Escrevo sobre o socialismo a partir do
título de “traidor social”. Já me tinham chamado várias coisas, desde agente económico, consumidor e contribuinte, mas não escondo a vaidade que sinto pelo
título que os marxistas me atribuíram. Oriundo das classes trabalhadoras,
desenvolvi uma mente burguesa. Hoje introduzo o socialismo para iniciar a
definição da política de Chesterton.
O Chesterton político é intrinsecamente
democrático. A sua convicção assenta no facto de que os homens são todos irmãos
porque são “o milhão das máscaras de Deus”. Compreende a política assente na
família, na localidade, no patriotismo, na propriedade e na liberdade
individual. A sua simpatia pela revolução francesa assentou no reconhecimento
da venialidade da Igreja francesa, na arrogância da nobreza e na decadência
moral da sociedade. A horrível distribuição de propriedade nas ilhas
britânicas, estabelecida após Henrique VIII pelo confisco, ainda hoje na mão
das mesmas famílias, que entram nas universidades de Cambridge e Oxford a seu bel-prazer,
contribuiu também para a posição anti-Burke de G. K. Chesterton. A sua perda de
entusiasmo pela revolução francesa residiu no reconhecimento que ela fora em
grande medida resultado da acção das sociedades secretas que se limitaram a
substituir uma aristocracia, a nobreza, por uma outra igualmente detestável, a
burguesia. Como ideias gerais, poderemos resumir afirmando:
1 – O sistema político é mau, mas nele deve participar-se porque este mundo material é bom e existe a necessidade de
fazer a diferença.
2 – A política moderna encontra-se
encerrada numa dialética de erro: de um lado progressistas (liberais e
socialistas) e do outro lado conservadores.
3 – O sistema político capitalista,
liberal ou conservador, característico do ocidente, é muito melhor do que o
socialismo.
4 – É necessário ser activo para repor
as coisas correctas e não apenas ser conservador, abandonando-as numa corrente
contínua de mudança, onde se degradam continuamente. E não adoptar os erros dos
outros como virtudes.
Desse ponto de vista, Chesterton
critica o conservadorismo de Burke, assente na ideia conservadora britânica que
resulta de uma interpretação whig da
História (monetarismo, liberalismo e burguesia mercantil). Para um conservador,
como afirma Pereira Coutinho, a acção depende das circunstâncias e os
resultados demonstram a bondade da acção do conservador. Trata-se de um pragmatismo.
Ou, como dizia Vítor Bento, do ponto de vista moral, a política basta-se a si
própria. Trata-se de uma posição bastante diferente da de um dos mais negligenciados
(e brilhantes) académicos portugueses vivos: Jaime Nogueira Pinto.
Para Chesterton não é assim. Da mesma
forma que uma moral preside à acção humana, igualmente uma moral deve presidir
à mais nobre acção humana, a política, porque mais consequências implica para o
destino das famílias. Uma moral fundada numa religião que está na base da
civilização ocidental, o judeo-cristianismo, e no direito romano. Será mais uma
linha social-cristã de Robert Schuman e Konrad Adenhauer, continental, não britânica.
Como afirma Jaime Nogueira Pinto, no seu livro Ideologia e Razão de Estado, trata-se da política do Sermão da
Montanha versus Razão de Estado, que tem feito bascular a política europeia na
idade contemporânea.
Para Chesterton, foram o liberalismo e
o conservadorismo que geraram a implantação do socialismo. Trata-se dos famosos
Hudge e Gudge. Os países onde o socialismo se tornou mais popular foram aqueles
onde a distribuição da propriedade e os direitos do trabalhador são mais
aberrantes; onde a ignorância e o atraso são uma chaga social.
