"St.
Francis Xavier", 1892
Este poema
sobre São Francisco Xavier foi escrito por Chesterton apenas com 18 anos e
ganhou um prémio literário na St. Paul’s School, onde também tinha estudado
John Milton (é curiosa esta conexão S. Paulo - S. Francisco Xavier -Chesterton).
Apesar de
agnóstico e decididamente não católico, Chesterton mostra-se fascinado pela
tenacidade de um homem que dedica a sua vida à conversão de almas numa terra
distante, com o seu misticismo próprio e história milenar, onde viria a morrer.
O seu gosto
pelo paradoxo já se encontra evidente ao afirmar que São Francisco Xavier
falhou na sua tarefa de construir uma igreja no Oriente, mas ao admitir, em
contrapartida, que só Deus sabe quando e quanto do fracasso se pode transformar
em vitória. Nada mau para um agnóstico…Chesterton não podia adivinhar o que se
passaria com Max Kolbe e a cidade da Immaculata nos arredores da Nagasaki, na
liberdade religiosa proclamada no Japão após os trágicos acontecimentos de 1945
e, mais recentemente, na obra de Madre Teresa de Calcutá.
Voltemos a
São Francisco Xavier de quem gosto particularmente, sobretudo desde que li “A
Rosa do Oriente” de Manuel Arouca:
Navarro,
estudou em Paris, no Colégio Português de Santa Bárbara, para professor de filosofia. Apesar de graves
desentendimentos inicias com Inácio de Loyola, acabou por se tornar seu amigo e
com ele fundou a Companhia de Jesus. Foi Inácio quem lhe conseguiu a maioria
das autorizações papais para desenvolver a sua actividade no Oriente.
Colocou-se ao
serviço de Portugal e por vontade de D. João III deveria ficar a dirigir os
altos estudos em Lisboa. Francisco recusou e decidiu ir para a Índia, onde, por
suas próprias palavras poderia ser mais útil. Foi o missionário que mais almas
converteu depois de São Paulo.
São Francisco Xavier chegou a
Kagoshima, ilha de Kyushu, Japão, a 15 de Agosto de 1549, a festa da Assunção
da SS Virgem Maria. Maximiliano Kolbe, chegou ao Japão a 24 de Abril de 1929, e
construiu a cidade da Imaculada perto de Nagasaki, numa zona baixa, pelo que
foi criticado. Em 9 de Agosto de 1945, às 11:02h, os americanos largaram a sua
segunda bomba atómica, sobre Nagasaki, praticamente em cima da catedral católica
do bairro de Urakami. A catedral de Nossa Senhora da Assunção de Urakami foi
atingida à hora em que os católicos se dirigiam para a missa. Atingiu 3870ºC e
ardeu até à meia-noite. Restou um fragmento de uma das paredes e o busto em madeira da Virgem Maria que se salvou miraculosamente e que é hoje conhecida como a “Bombed Maria”. Ya G Alone, Yahweh God Alone, é o anagrama de Enola Gay, lido ao contrário como em hebraico. Essa foi a simbologia escolhida por Harry Truman, maçon 33, para castigar o Japão, usando as palavras de Elias.
Em 15 de Agosto de 1945, precisamente a festa da Assunção, o Japão assinou o decreto de rendição e promulgou o decreto que concedeu a liberdade religiosa no Japão. Estou certo que São Francisco Xavier andaria por ali e que Chesterton tinha intuído bem: para Deus os fracassos podem converter-se em vitórias. Nagasaki terá sido o cordeiro sem mácula. O sangue dos 8000 católicos mortos não foi em vão.
tradução de António Campos e Anália
Carmo
Deixou o seu pó, 1 calcado por muitos
De densas partículas ao longo da costa, 2
Ou por baixo de alguma cruz esquecida, a sua cabeça repousa
Onde mares escuros clarearam numa terra remota:
Deixou-nos o seu trabalho, o sentido da sua vida.
Uma chama ténue, tremelica e apaga,
Entre grandes mitos a obra pouco persiste,
E a luz apaga-se, no templo e no salão,
E o velho crepúsculo sobrevém e tudo cobre.
