Em “O Homem
Eterno”, a propósito da influência dos grandes filósofos da antiguidade em
relação ao politeísmo das populações, Chesterton faz uma viagem pelos
principais pensadores, onde evidencia alguns aspectos cruciais para a
compreensão do paganismo, bem presente numa grande variedade de culturas e de
onde, apesar de tudo, despontavam ideias novas que viriam a ser comuns às
religiões monoteístas. Embora apresentando uma atitude reflexiva e,
necessariamente, interrogativa capaz de “deslocar os fundamentos do mundo”, os
filósofos dos povos pagãos mostraram, no entanto, sempre “um peculiar
compromisso de lealdade” que os impediu de “deslocarem os fundamentos da
cidade”. Sendo notório que haveria “uma certa superficialidade, ou mesmo até
falta de sinceridade com que esse politeísmo era vivido”, não será alheia à
pouca influência dos filósofos a sua quase total ausência dos lugares de poder.
Chesterton refere, contudo, algumas excepções de filósofos que foram reis:
Akhenaton (conhecido como Faraó Herético), Marco Aurélio, Gautama (o grande
Buda). Marco Aurélio, o imperador romano e filósofo estóico, é apresentado por
Chesterton como alguém desprovido de humildade que identificaria a religião
popular com os espectáculos de circo, tendo por isso tolerado “o anfiteatro
pagão e o martírio dos cristãos”. Por seu lado, o Faraó Herético empreendeu
“uma espécie de golpe de Estado, por meio do qual derrubou, com um gesto
imperial, os deuses superiores do Egipto, substituindo-os pelo disco do sol
universal, qual espelho ardente da verdade monoteísta”. Apesar de reconhecer
seriedade nesta filosofia, Chesterton aponta-lhe uma certa presunção, ao
ignorar a existência de “uma fome verdadeiramente humana” em todas as lendas e
crenças pertencentes à cultura popular e que, no essencial, constituíam “as
errâncias da mitologia”. Como nos lembra Chesterton: “é possível que Ísis não
ande realmente à procura de Osíris. Mas é verdade que a natureza anda sempre à
procura do sobrenatural”. Foi por isso que a experiência do Faraó fracassou!
É interessante
verificar que Chesterton nos apresenta Gautama como “o maior e o melhor dos
intelectuais nascidos da realeza”. Além disso, diz-nos Chesterton: “A reacção
que teve foi talvez a mais nobre e a mais sincera de todas as acções resultantes
dessa combinação de pensadores e de tronos. Porque a reacção dele foi de
renúncia. Marco Aurélio contentou-se em afirmar, com refinada ironia, que até
num palácio se podia viver bem. O rei egípcio, mais fogoso, concluiu que se
podia viver melhor depois de se proceder a uma revolução palaciana. O grande
Gautama foi, porém, o único que demonstrou que era realmente capaz de
prescindir do palácio”. A opção de renúncia de Buda surge assim como a “atitude
mais absoluta”, em alternativa à tolerância de Marco Aurélio e à revolução
empreendida por Akhenaton.
Desta passagem de
O Homem Eterno talvez possamos tirar alguns ensinamentos. O primeiro parece
indicar-nos que a tolerância surge muitas vezes como sinónimo de indiferença,
onde prolifera a ausência do respeito que emana do amor fraterno, tão presente
na cultura Cristã. Em segundo lugar, nenhuma revolução se pode fazer contra a
cultura popular. Esta tem raízes profundas que resistem à mais feroz das
ditaduras! Só os valores da verdade que convence, conseguem arrancar essas raízes.
O terceiro ensinamento surge associado à atitude de Buda. Embora vá avisando
que Buda vivia essencialmente uma mera “vida de filósofo” e não de santo,
Chesterton considera sem hesitação tratar-se de uma “atitude magnífica”. O
elogio da renúncia apresentado por Chesterton não surpreende, porque é algo
totalmente indissociável da vivência Católica.
Com a sua imensa sabedoria e
lucidez, o Papa Bento XVI acaba de dar esse exemplo, à Igreja e ao mundo. Sendo
um homem tímido, renunciou à pacata, mas intelectualmente estimulante, vida de
professor e teólogo para se tornar “humilde trabalhador na vinha do Senhor”.
Naquele dia 19 de Abril de 2005, muitos desconfiaram que o cardeal Ratzinger, o
“temível” Prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé, pudesse ser portador
dessa anunciada humildade. A realidade acabou por desmentir os cépticos: Bento
XVI escreve com precisão e clareza extraordinárias, fala com convicção e
desassombro, enfrenta os graves problemas da Igreja com uma grande coragem e sensatez!
O maior sinal de humildade veio, contudo, agora. Com o surpreendente anúncio da
sua renúncia, onde expôs com profunda humildade as suas fragilidades humanas, o
Papa Bento XVI agradece aos cardeais presentes no Consistório “por todo o amor
e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão
por todos os meus defeitos”.
O Papa prescinde assim do palácio para entrar no Convento Mater Ecclesiae, onde terá uma vida de recolhimento e oração pela Igreja de Cristo. É com uma Fé imperturbável, e até contagiante, que o sucessor de Pedro caminha confiadamente sobre as águas agitadas ao encontro do Senhor, porque “a barca da Igreja é d'Ele” e Ele “não a deixa afundar”. Nesta “subida à montanha” como “simples peregrino”, o Papa dá-nos não só uma lição maravilhosa de humildade como também nos aponta o importante caminho da oração.
O Papa prescinde assim do palácio para entrar no Convento Mater Ecclesiae, onde terá uma vida de recolhimento e oração pela Igreja de Cristo. É com uma Fé imperturbável, e até contagiante, que o sucessor de Pedro caminha confiadamente sobre as águas agitadas ao encontro do Senhor, porque “a barca da Igreja é d'Ele” e Ele “não a deixa afundar”. Nesta “subida à montanha” como “simples peregrino”, o Papa dá-nos não só uma lição maravilhosa de humildade como também nos aponta o importante caminho da oração.
Jorge Marques
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