domingo, 24 de março de 2013

Chesterton e o Estado - Parte II


“A Ashlar não é só o indivíduo aperfeiçoado, é também o Estado”, Albert Pike, Morals and Dogma of Freemasonry.

O sistema de alternância partidária também é analisado por Chesterton, que dele desconfia: "Gudge, o plutocrata, quer um industrialismo anárquico. Hudge, o idealista, fornece-lhe o lírico elogio da anarquia. Gudge quer mulheres operárias porque são mais baratas. Hudge diz que o trabalho as liberta. Gudge quer trabalhadores incansáveis e obedientes. Hudge prega a lei seca para os operários." Chesterton advoga que ambos os sistemas vêem o indivíduo, homem ou mulher, apenas do ponto de vista económico, como factor de produção, mesmo que pelo caminho se lhes deva negar o conforto familiar. Uma heresia que nega as palavras de Cristo: ”Nem só de pão vive o Homem”. Diz Chesterton que a grande heresia do nosso tempo é mudar a alma humana para se adaptar às circunstâncias, evitando mudar as circunstâncias para se adaptarem à alma humana. Quer socialistas quer grandes capitalistas são inimigos da propriedade, porque o capitalismo é um sistema em que quase ninguém possui e o socialismo nega o direito a todo o tipo de propriedade. 

Chesterton vai mais além. Diz que é a acumulação imoral da propriedade de plutocratas e banqueiros que fornece a dialética que aponta para os socialistas: "Gudge governa por um rude e cruel sistema de pilhagem e exploração do trabalho de homens e mulheres, que é completamente inibitório da liberdade familiar e conducente à destruição da própria família. Hudge, abrindo os braços ao universo, com um sorriso profético, anuncia-nos que a família é qualquer coisa que deveremos, em breve, gloriosamente ultrapassar... Se a concentração materialista prosseguir, o homem será um dia dono de coisíssima nenhuma, nem sequer do seu próprio corpo", Autobiografia, 1936.


Chesterton alerta que o nosso sistema de alternância democrática é um esquema que funciona em circuito fechado: "Hudge o socialista e Gudge o capitalista, ambos destroem a família: um em nome do Estado, o outro em nome do indivíduo!...Para o socialista, a dificuldade de cada um ter o seu quarto de dormir, ao abrigo de estranhos, chama-se Fraternidade. Para o capitalista, a necessidade de se ter que subir trinta lances de escadas antes de chegar a casa chama-se Esforço. E agora desejo segredar ao ouvido do leitor uma suspeita horrível que por vezes se apodera de mim: a suspeita de que Hudge e Gudge estão secretamente de sociedade; de que a polémica que publicamente sustentam, não passa de negócio combinado. De que o jogo, sempre a passar das mãos de um para o outro, não se faz por simples acaso”, Os Disparates do Mundo, 1910.

Chesterton vai ainda mais longe nas suas alegações: "Eu não sei se o compadrio de Hudge e Gudge é consciente ou inconsciente. Apenas sei que ambos continuam a deixar sem lar o homem comum. Apenas sei que continuo a ver o Silva vagueando pelas ruas, pelo cinza do crepúsculo, olhando tristemente para os postes, para as vedações e para os candeeiros amarelos que continuam a guardar a casa, que nem por isso é menos sua, apesar de nunca lá ter entrado", Os Disparates do Mundo, 1910.

Mais uma vez se sublinha que esta forma de considerar a política e o exercício do poder apenas em função da economia, tão comum no nosso tempo, desrespeita o aviso de Cristo, como Bento XVI  explica no seu livro “Jesus de Nazaré”, cap II, pág 64: “Nem só de pão vive o Homem”…O pão é importante, a liberdade é mais importante, mas o mais importante é a fidelidade constante e a adoração jamais atraiçoada” (Bento XVI cita o jesuíta alemão Alfred Delp).
Outro facto alarmante na política é que são sempre os mesmos nomes a dominá-la, em Inglaterra e nos Estados Unidos. “Ainda haverá, julgo eu, quem negue ser a Inglaterra governada por uma oligarquia. Um homem que tivesse adormecido há trinta anos sobre um jornal, se acordasse agora com o jornal do dia actual, pensaria estar a ler notícias do mesmo jornal. Num, encontraria Lord Robert Cecil, Mr Gladstone, Mr. Wyndham, um Chamberlain, um certo Churchill, um Trevelyan e um tal Buxton. No outro, encontraria Lord Robert Cecil, Gladstone, Wyndham, Chamberlain, Churchill, Trevelyan e Buxton. Se isto não é ser governado por meia dúzia de famílias, então não sei o que tal expressão significa. Talvez sermos governados por extraordinárias coincidências democráticas.”, Os Disparates do Mundo, 1910.
O desafio que deixamos para o nosso tempo refere-se aos Estados Unidos, o centro imperial do ocidente. Na presidência, na direcção dos serviços de investigação e dos serviços secretos, das grandes corporações, os nomes Bush, Dulles, Hoover, Helms, Aldrich, Rockefeller, Warburg, Kuhn, Loeb, Schiff. É surpreendente como o poder político se tem norteado pelo nepotismo neste grande país.