Deixou o seu nome, um rumor no Oriente,
Que morre em silêncio entre credos antigos,
Contra os quais lutou em vão: o sacerdote inflamado
De uma fé menos ajustada a necessidades rudes:
Como peregrino solitário, com seus discípulos e contas, 3
Entre homens brutos a quem a ignorância amansa, 4
Ele habitou, e deixou sementes de uma Igreja Oriental
Ele reinou, um professor e padre
afamado:Deixou o seu pó, 1 calcado por muitos
De densas partículas ao longo da costa, 2
Ou por baixo de alguma cruz esquecida, a sua cabeça repousa
Onde mares escuros clarearam numa terra remota:
Deixou-nos o seu trabalho, o sentido da sua vida.
Uma chama ténue, tremelica e apaga,
Entre grandes mitos a obra pouco persiste,
E a luz apaga-se, no templo e no salão,
E o velho crepúsculo sobrevém e tudo cobre.
Deixou o seu nome, um rumor no Oriente,
Que morre em silêncio entre credos antigos,
Contra os quais lutou em vão: o sacerdote inflamado
De uma fé menos ajustada a necessidades rudes:
Como peregrino solitário, com seus discípulos e contas, 3
Entre homens brutos a quem a ignorância amansa, 4
Ele habitou, e deixou sementes de uma Igreja Oriental
Ele morreu e ao morrer deixou um legado e um nome. 5
Ele
morreu, e ela, a
Igreja que o incitou a ir, 6
Que lhe lançou um encanto sombrio com o seu apelo místico, 7
Rodeou a sua cabeça com a auréola dourada, 8
E do monge mitos, e toda a fama murmurada
De milagre, foi associada ao seu nome:
Assim o disse Roma: mas nós, o que respondemos nós?
Nós que cremos em cruéis deuses indianos e ritos de vergonha
E vemos sobre todo o Oriente o fracasso do professor,
A sua Igreja Oriental como sonho, o seu trabalho como vaidade. 9
Eis o que dizemos: a face sombria do Tempo por fim
Move os lábios de trovão para decretar
Que a desgraça que cresceu entre o murmúrio do passado 10
Seja a norma do tempo atual:
Ele não é criança da verdade nem sacerdote do progresso,
E no entanto, um herói das suas guerras
Lutando por saciar a luz que não podia ver,
E Deus, que conhece tudo da criação e da guerra,
Julga a sua alma invisível que pulsa entre as estrelas.
Só Deus sabe, se o homem falha na sua escolha,
Até onde o aparente fracasso pode ser sucesso,
Só Deus sabe que eco da Sua voz
Mora no declive de um falso credo,
Deus dá ao trabalhador o seu salário
Pela contínua difusão da sua obra,
Dividida para muitos na palavra e no exemplo
Quando os véus da memória toldam a razão;
Tudo vive e persiste no espírito dos mortos.
Que lhe lançou um encanto sombrio com o seu apelo místico, 7
Rodeou a sua cabeça com a auréola dourada, 8
E do monge mitos, e toda a fama murmurada
De milagre, foi associada ao seu nome:
Assim o disse Roma: mas nós, o que respondemos nós?
Nós que cremos em cruéis deuses indianos e ritos de vergonha
E vemos sobre todo o Oriente o fracasso do professor,
A sua Igreja Oriental como sonho, o seu trabalho como vaidade. 9
Eis o que dizemos: a face sombria do Tempo por fim
Move os lábios de trovão para decretar
Que a desgraça que cresceu entre o murmúrio do passado 10
Seja a norma do tempo atual:
Ele não é criança da verdade nem sacerdote do progresso,
E no entanto, um herói das suas guerras
Lutando por saciar a luz que não podia ver,
E Deus, que conhece tudo da criação e da guerra,
Julga a sua alma invisível que pulsa entre as estrelas.
Só Deus sabe, se o homem falha na sua escolha,
Até onde o aparente fracasso pode ser sucesso,
Só Deus sabe que eco da Sua voz
Mora no declive de um falso credo,
Deus dá ao trabalhador o seu salário
Pela contínua difusão da sua obra,
Dividida para muitos na palavra e no exemplo
Quando os véus da memória toldam a razão;
Tudo vive e persiste no espírito dos mortos.
