Apontar o dedo a conservadores,
liberais e socialistas, como Chesterton fez, remete para
uma espécie de quixotismo. Viver não no mundo real, mas numa confabulação. No entanto, se há algo que devemos ao estudo da mentalidade política de Gilbert Keith Chesterton, é o constatar de que vivemos num mundo pagão e de que a política moderna tem raiz iluminista, i.e., a moral que usa basta-se a si própria; é uma moral formal.
uma espécie de quixotismo. Viver não no mundo real, mas numa confabulação. No entanto, se há algo que devemos ao estudo da mentalidade política de Gilbert Keith Chesterton, é o constatar de que vivemos num mundo pagão e de que a política moderna tem raiz iluminista, i.e., a moral que usa basta-se a si própria; é uma moral formal.
Esta nova moral combina a
primazia da acumulação material sobre a partilha, ou seja, o triunfo do
calvinismo, e da teoria da predestinação, sobre Roma. Combina a primazia da liberdade
de conduta individual sobre qualquer ordenamento moral. É uma moral utilitarista. O socialismo resulta dialecticamente
das abomináveis ideias de Adam Smith e de David Ricardo: os pobres apenas têm o
direito de beneficiar das migalhas que caem da mesa dos ricos; os pobres devem
ser limitados quanto ao número de filhos, por forma a poderem dedicar mais
tempo à produção.
Uma vez que vivemos num padrão
iluminista, como voltar a uma sociedade fundada em valores cristãos? A resposta
dada por Chesterton, vendo bem, coaduna com a ação de Cristo: ser um
reaccionário vermelho, viver a revolução eterna!
Chesterton explica muito bem estes
conceitos no artigo Red Reactionary
de A Miscellany of Men e nos
capítulos A Revolução Eterna de Ortodoxia e O Vento e as Árvores de Tremendas
Trivialidades.
Na verdade, viver a interrogação de
Kirkegaard: Como ser um cristão na cristandade? Ou a
sua reformulação mais tardia por Chesterton: como ser cristão numa sociedade
pós-cristã, convencida que progrediu além de Cristo, sem tomar consciência de
que, na realidade, retornou ao paganismo? A palavra
revolução poderá ferir muitas mentes “sensíveis”, mas o que foi a vinda de Jesus Cristo
senão uma revolução? Uma revolução na História, das nações, da arte, do
direito, da alma humana? O que foi a vida de São Tomás que esteve preso pelo
pai ou de São Francisco de Assis que se colocou nu no tribunal à frente do seu
pai? O que pensaríamos nós de um menino bem que se colocasse nu, em frente de
todos e do seu pai da alta sociedade, num tribunal de Lisboa ou de São Paulo?
Para Chesterton, face ao abandono do
evangelho, a resposta é a revolução eterna. A crítica de Chesterton colhe: uma
sociedade que considera o progresso como a virtude central não pode de deixar
de olhar a cristandade como algo fixo, velho. Chesterton chama a atenção de que
progresso necessita sempre de referenciais fixos, de um padrão moral. Tal como
a ciência progride numa metodologia fixa, assim deve ser o progresso social.
Tudo o que se move necessita ter um referencial fixo, pois ele move-se em
relação a. A mutabilidade supõe a perenidade. “Tudo o que tem uma época já está
condenado.”
Os progressistas e os revivalistas cometem
o mesmo erro: ambos vêem Jesus como algo do passado. Uns querem libertar-se do
passado, outros querem a ele retornar. Nenhum vê esta “religião do passado”
como apontando para o futuro, como apontando o futuro. Os conservadores querem
uma Igreja cujo ordenamento moral esteja ao serviço do Estado. Mas esta
religião mansa é uma mundanidade. A religião de Cristo vem lançar fogo sobre a
terra, separar pai de filho, trazer a espada. Nem a idolatria do progresso nem
a adulação do passado estão ao serviço do homem, porque não são atitudes “fora
do homem”, mas imanentes, “com ponto de partida no homem”.
Nós estamos mais próximos do capitalismo do que do socialismo. Não
apenas porque o socialismo é um acidente posterior e uma negação dialética do
liberalismo, mas também porque o socialismo inclui duas ideias orientais e anti-cristãs:
-
o pessimismo: a ideia de que o indivíduo deve ser controlado pelo Estado,
porque tem em si a raiz do mal,
-
a colmeia: a dissolução da individualidade e da liberdade em favor da
abelha-mestra do partido, do Estado ou do "Tudo", esse Grande Arquitecto gnóstico, o "Geist" de Hegel.
Ambas
entraram pela porta de Bradenburgo, ambas com origem oriental; uma deísta, a
outra messianista. O modo como os movimentos socialistas se solidarizam entre si, mostra bem a sua
natureza de colmeia. Nestes movimentos auto-justificativos, porque de índole
messiânica, a liberdade individual e a propriedade cessaram e, desse
modo, a natureza humana é aviltada, negada. Em nome da igualdade, o homem é um
escravo.
O
capitalismo é o optimismo: exagera a liberdade individual, não lhe colocando
limites, deste modo não garantindo o mesmo grau de liberdade para todos os
homens. Supõe que tudo vai correr bem, entregue ao arbítrio dos poderosos. A
afirmação de que todos os homens têm igualdade perante a lei é uma figura de
retórica. Quem pode pagar os melhores jogadores tem melhores probabilidades de
ganhar o jogo. Desse modo, inevitavelmente os homens são considerados pelo “ter”
e não pelo “ser”, a fraternidade humana é apenas retórica. Como bem explica Max
Weber, é um produto do calvinismo.
