Tem havido muita confusão na
modernidade sobre o que é ter um pensamento retrógrado.
E no entanto, o homem retrógrado
é muito poderoso hoje em dia. Se não é omnipotente, é pelo menos omnipresente. Praticamente
é autor de todos os artigos sobre moral, sobre reforma social, sobre ciência,
sobre eugenia e planeamento familiar.
O pensamento retrógrado não é fácil de
definir em abstrato. Provavelmente, a melhor maneira é pegar num determinado
objecto, tão simples quanto possível, para ilustrar os dois modos de pensar: o
modo certo, no qual todas as coisas se radicam e que se dirige delas para a
frente, e o modo errado, que corrói todas as discussões modernas.
O homem é o único animal nu. E, esta
qualidade, se foi outrora a sua glória, é agora a sua vergonha. Ele tem que
sair de si para procurar no exterior tudo aquilo de que necessita. Pode mesmo
ser considerado uma pessoa distraída que foi tomar banho e se esqueceu da sua
roupa. Pendurou o seu chapéu no castor e o seu casaco na ovelha. O coelho tem
um conforto branco como colete e o pirilampo tem uma lanterna como cabeça. Mas
o homem não possui nenhum calor no seu pêlo e a luz do seu corpo é a escuridão.
Ele precisa de buscar o calor e a luz neste universo frio e selvagem em que foi
colocado.
E isto aplica-se tanto ao seu corpo,
como à sua alma; ele é uma criatura que perdeu tanto o coração como o pêlo. Num
sentido espiritual ele enlouqueceu e num sentido mesmo literal, ele é incapaz
de conservar o seu cabelo. E tal como essa sua necessidade externa lhe acendeu
num cérebro às escuras uma estrela poderosa chamada religião, também lhe
acendeu na mão o único símbolo adequado dela mesma: refiro-me à rosa vermelha
chamada fogo.
O fogo, o mais mágico e surpreendente
de todos os materiais, é coisa apenas conhecida do homem e a expressão do seu
sublime externalismo. Relaciona-se com tudo o que é humano no seu coração e com
tudo o que é divino no altar. A sua presença é vida; o seu toque é morte.
Portanto, é sempre necessário existir um intermediário entre nós e essa entidade
terrível; ter um padre que interceda por nós perante o deus da vida e da morte;
enviar um embaixador ao fogo. Esse padre é o atiçador.
Nesse serviço estóico e dedicado, ele é
torcido e amolgado, o que é sinal da sua utilidade, como um qualquer soldado
que tenha estado sob fogo. Quem pensa de forma correta conclui que existe uma
hierarquia na relação: o atiçador para o fogo, o fogo para o homem, o homem
para a glória de Deus. Este é o pensamento para a frente.
Agora analisemos o que é o pensamento
retrógrado: Um intelectual moderno chega e observa o atiçador. Ele é um
positivista, despreza os dogmas sobre a natureza do homem, ou confabulações
sobre o mistério do fogo. Ele aceita só o que ele consegue ver: o atiçador. E a
primeira coisa que ele consegue ver no atiçador é que ele está estragado.
Ele declara, alto e bom som, como são
estúpidas as pessoas, que colocam o atiçador no lume e pela combustão química e
pelo calor, o danificam e deformam. “Abolamos o fogo”, diz, “e teremos
atiçadores perfeitamente direitos. De que nos serve o fogo afinal?”
Explicam-lhe que uma criatura chamada Homem necessita do fogo porque não tem pêlo
nem penas. Lança um olhar esquecido para as brasas, por segundos, e depois
meneia a cabeça: “Duvido que tal animal seja digno de sobreviver”, afirma. “Ele
deve encetar uma luta pela sobrevivência do mais forte, contra as outras
espécies protegidas pela roupa e pelas armaduras naturais, contra os que têm
asas e ferrões, cornos e cabelo desgrenhado. “Se o homem não consegue viver sem
esses apetrechos, então que o homem seja abolido.” Neste ponto, a multidão
resolve adoptar a regra e abole o Homem. Ou, pelo menos, um deles.
Questionemo-nos sobre o que realmente
queremos da vida e não o que as leis recentes nos indicam que devemos querer,
ou o que as filosofias sociais recentes vaticinam que nós um dia quereremos. O
verdadeiro estadista não se encaixa nas condições existentes, ele denuncia as
condições como não satisfatórias. A História é como uma grande árvore, que
embora com um grande perímetro, se afasta para cima em pequenos ramos. E nós
encontramo-nos nos ramos mais altos. Cada um de nós pretende dobrar a árvore
pelo nosso ramo: mudar a Inglaterra por meio de uma colónia, capturar o Estado
por meio de um pequeno departamento, ou destruir todas as eleições por meio de
um voto. No meio de tanto desnorte, sensato é aquele que resiste à tentação da
vitória fácil ou da rendição, e é feliz (num eco do poeta romano1) aquele
que não esquece a raiz de todas as coisas.
G. K. Chesterton, Thinking Backwards, da colectânea A
Micellany of Men.
Tradução: António Campos
1 Uma
referência às Geórgicas de Virgílio: “Feliz o homem que é capaz de aprender a
causa de todas as coisas.”
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