sábado, 16 de março de 2013

Salut, Francisco!






Tivemos o privilégio de testemunhar no dia 13, dia de Nossa Senhora de Fátima, uma singular ocorrência na
Igreja Católica: a eleição de um Papa, o sucessor de Pedro. Mais singular se tornou, porque o Cardeal escolhido não é tão novo como se esperava, não é exatamente progressista, é pela primeira vez um sacerdote da Companhia de Jesus, pela primeira vez provém de fora da Europa, um latino-americano, e escolheu um nome que jamais tinha sido escolhido por qualquer eleito, Francisco.

O silêncio que se seguiu à sua nomeação, entre os presentes na Praça do Vaticano, mostra o quanto os pensamentos de Deus distam dos pensamentos do homem, “tão longe distam a terra do céu, assim distam os Meus pensamentos dos vossos pensamentos”, Is 55, 9. Mostra, além do mais, o quanto o povo católico, i.e., a Igreja, também se deixou contaminar pela “zeitgeist”, o espírito da época em que vivemos.


O Papa não vem do maior país católico do mundo, o Brasil. Nem tão pouco do país onde os católicos contribuem com uma das mais heróicas batalhas intelectuais do nosso tempo, em circunstâncias particularmente difíceis, os Estados Unidos da América. Nem ainda do país com mais cardeais no conclave, a Itália. Mais uma vez a Igreja segue caminhos diferentes das probabilidades humanas. Isso diminui a importância dos cardeais brasileiros, americanos ou italianos não eleitos? Quem assim supor ainda está fora dos muros da cidade de Deus. Os cargos na Igreja são de serviço, não de poder. Ainda agora o eleito comentou com os outros cardeais: “Deus vos perdoe pela escolha que fizeram”.

Os meios de comunicação social laicos logo se apressaram a chamar os grupos de hereges para comentarem a eleição. Como classificar grupos que se auto-denominam como “Nós somos Igreja”, i.e., nós também somos Igreja? Os católicos nunca diriam “nós somos Igreja”, mas sim “nós somos a Igreja”. Só os hereges clamam que também pertencem à Igreja, porque na realidade se encontram fora dela e impõem condições para entrar.

O nome Francisco encerra vários significados. “O hábito castanho daqueles que se cobrem de pó”, dizia Chesterton. Está de acordo com o cardeal que não gosta de convites para almoços, que vive num apartamento e anda de transportes públicos. Também significa missão. A missionação e literacia da Companhia de Jesus. Está de acordo com um homem que lê Fyodor Dostoievski e Jorge Luís Borges. Um chestertoniano. O seu primeiro pedido para a oração do povo por ele, recordou-nos Santo Agostinho. A sua oração à Virgem Maria na dominicana Santa Maria Maggiore, revela-nos a sua catolicidade. Para os católicos que se ocupam das profecias apocalípticas, o Espírito Santo proporcionou-lhes o Papa do “Fim do Mundo”. Também eles não se podem queixar. Deus, como sempre, revela-nos que tem sentido de humor.

Sobra, contudo, uma dúvida.

Por várias vezes a confraria do avental expulsou os jesuítas, confiscando-lhes as propriedades e património. Em Portugal, com a I República, uns expulsos, outros na prisão, outros assassinados. Um dos mais célebres foi António Paulo Ciríaco Fernandes que viria a desenvolver uma actividade prolífica no Brasil e é referenciado várias vezes por Gustavo Corção, sobretudo na sua crítica à aproximação marxista de Maritain. Já com o Marquês de Pombal tinha acontecido algo de semelhante. Património confiscado, prisão, assassínio e expulsão, de que resultou o fecho dos colégios e um país sem ensino secundário por uma inteira geração.

A dúvida que fica, uma perplexidade que só o tempo poderá revelar, é que relação vai ter a confraria com este jesuíta mariano e frugal, que não precisa de muito para viver com dignidade e que não acredita em almoços grátis. Temos um Papa Francisco, ou seja, etimologicamente, um homem franco, livre, liberto pelo desapego voluntário. A Igreja é feita de homens livres que acreditam, não na “ashlar” ou pedra polida, mas sim na pedra angular. Aliás, o aviso ressoa pela eternidade: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular” Mt 21, 42.

Jorge Mario Bergoglio tem algumas publicações sob a forma de artigos e livros, desde “Meditações para Religiosos” de 1982, passando por “Diálogos entre João Paulo II e Fidel Castro” de 2004, escrito após a viagem papal a Havana em Janeiro de 1998, em que foi assistente de João Paulo II, até “Nós como cidadãos, nós como Povo” de 2011. Uma fonte preciosa para conhecer o pensamento do jesuíta tímido e austero, que luta com a mesma determinação, contra marxistas e plutocratas. 

Esteve contra a liberalização do aborto e o casamento homossexual:
“Sem a família que reconhece a dignidade da pessoa por si mesma, a sociedade não consegue perceber este valor nas situações limítrofes. Somente uma mãe e um pai podem dizer com alegria, com orgulho e responsabilidade: vamos ser pais, concebemos o nosso filho. A ciência olha para isso de fora e faz indagações sobre a pessoa que não nasce, do centro, da sua dignidade; para concluir que o aborto nunca é uma solução. Temos que escutar, acompanhar e compreender a partir do nosso lugar para salvar as duas vidas: respeitar o ser humano menor e indefeso, adotar medidas que possam preservar a sua vida, permitir o seu nascimento e depois ser criativos na busca de caminhos que o levem ao seu pleno desenvolvimento.”

“Uma mulher grávida não leva no ventre uma escova de dentes, tão pouco um tumor. A ciência ensina que desde o momento da concepção, o novo ser tem todo o código genético.”


A palavra abre o caminho mas os olhos precisam de ver. 
Um dos mais fantásticos momentos que tivemos com Jesus Cristo foi o episódio com o paralítico de Cafarnaum. Jesus disse que lhe perdoava os pecados. Uns zombaram, outros ficaram indignados, pois segundo a Torah só Deus tem o poder de perdoar os pecados. Aí Cristo virou-se para o paralítico e disse autoritariamente: “Para saberdes que o Filho do Homem tem neste mundo o poder de perdoar os pecados, digo-te: levanta-te, toma o teu catre e anda” Mc 2, 1-12. 
Sempre os milagres de Cristo se relacionam com o que está a dizer. 
Nunca foram, por assim dizer, um espectáculo por si. 
Isso é o Verbo: palavra e acção. Se acreditamos que é o Espírito Santo que preside à Igreja de Jesus Cristo, é possível, apenas possível, que após a limpidez e iluminação da palavra de Bento XVI se siga a acção de Francisco. 
Para que os nossos olhos vejam...




António Campos

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