segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Santa Joana e a Nação


“Sim, Santa Joana estava certamente a dirigir o mundo, mas estava a dirigi-lo para longe do governo mundial único!”




Nesta crónica de 12 de Abril de 1924, Chesterton realça a ambiguidade dos intelectuais
modernos: uma vez que não convém reconhecer que a inspiração de Joana d’Arc fosse de origem divina, torna-se apelativo afirmar que a sua inspiração era de natureza anti-clerical.
Anatole France afirmaria que ela era um instrumento de uma imensa conspiração clerical; Bernard Shaw considerou-a uma rebelde anti-clerical.

Aquele popular céptico francês tem a ideia luminosa de insinuar três coisas:

1- Que uma pobre camponesa não pode ser tão inteligente,

2- Que uma mulher não pode ser tão corajosa ou original,

3- Que o sentimento popular não pode de modo algum estar presente numa mente genial.


“Um escritor moderno diria sobre Joana d’Arc: a credulidade popular da Idade Média levou os homens a pensar que ela adivinhou quem era o Delfim de França por inspiração divina.
Porque é que o escritor moderno não escreve: a credulidade da Idade Moderna leva-nos a concluir que uma pobre camponesa semi-analfabeta teria muito facilmente obtido uma audiência de natureza político-militar com o Delfim de França?”

Hoje em dia, diz Chesterton, ninguém chama Joana d’Arc fanática ou bruxa, por receio de passar por ignorante ou tolo. Se existe uma personagem histórica que, ao longo do seu percurso, conquistou os seus inimigos, essa é sem dúvida Santa Joana de Orléans.

“Voltaire, o mais famoso céptico do séc. XVIII, insulta ferozmente a heroína do séc. XV. O mais famoso céptico do séc. XIX, Anatole France, opta por a infantilizar. Shakespeare, no séc. XVI, um romântico, é alheio ao seu romance. Shaw, no séc. XX, um confesso anti-romântico, fascina-se pelo seu romance.

É o que se chama o mundo ser iluminado pelo processo do tempo.”

Protestantes e católicos, agnósticos e ateus, rendem-se a esta estranha amazona. Isso acontece porque Joana era uma líder à frente do seu tempo. Se ela é hoje considerada uma reformadora, qual era a sua reforma? Qual era a coisa inovadora que Joana trouxe contra todas as coisas velhas da sua própria religião e civilização?
Para Chesterton a resposta só pode ser uma e é hoje reconhecida por todos: A ideia nova que ela sustentava era a ideia de nação, a ideia de nacionalidade:

“Joana, tão original em vários capítulos, foi supremamente original neste: ela apelou do início ao fim à França, a algo que era maior que a unidade feudal mas menor que a unidade católica.
Desde a sua morte que a nação é um assunto sagrado. De facto, o patriotismo tem sido sagrado mesmo para muitos para quem nada mais é sagrado.”


Muitos dos seus novos admiradores não concordam neste ponto:

“Aqueles que anseiam por um sistema internacionalista, que ignore bandeiras e fronteiras, deveriam retornar à cristandade que existia antes de Joana d’Arc.”

Chesterton sublinha que não têm legitimidade aqueles que apelidam Joana de progressista, pelo facto de ela ter sido oprimida por bispos e advogados. Para Chesterton, Joana estava mesmo do lado a que eles chamam reacção. Ela era a padroeira do nacionalismo, pois os santos padroeiros do internacionalismo podem ser encontrados, não após mas antes de Joana d’Arc, uma vez que o mundo em que o cristianismo cresceu era um mundo cosmopolita e internacionalista- era o Império Romano.


“Era praticamente o que Mr. Shaw chama o governo mundial; e é curioso que Mr. Wells deseje tanto um governo mundial único e odeie o único governo mundial que alguma vez existiu. É como se Mr. Wells sempre que tivesse uma das suas utopias a passasse logo a detestar. Sem dúvida que a Igreja surgiu entre o governo mundial de Roma. Nas fases mais precoces da Idade Média, era tão cosmopolita como Roma.”

Para Chesterton, a Igreja nascente cintilava com sábios e santos verdadeiramente cosmopolitas, que falavam da Humanidade como uma irmandade, e que nunca tinham ouvido falar do conceito de nação.


“Santa Joana d’Arc é a prova de que o espírito cristão pode criar nações a partir da cristandade e santos para essas novas unidades. O direito de certos grupos europeus se considerarem como uma unidade última, como grupos que possuem diferentes almas populares.
Sim, Santa Joana estava certamente a dirigir o mundo, mas estava a dirigi-lo para longe do governo mundial único!”

Proféticas, estas palavras de Chesterton, num tempo em que se apaga a tradição, a soberania das nações, a sua independência económica; e em que por toda a parte, nos think tanks e nos media, somos bombardeados com a nova ordem mundial…




António Campos




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