sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Primeiro Passarinho na História



O pioneiro católico tem, no mundo moderno, sempre o mesmo destino; ser o primeiro e ser esquecido.


Retirado de The Thing, 1926, este ensaio de Chesterton sobre Joana d’Arc e a Igreja Católica realça dois pontos fundamentais:

1- A Igreja é considerada pelo mundo moderno, lenta e conservadora, ultrapassada pelos acontecimentos.
2- Na verdade o mundo moderno é muito menos preciso, quer quanto ao tempo quer quanto à substância, na análise de factos históricos relevantes.

Para Chesterton a fundamentação reside num ponto: O pioneiro católico tem, no mundo moderno, sempre o mesmo destino; ser o primeiro e ser esquecido.

Chesterton afirma que a reabilitação de Joana d’Arc veio muito rapidamente, dez anos após a sua
morte em 1421, e que a reabilitação do mundo é muito mais lenta, imprecisa e omissa. Dá os exemplos de Sócrates e a república ateniense, de Savonarola e Florença, de William Wallace e Eduardo III, Thomas Moro ou Washington e a Inglaterra.


O caso da reabilitação de Joana d’Arc é um dos raros casos de reabilitação na História, pois há vários casos em que um crime judicial fez pagar com a vida a heróis e mártires, dando razão ao poeta J R Lowell (1819-1891): “A verdade está sempre no cadafalso; o erro sempre no trono.”
A acusação de que a Igreja Católica corre atrás do tempo, na verdade significa que a Igreja não vai na moda do tempo, reflecte e analisa os assuntos exaustivamente, não os toma superficialmente.

“Estar no movimento moderno significa estar na moda, sempre omnipresente e opressiva e depois rapidamente vazia e esquecida.”

No mundo laico, é apenas quando as rivalidades e a ambição são extintas, quando o interesse e a influência são esquecidos, que aparece uma sincera vontade de reabilitação do inimigo morto. Por isso, os séc. XIX e XX são românticos com Wallace, fazem estátuas a Washington ou livros a Joana d’Arc. Este é apenas mais um exemplo de como o mundo é mais lento do que a Igreja a reparar os seus erros.

A seguir Chesterton examina o que grandes homens do passado disseram sobre Joana d’Arc:

“Shakespeare, o maior de todos, infelizmente insultou-a, como vulgo insular, no conto Henrique VI. Mas existem outros com menos desculpas do que Shakespeare:
Voltaire, um francês, admirador dos heróis franceses, confesso reformador e amigo da liberdade, julgou-a de um ponto de vista restrito de um anti-clerical. O que Voltaire escreveu sobre Santa Joana nem vale a pena reproduzir.
Byron exaltava a magnífica e heróica luta das nações pela liberdade. Era o menos insular dos poetas ingleses e era o que melhor compreendia França e o Continente; aliás ainda hoje lá é admirado e reconhecido. Ele chamou Santa Joana de prostituta fanática. Este foi o tom geral dos homens de História e de cultura, ensinadas na idade da razão.
Belloc sublinhou que até mesmo os católicos, embora não duvidem da moralidade, duvidam da miraculosidade de Santa Joana.
Shiller foi empático, embora sentimental, piegas. Portanto, perdeu a perspectiva.

Foi só no séc XX que os homens finalmente compreenderam Joana d’Arc:

Primeiro, Mark Twain. Apesar de ser como um ianque na corte do rei Artur, tem todo o crédito de alguém que, na recente cultura de um novo país, teve o génio de perceber a chama da cripta de Rouen, que tantos cépticos consideraram fria.
Depois veio Anatole France, um céptico que sob o disfarce da candidez, insultou ainda mais Joana d’Arc do que Voltaire.
Finalmente Bernard Shaw, com um ponto de vista errado sob múltiplos aspectos, mas sem dúvida comprometido e sincero, na peça Santa Joana. Esta heroína teve que esperar cinco séculos por Bernard Shaw. Ninguém pode afirmar, sem vergonha na cara, que humanistas e racionalistas foram mais rápidos na análise.”

Para Chesterton este exemplo da avaliação de Joana d’Arc é um padrão. Um exemplo de outras avaliações erróneas por parte dos modernos. Considera o caso dos jesuítas que sofreram perseguições e enforcamento, por estarem à frente do seu tempo.
“Eles reconheceram os problemas da conduta moral, não tanto sobre a lei moral em si, mas se ela se aplicaria sempre a circunstâncias particulares.”

Um dos exemplos que Chesterton dá é o facto de que os jesuítas colocaram em causa se o direito divino da realeza deveria beneficiar certos conspiradores. Outro exemplo é o facto de Pascal os ter criticado por eles defenderem que, em certas circunstâncias, uma rapariga poderia casar contra a vontade dos pais. Chesterton afirma que os jesuítas tentaram incorporar estas excepções numa lei moral e que hoje teriam todos os novelistas do seu lado.
“Duzentos anos mais tarde, os modernos adoptaram estes valores, mas não construíram nenhuma lei, antes um mundo de excepções.”

Chesterton lembra que o milionário puritano Penn, que deu o nome ao estado americano da Pennsilvania, é lembrado como o pioneiro da atribuição dos primeiros direitos aos índios, mas ninguém lembra Las Casas, o apóstolo dos índios, que viajou com Colombo e que dedicou toda a sua vida à evangelização dos índios e a lembrar que eles também eram filhos de Deus.

“Fê-lo num tempo em que ninguém no norte daria ouvidos a uma história dessas vinda de um santo de Espanha.
Eu penso que esta é a história de um pioneiro católico: ser o primeiro e ser esquecido.”




António Campos

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