Cristo
sempre afirmou a individualidade de cada ser humano (“até os cabelos da vossa
cabeça estão contados”), o livre arbítrio (“acautelai-vos do caminho largo”), a
escolha aliada à existência transcendente (“o que pode dar o homem em troca da
sua alma?”). O cristianismo assenta em cada indivíduo, não é um sistema, não é
uma colmeia. Implica separação entre cada criatura e o Criador, diferença e
amor.
O
mundo não quer a revolução eterna. O revolucionário mundano torna-se um
conservador logo que chega ao poder. Por vezes um ladrão. O mundo quer sempre
um progresso utilitarista. A revolução eterna liga-se ao reaccionário vermelho
na medida em que ele é reaccionário porque sabe que não pode mudar o passado de
onde veio, sem o falsificar, como fizeram os marxistas, mas pode construir o
futuro, caminhando. E o futuro constrói-se pela revolução interior e pelo
exemplo. Uma revolução que é contínua e permanente, porque continuamente
combate o risco de decair. O risco de afastamento do Evangelho é pessoal e
social, individual e colectivo.
Esta
revolução “interior” não desce às profundezas do “eu”; ela sobe e
voa, modifica a ação no sentido do abandono do “eu” e do encontro com “o
outro”. Se a fé não transformar a pessoa humana neste sentido «externalista»,
ela é apenas formal, vazia, porque desprovida de obras. Pelo contrário, pela
“revolução interior”, a fé, o homem deve poder observar coisas perenes: a
beleza, a virtude, a verdade. A tradição não é uma volta para o passado, é a
contemplação de coisas perenes, como a realidade de Deus. A tradição não um fim
em si mesma, é um despertar, um sacudir, para acordarmos para a realidade de
Deus que “renova todas as coisas”, um guerreiro de uma guerra de seis dias. A
tradição não é um conservante, é um fermento. Só em Cristo se unem a tradição e
o progresso, a estabilidade e a criatividade.
A
revolução cristã – a manifestação social e cultural do reino - não pode ocorrer
sem a tradição cristã histórica. Mas a tradição de nada vale se não ambicionar
essa revolução: a revolução do sermão da montanha que nos liberta do egoísmo e
do pecado. É natural que o mundo não ambicione esta revolução; não é tão
natural que não seja nova. E é aqui que entra a renovação, é aqui que agem os
santos.
A
renovação ou revolução é um fogo que nos consome, um fogo que consome a terra.
Um revolucionário ao serviço de uma vontade superior, um revolucionário que ora
para a chegada do Reino. A revolução eterna pela qual oramos, pela qual lutamos
é, mais que tudo uma revolução interior. Se eu modificar o meu coração existirá
menos mal neste mundo.
O
Papa tem repetidamente afirmado que a raiz do problema reside em recusar
afirmar Deus como o Criador. Desse modo, somos meras peças de uma engrenagem
tecnológica e usamos o mundo para que ele satisfaça os nossos desejos.
Toleramos a ideia de que existem seres humanos de segunda categoria e achamos
natural que o ser humano possa ser sujeito a um domínio humano arbitrário.
Debaixo
de um alto ideal de liberdade, igualdade, fraternidade, de um alto nível de
vida, constituímos uma sociedade voraz, ambiciosa e não sustentável. Vivemos no
paradigma de Newton, Locke, Rousseau, Ricardo, Kant, Marx, Freud, Einstein, Keynes,
e muitos outros arquitectos da moderna cultura ocidental. Todos eles omitem a beleza da criação e a sua diferença permanente. Todos eles subentendem
a negação da alma humana e de Deus.
“A
verdade sobre o gótico é, primeiro, que está vivo, e, segundo, que está em
marcha. É a Igreja militante; é a única arquitectura lutadora. Todos os seus
pináculos e as suas lanças estão em repouso; todas as suas pedras são pedras
adormecidas numa catapulta. Nesse instante de ilusão, eu pude ouvir as abóbadas
entrechocando-se como espadas à medida que se encontram. As numerosas colunas
imponentes parecem desfilar como gigantescas patas de elefante. A folhagem
esculpida como revestimento ondulava como estandartes prontos para a batalha; o
silêncio ensurdecia com todos aqueles sons complexos de um movimento de uma
coluna militar; o grande sino oscilou para baixo à medida que o órgão elevava a
sua ressonância. As gárgulas de gargantas sedentas gritaram como trompetes de
todos os telhados e pináculos à medida que passava a coluna; e do atril no
centro da catedral, a águia do terrível evangelista bateu as suas sonoras asas
de bronze.
E,
no meio de todos aqueles ruídos pareceu-me ouvir a voz de um homem gritando, no
meio dos regimentos, para cá e para lá, ordenando-os para a batalha; a voz do
grande mestre meio-militar meio-construtor; o arquitecto das lanças. Quase
poderia dizer que usava armadura quando fez aquela igreja; e eu sabia que na
realidade, sob uma figura bíblica, ele tinha usado, em cada uma das mãos, a
espátula e a espada.”
António
Campos
Sem comentários:
Enviar um comentário