E não me restarem mais canções,
Penso que não serei demasiado velho
Para olhar cada uma das coisas;
Como outrora olhei a porta do berçário
A árvore alta ou o embalar.
Onde a poderosa misericórdia de Deus pende
Sobre todos os meus pecados e sobre mim,
Porque Ele não retira
O terror associado à árvore
As pedras ainda brilham pela estrada fora
Sendo, sem poder ser.
Os homens estão velhos para o amor, meu amor
Os homens envelheceram para o vinho
Mas eu nunca serei velho para ver
O brilho sobrenatural da luz do dia
Mudando o pó do meu quarto em neve
Até que eu duvide se o quarto ainda é o meu.
Contemplem, como a sublime misericórdia se esvai,
Os primeiros espantos resistem;
E no meu nada é depositada uma prenda
Que não me atrevo a pedir:
Que um homem se habitue à dor e ao júbilo
Os homens estão velhos para o amor, meu amor
Tornaram-se velhos para mentiras;
Mas eu nunca serei velho para ver
O nascer da grande noite,
Uma nuvem maior que o mundo
Um monstro de mil olhos.
Nem sou digno de desatar
O cordão dos meus sapatos;
De sacudir o pó dos meus pés
Ou do cajado que me suporta
Por ser bom demais para que perdure
Sólido demais para verdadeiro.
Os homens estão velhos para cortejar, meu amor
Os homens tornaram-se velhos para casar;
Mas eu não ficarei velho para ver
Fantásticos e suspensos acima de mim
Caibros incríveis quando acordo
Um tremor de tormenta no meu cabelo:
Embora as nuvens negras sejam óbvias,
Ainda assim me dói e me assusta
O primeiro pingo de chuva:
Romance, vaidade e paixão passaram
E só isto ficou.
Estranhos tapetes rastejantes da relva
Amplas janelas do céu:
E nesta arriscada graça de Deus
Eu vou, com todos os meus pecados:
As coisas renovam-se embora eu envelheça
Embora eu envelheça e me vá.
G K Chesterton, Uma Segunda Infância
Tradução, António Campos
Notas:
Chesterton expressa neste poema algumas das ideias recorrentes na sua escrita e as imagens pictóricas que as ilustram. Os ramos de árvores como vigas suspensas ou o terrível aspecto antropomórfico de certas árvores de folhas caducas como as faias, sobretudo à noite, assustadores e maravilhosos.
O cansaço dos homens pelas maravilhas
da natureza, como a noite e o dia, que paralelam o cansaço dos homens pelo amor
com compromisso e com honra. Este recorrer e renovar na natureza é uma alegoria
da vida humana. Como refere na sua apreciação a Stevenson, “a vida é uma
partida contínua mas também é um mar de reconciliação.”
A insignificância do homem, como
reconhecido por Job, mas que caminha com confiança, apesar dos seus pecados,
pela estrada da vida ao encontro de Deus, onde inacreditavelmente todas as
pedras brilham.
A grande noite que se levanta sobre a
humanidade que rouba a liberdade humana, a privacidade e a dignidade, uma moderna
escravatura, “um monstro de inúmeros olhos”, ergue-se sobre nós que possuímos
sempre connosco a graça de Deus e, como tal, circulamos no escuro com o sinal
de Cristo e cheios de alegria, porque somos o sal do mundo, a denúncia do mal,
“os profetas que vou enviar”. Para tal deveremos ver as coisas comuns como se
as víssemos pela primeira vez, como uma criança. O “nascer de novo” de Jesus
para Nicodemos.
Porque haverá sempre uma outra vida
para quem tiver a humildade de descobrir a humildade, a segunda infância.
E assim, como a relva se abre para depositar o nosso corpo, o céu abre amplas janelas para receber a nossa alma.
Cheios de alegria, como dizia Teresa de
Lisieux, seremos “uma gota de orvalho num mar de sofrimento”, como dizia Teresa
de Calcutá. Com poucas palavras e muito melhor, Chesterton resumiu tudo neste
poema.
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