Chesterton não se referia obviamente ao
apoio financeiro e influência que o primo de Karl Marx, Lionel de Rothschild, deputado
pela cidade de Londres, forneceu para a publicação na Londres de 1867 do
primeiro volume de Das Kapital (Os
segundo e terceiro volumes seriam publicados por Engels já após a morte de
Marx). Marx descendia de uma longa linha de rabis e foi educado a odiar o
cristianismo. Frequentava o pub Red Lion
no Soho, onde o seu primo o instou (e a Engels) a escreverem o que seria O Manifesto. Marx era adepto do comércio
livre e do império britânico, porque quer um quer outro demoliam a pequena
economia e as diferentes nações e culturas. Como bónus, favoreciam a
centralização da economia num pequeno número de mãos e criavam um proletariado
pobre e espoliado da propriedade – é a doutrina do “quanto pior melhor”. Desde
sempre Marx fez parte de uma linha de pensamento judaico que desistiu de um
messias-homem e vê o povo judeu como messias-povo. Esta linha
judaica não é religiosa mas laica, frequentemente influente nas sociedades
secretas e teosóficas, como a Liga dos Justos ou actualmente o B’nai B'rith.
Duas afirmações de Marx expressam esta
convicção:
“O judeu emancipou-se não só ao ganhar
poder financeiro, mas sobretudo porque por ele e mesmo sem ele o dinheiro se
tornou um poder mundial e o espírito prático judaico se tornou o espírito
prático das nações cristãs. A emancipação dos judeus tornou-se tão ampla que os
cristãos se tornaram judeus. Sim, o domínio prático de judeus sobre cristãos
atingiu o seu zénite na América do Norte.”
“Qual era a base real da religião
judaica? Sentido prático, egoísmo. O deus do sentido prático e do egoísmo é o
dinheiro. O dinheiro é o deus ciumento de Israel diante do qual nenhum outro
Deus subsiste. O dinheiro faz desaparecer toda a propriedade do homem
transformando-a em capital financeiro. O deus dos judeus transformou-se no deus
do universo. O deus verdadeiro dos judeus é o dinheiro. O seu deus é apenas uma
nota de crédito ilusória.”
Como se vê nada disto tem algo que ver
com os nossos irmãos judeus, monoteístas, que amam o Senhor Eterno.
Uma vez que toda a modernidade é
pautada pela interpretação marxista da História, (as ideias de Marx e a sua
filosofia dominam a nossa época, os nossos intelectuais, a nossa cultura e as
nossas universidades), sobretudo seguindo as ideias expressas nos livros de
Herbert Marcuse, Theodor Adorno, Ernst Blöch e António Gramsci, é essencial uma
introdução geral ao pensamento marxista.
Relativamente à obra de Marx, que
intitulou de “socialismo científico”, deve dizer-se que nada tem de científico,
já que não se baseia em provas ou factos, mas em ideologia, em lógica pura,
cujas conclusões dependem da veracidade (questionável) das premissas. O
determinismo hegeliano perpassa toda a construção marxista: a crença num futuro
único e fixo como ponto de chegada, o comunismo; a crença no fim da História; a
crença numa luta dialética de classes; a crença na consciência infeliz; a
crença na consciência de si e no trabalho alienado; o entendimento da sociedade
e da História como um organismo; a crença na insignificância do que é
particular; a crença na superioridade intelectual e de julgamento daqueles que
conhecem o fim da História; a crença na guerra virtuosa e na existência de übermensh e untermensch (Marx chamar-lhe-ia a necessidade do terror
revolucionário e os sub-humanos eslavos), etc. Curiosamente, Lenin, Trostsky e
Zinoviev, seus herdeiros ideológicos sempre esconderam a russofobia de Marx,
mas aplicaram as suas ideias, assassinando milhões de eslavos.
É possível que uma grande parte dos
socialistas sejam bem intencionados. Mas todos têm o detestável impulso para
controlar os outros. Esse impulso resulta de duas atitudes espirituais: a
soberba e a inveja.
O orgulho resulta na convicção de se encontrar no fim da História e, consequentemente, na posse da verdade. Na assumpção de que quem não pensa do mesmo modo tem algum grau de défice intelectual. Nada se sobrepõe ao enorme orgulho de quem pensa ser superior aos outros. É de acreditar que se o comunismo algum dia fosse popular, os intelectuais tornar-se-iam todos reaccionários. Trata-se de uma fé mais dogmática do que a fé em dúvida permanente que caracteriza o cristianismo. Trata-se da aplicação prática da afirmação de Kant de que nenhum homem pode interpretar correctamente a História se não tiver a pretensão de a ver “com os olhos de Deus”. Hegel pensava ter os olhos de Deus, Marx também. Um chamou à História o desenvolvimento da Mente colectiva (Geist), o outro chamou-lhe o desenvolvimento dos meios de produção. Para nenhum deles o indivíduo particular tinha qualquer importância. Se não houvesse um Newton, outro faria a mesma coisa porque estava pré-determinado que fosse assim.
