“Sim, Santa Joana estava certamente a
dirigir o mundo, mas estava a dirigi-lo para longe do governo mundial único!”
Nesta crónica de 12 de Abril de 1924, Chesterton realça a ambiguidade dos intelectuais
modernos: uma vez que não convém
reconhecer que a inspiração de Joana d’Arc fosse de origem divina, torna-se
apelativo afirmar que a sua inspiração era de natureza anti-clerical.Nesta crónica de 12 de Abril de 1924, Chesterton realça a ambiguidade dos intelectuais
Anatole France afirmaria que ela era um instrumento de uma imensa conspiração clerical; Bernard Shaw considerou-a uma rebelde anti-clerical.
Aquele popular céptico francês tem a ideia luminosa
de insinuar três coisas:
1- Que uma pobre camponesa não pode ser tão
inteligente,
2- Que uma mulher não pode ser tão corajosa ou
original,
3- Que o sentimento popular não pode de modo algum
estar presente numa mente genial.
“Um escritor moderno diria sobre Joana d’Arc: a
credulidade popular da Idade Média levou os homens a pensar que ela adivinhou
quem era o Delfim de França por inspiração divina.
Porque é que o escritor moderno não escreve: a
credulidade da Idade Moderna leva-nos a concluir que uma pobre camponesa
semi-analfabeta teria muito facilmente obtido uma audiência de natureza
político-militar com o Delfim de França?”
Hoje em dia, diz Chesterton, ninguém chama Joana
d’Arc fanática ou bruxa, por receio de passar por ignorante ou tolo. Se existe
uma personagem histórica que, ao longo do seu percurso, conquistou os seus
inimigos, essa é sem dúvida Santa Joana de Orléans.
“Voltaire,
o mais famoso céptico do séc. XVIII, insulta ferozmente a heroína do séc. XV. O
mais famoso céptico do séc. XIX, Anatole France, opta por a infantilizar.
Shakespeare, no séc. XVI, um romântico, é alheio ao seu romance. Shaw, no séc.
XX, um confesso anti-romântico, fascina-se pelo seu romance.
É
o que se chama o mundo ser iluminado pelo processo do tempo.”
Protestantes
e católicos, agnósticos e ateus, rendem-se a esta estranha amazona. Isso
acontece porque Joana era uma líder à frente do seu tempo. Se ela é hoje
considerada uma reformadora, qual era a sua reforma? Qual era a coisa inovadora
que Joana trouxe contra todas as coisas velhas da sua própria religião e
civilização?
Para
Chesterton a resposta só pode ser uma e é hoje reconhecida por todos: A ideia
nova que ela sustentava era a ideia de nação, a ideia de nacionalidade:
“Joana,
tão original em vários capítulos, foi supremamente original neste: ela apelou
do início ao fim à França, a algo que era maior que a unidade feudal mas menor
que a unidade católica.
Desde
a sua morte que a nação é um assunto sagrado. De facto, o patriotismo tem sido
sagrado mesmo para muitos para quem nada mais é sagrado.”
Muitos
dos seus novos admiradores não concordam neste ponto:
“Aqueles
que anseiam por um sistema internacionalista, que ignore bandeiras e
fronteiras, deveriam retornar à cristandade que existia antes de Joana d’Arc.”
Chesterton
sublinha que não têm legitimidade aqueles que apelidam Joana de progressista,
pelo facto de ela ter sido oprimida por bispos e advogados. Para Chesterton,
Joana estava mesmo do lado a que eles chamam reacção. Ela era a padroeira do
nacionalismo, pois os santos padroeiros do internacionalismo podem ser
encontrados, não após mas antes de Joana d’Arc, uma vez que o mundo em que o
cristianismo cresceu era um mundo cosmopolita e internacionalista- era o
Império Romano.
“Era
praticamente o que Mr. Shaw chama o governo mundial; e é curioso que Mr. Wells
deseje tanto um governo mundial único e odeie o único governo mundial que
alguma vez existiu. É como se Mr. Wells sempre que tivesse uma das suas utopias
a passasse logo a detestar. Sem dúvida que a Igreja surgiu entre o governo
mundial de Roma. Nas fases mais precoces da Idade Média, era tão cosmopolita
como Roma.”
Para
Chesterton, a Igreja nascente cintilava com sábios e santos verdadeiramente
cosmopolitas, que falavam da Humanidade como uma irmandade, e que nunca tinham
ouvido falar do conceito de nação.
“Santa
Joana d’Arc é a prova de que o espírito cristão pode criar nações a partir da
cristandade e santos para essas novas unidades. O direito de certos grupos
europeus se considerarem como uma unidade última, como grupos que possuem
diferentes almas populares.
Sim,
Santa Joana estava certamente a dirigir o mundo, mas estava a dirigi-lo para
longe do governo mundial único!”
Proféticas,
estas palavras de Chesterton, num tempo em que se apaga a tradição, a soberania
das nações, a sua independência económica; e em que por toda a parte, nos think tanks e nos media, somos bombardeados
com a nova ordem mundial…
António
Campos
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