John Kennedy representou uma luz que se abriu na América. Relacionou-se com a maior parte desses nomes. Forçou a demissão de Allen Dulles, o mentor do resgate de nazis para a CIA, a operação Paperclip: “Vou agarrar a CIA, parti-la em pedaços e espalhá-la pelo ar!”- JFK um mês antes da sua morte. A sua eliminação física foi uma luz que se apagou. O seu irmão, Robert, perguntou no dia a seguir à sua morte ao director da CIA: “Foi a CIA quem matou o meu irmão?”. Allen Dulles foi nomeado para a comissão Warren, apesar de odiar Kennedy. O seu subdirector na CIA, irmão do mayor de Dallas, também foi nomeado para a comissão de investigação da morte de Kennedy. O assassinato de Kennedy permanece um dos maiores segredos dos Estados Unidos da América. Ficamos surpreendidos por, num país com 400 milhões de almas e várias universidades de topo, também observarmos estas coincidências democráticas.

Mas seria Chesterton apologista da anarquia? "Sem autoridade não existe liberdade. A liberdade encontra-se condenada à extinção, a menos que exista um direito reconhecido à liberdade. E, se admitimos que existem direitos, tem que existir uma autoridade que os possa garantir." G.K.’s Weekly, 1928.
E sem dúvida que era um patriota: "Não só o patriotismo é parte da política prática como é mais prático do que qualquer política", Chesterton em Irish Impressions. "O patriotismo que desaprovo é o imperialismo de Kipling, a força do mais forte, a certeza a priori da vitória. Mas defendo a velha ideia liberal de nacionalismo contra a nova ideia de internacionalismo; e a justeza da guerra defensiva (…) HG Wells aprova o tipo de guerra que eu desaprovo em absoluto: a que ameaça os pequenos estados para lhes poder extorquir o ouro. E ele desaprova a única espécie de guerra que eu prezo: a guerra da cultura e da religião em demanda do destino moral da humanidade. Defendi a velha ideia liberal de patriotismo contra a velha ideia socialista de internacionalismo”, Autobiografia, 1936.
Embora tivesse a lucidez de criticar o seu próprio país em The Crimes of England, 1916: “…as piores influências na Inglaterra vieram do Império Alemão. Pior, tinham sido emprestadas pela Alemanha. Era da política pró-alemã o apoio ao herói protestante na Prússia ou aos Príncipes Protestantes de Hannover, que nos tinham envolvido na questão com a Irlanda ou coisas ainda piores. Todo o nosso imperialismo recente tinha sido o elogio da Prússia, à maneira de um modelo e de uma desculpa”.

Não admira pois que a aristocracia inglesa tivesse, como afirmou Belloc, ignorado Chesterton. O prémio Nobel da literatura para o qual estava nomeado em 1935, foi cancelado.
"Oh Deus da terra e do altar,
Inclina-te e ouve o nosso clamor.
Os nossos governantes vacilam,
O nosso povo à deriva, morre.
As paredes do dinheiro sepultam-nos
As espadas do escárnio dividem,
Não afasteis de nós o vosso relâmpago,
Mas levai o nosso orgulho.”
O God of Earth and Altar, 1906





António Campos do sono e da condenação,
livrai-nos, bom Senhor!

Amarre uma corda em vida
ao príncipe, ao sacerdote e ao escravo,
que ligue as nossas vidas,
que nos fira e salve a todos;
em ira e exultação
em chamas, com fé, livres
para erguer uma nação viva,
uma espada única para Ti."

Chesterton, Oh God of Earth and Altar, 1906

Sem comentários:

Enviar um comentário