uma camponesa. Nietzsche enalteceu os guerreiros, ela era um soldado. Ela bateu-os a ambos, nos seus ideais antagónicos; ela era mais dócil do que um, mais violenta do que o outro. No entanto, ela era pragmática, alguém que fez obra, enquanto que eles eram apenas teóricos que nada fizeram.
Era impossível que não me ocorresse que talvez ela - e a fé que professava - detivessem um qualquer segredo de unidade e utilidade moral, um segredo que se perdeu. E com essa ideia veio uma outra, mais grandiosa, e a figura colossal do seu Mestre atravessou o teatro do meu pensamento.
António Campos
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