O orgulho resulta na convicção de se encontrar no fim da História e, consequentemente, na posse da verdade. Na assumpção de que quem não pensa do mesmo modo tem algum grau de défice intelectual. Nada se sobrepõe ao enorme orgulho de quem pensa ser superior aos outros. É de acreditar que se o comunismo algum dia fosse popular, os intelectuais tornar-se-iam todos reaccionários. Trata-se de uma fé mais dogmática do que a fé em dúvida permanente que caracteriza o cristianismo. Trata-se da aplicação prática da afirmação de Kant de que nenhum homem pode interpretar correctamente a História se não tiver a pretensão de a ver “com os olhos de Deus”. Hegel pensava ter os olhos de Deus, Marx também. Um chamou à História o desenvolvimento da Mente colectiva (Geist), o outro chamou-lhe o desenvolvimento dos meios de produção. Para nenhum deles o indivíduo particular tinha qualquer importância. Se não houvesse um Newton, outro faria a mesma coisa porque estava pré-determinado que fosse assim.
A inveja resulta da convicção de que
possuir propriedade é sinal de fraqueza de carácter, própria dos inimigos do
socialismo, uma vez que o verdadeiro vanguardista abdica da propriedade e da
liberdade em favor da “verdade”. Claro que devido à sua superioridade
intelectual o comunista não é tolo; enquanto não se constrói o socialismo, numa
sociedade capitalista o socialista poderá ser o mais feroz capitalista.
Outra característica do socialismo é o
desprezo pelo passado. No passado está a mente burguesa, no futuro está o
comunismo. Ao desprezo pelo passado junta-se a idolatria pelo futuro. A ciência
e tecnologia levar-nos-ão ao comunismo. Tudo o que localiza o indivíduo ao
presente concreto e à tradição deve ser combatido, porque conduz à mentalidade
burguesa: a fé religiosa, o patriotismo, a família. A mulher deverá
comportar-se como outro homem, negando a sua natureza de esteio da família e da
sociedade burguesa e sendo um agente do “progresso”.
A igualdade é o seu lema. Exactamente o
que é mais anti-natural na natureza, que assenta na diferença e diversidade,
tal como uma família. Esta heresia da igualdade é uma projecção do valor
cristão da igualdade de dignidade de todo e qualquer homem como imago Dei. É exactamente por isso que é
frequente ouvir dizer aos marxistas que acreditam no Cristo histórico, que
Jesus foi o primeiro marxista e que o cristianismo primitivo foi o primeiro
ensaio do comunismo.
Nada poderia ser mais errado.
Cristo deixou claro para o jovem rico que
abdicar dos bens teria que ser uma acção voluntária; foi Zaqueu quem disse que
daria um terço do que possuía aos pobres e não foi Cristo quem o instou a tal.
Cristo não quis acabar com os pobres. Quando a mulher derramou o frasco de perfume
de nardo puro, originando a indignação dos apóstolos alegando ser um desperdício de dinheiro que poderia ser encaminhado para os pobres, Cristo
respondeu: “Pobres sempre os tereis entre vós!”
Relativamente ao cristianismo
primitivo, a equalização ao comunismo é igualmente um sofisma:
- A partilha era voluntária. Não era
igual, mas conforme as necessidades de cada um. Era uma forma de caridade.
Caridade é a atitude mais odiada pelos marxistas que julgam ter direito a tudo.
- O apóstolo Paulo vivia muitas vezes
da ajuda de cristãos abastados ou no mínimo remediados.
- Os mosteiros eram centros de
propriedade onde todos estavam voluntariamente e voluntariamente trabalhavam. A
administração era directa; não existiam funcionários que usavam o produto de
trabalho dos monges.
Marx estava dogmaticamente convencido
ter descoberto as leis inequívocas e imutáveis do desenvolvimento histórico
humano, que inevitavelmente, deterministicamente, conduziriam ao triunfo do
socialismo e ao triunfo do comunismo. É uma espécie de teoria da evolução
histórica e sociológica, um darwinismo histórico e social. Esta atitude tinha
natureza gnóstica e tem relação com a sua participação em sociedades secretas e
teosóficas. Com efeito, já o seu pai, Hirschel Mordechai, tinha estado em
contacto com o Grande Oriente de França e em 1813 tornara-se maçon da loja da
Estrela Hanseática em Osnabrück. Tal como tem natureza gnóstica a ideia de que
o homem iluminado resulta de uma morte e renascimento. Aquilo a que os homens
dão valor, a pátria, a família, a fé religiosa, a tradição, mais não são do que
elementos transitórios e sem valor, porque condicionados por uma época, da
infra-estrutura em desenvolvimento histórico. É a noção hegeliana de que nada
é, tudo se torna. Portanto, tudo aquilo que o homem toma como valores
fundamentais, nada mais é do que um eco do passado e um condicionamento pelo
espírito da época.
O socialismo seria o processo dialético
(uma dialética em negação como em Hegel), a antítese do capitalismo, para
alcançar a síntese última, o comunismo: camponeses e artesãos detêm os meios de
produção (tese) → vem o capitalista e apropria-se de tudo (negação) → o
proletariado de todo o mundo revolta-se e estabelece o comunismo (síntese). Esta seria a lei imutável do desenvolvimento histórico - é isto o socialismo "científico". No
estado intermédio do socialismo, o chamado PREC (processo revolucionário em
curso), existiria uma ditadura do proletariado. Esta ditadura seria necessária
porque:
- era necessário o confisco da
propriedade,
- era necessária a supressão da
liberdade individual e da democracia burguesa (pluripartidarismo),
- era necessária a catequização dos “incultos”
para adquirirem “a luz”, o mais alto estado de consciência, começando pelo
proletariado,
- era necessário o extermínio dos não
catequizáveis e dos povos inferiores, os eslavos, por meio do terror
revolucionário, tão “maravilhosamente” interpretado por Lenine, Trotsky,
Zinoviev e pelo carniceiro Stalin.
Para Marx, o que torna este processo
infalível é o de que o desenvolvimento tecnológico não é mais do que a
componente aparente de um processo aparentemente invisível mas certo, em que
deterministicamente a História passa por estádios intermediários até atingir o
comunismo.
A classe social espelha a propriedade
dos meios de produção. Locke enfatizava o capital e desvalorizava a propriedade
agrícola; os marxistas esconjuram a propriedade dos meios de produção mas são
bastante omissos quanto à propriedade financeira…
O lucro mais não seria do que uma expropriação, por parte do empregador, do produto do trabalho do trabalhador – o trabalho alienado de Hegel. Por esse motivo, as duas classes, empregadores e empregados estariam em conflito permanente. A síntese deste conflito dialético é óbvio aos olhos de Marx, numa adivinhação do futuro: o proletariado das nações ocidentais capitalistas viverá cada vez pior e finalmente revoltar-se-à, levantando-se numa internacional operária, contra os seus outrora patrões, estabelecendo uma ditadura do proletariado à escala global. Será assim porque não pode ser de outro modo – é um determinismo.
O lucro mais não seria do que uma expropriação, por parte do empregador, do produto do trabalho do trabalhador – o trabalho alienado de Hegel. Por esse motivo, as duas classes, empregadores e empregados estariam em conflito permanente. A síntese deste conflito dialético é óbvio aos olhos de Marx, numa adivinhação do futuro: o proletariado das nações ocidentais capitalistas viverá cada vez pior e finalmente revoltar-se-à, levantando-se numa internacional operária, contra os seus outrora patrões, estabelecendo uma ditadura do proletariado à escala global. Será assim porque não pode ser de outro modo – é um determinismo.
Cessará a orientação pelo lucro e a
livre iniciativa será substituída pela orientação central do Estado, detentor
de todos os meios de produção por meio do confisco. O aumento de produção e o
avanço tecnológico levaria a sociedade comunista a um nível de bem estar nunca
antes experimentado. Seria um céu na terra. O movimento marxista seria assim
uma forma de messianismo.
António Campos
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