Por fim dizemos:
que todas as coisas fiquem como estão
E esta vida admirável, com muitos milhares de outras,
Se reúnam em cima no seio do Eterno
O seu Amor pende sobre esse passado ténue:
Curando fracassos e esperanças frustradas:
E esta vida admirável, com muitos milhares de outras,
Se reúnam em cima no seio do Eterno
O seu Amor pende sobre esse passado ténue:
Curando fracassos e esperanças frustradas:
Ele que com coragem contemplou a morte e a dor
Pelo que escolheu para venerar e adorar,
Com audácia jogou a sua vida (para perda ou ganho). 11
Pelo que escolheu para venerar e adorar,
Com audácia jogou a sua vida (para perda ou ganho). 11
Na lotaria eterna: não em vão.12
He left his dust, by all the myriad tread
Of yon dense millions trampled to the strand,
Or 'neath some cross forgotten lays his head
Where dark seas whiten on a lonely land:
He left his work, what all his life had planned,
A waning flame to flicker and to fall,
Mid the huge myths his toil could scarce
withstand, Of yon dense millions trampled to the strand,
Or 'neath some cross forgotten lays his head
Where dark seas whiten on a lonely land:
He left his work, what all his life had planned,
A waning flame to flicker and to fall,
And the light died in temple and in hall,
And the old twilight sank and settled over all.
He left his
name, a murmur in the East,
That dies to silence amid older creeds,
With which he strove in vain: the fiery priest
Of faiths less fitted to their ruder needs:
As some lone pilgrim, with his staff and beads,
Mid forest-brutes whom ignorance makes tame,
He dwelt, and sowed an Eastern Church's seeds
He reigned, a teacher and a priest of fame:
He died and dying left a murmur and a name.
That dies to silence amid older creeds,
With which he strove in vain: the fiery priest
Of faiths less fitted to their ruder needs:
As some lone pilgrim, with his staff and beads,
Mid forest-brutes whom ignorance makes tame,
He dwelt, and sowed an Eastern Church's seeds
He reigned, a teacher and a priest of fame:
He died and dying left a murmur and a name.
He died: and
she, the Church that bade him go,
Yon dim Enchantress with her mystic claim,
Has ringed his forehead with her aureole-glow,
And monkish myths, and all the whispered fame
Of miracle, has clung about his name:
So Rome has said: but we, what answer we
Who in grim Indian gods and rites of shame
O'er all the East the teacher's failure see,
His Eastern Church a dream, his toil a vanity.
This then we
say: as Time's dark face at last Yon dim Enchantress with her mystic claim,
Has ringed his forehead with her aureole-glow,
And monkish myths, and all the whispered fame
Of miracle, has clung about his name:
So Rome has said: but we, what answer we
Who in grim Indian gods and rites of shame
O'er all the East the teacher's failure see,
His Eastern Church a dream, his toil a vanity.
Moveth its lips of thunder to decree
The doom that grew through all the murmuring past
To be the canon of the times to be:
No child of truth or priest of progress he,
Yet not the less a hero of his wars
Striving to quench the light he could not see,
And God, who knoweth all that makes and mars,
Judges his soul unseen which throbs among the stars.
God only knows, man failing in his choice,
How far apparent failure may succeed,
God only knows what echo of His voice
Lives in the cant of many a fallen creed,
God only gives the labourer his meed
For all the lingering influence widely spread,
Broad branching into many a word and deed
When dim oblivion veils the fountain-head;
So lives and lingers on the spirit of the dead.
This then we
say: let all things further rest
And this brave life, with many thousands more,
Be gathered up in the eternal's breast
In that dim past his Love is bending o'er:
Healing all shattered hopes and failure sore:
Since he had bravely looked on death and pain
For what he chose to worship and adore,
Cast boldly down his life for loss or gain
In the eternal lottery: not to be in vain.
And this brave life, with many thousands more,
Be gathered up in the eternal's breast
In that dim past his Love is bending o'er:
Healing all shattered hopes and failure sore:
Since he had bravely looked on death and pain
For what he chose to worship and adore,
Cast boldly down his life for loss or gain
In the eternal lottery: not to be in vain.
1
Na verdade o corpo de São Francisco Xavier encontra-se na Sé de Velha Goa, Índia,
incorruptível. Mas o Santo morreu antes de atingir Cantão, China, no porto de
Sanchoão a 3 de Dezembro de 1552. Os seus discípulos sepultaram-no numa campa
aberta. Em Fevereiro de 1553 chega a nau da marinha de guerra portuguesa,
curiosamente denominada Santa Cruz, para resgatar o corpo do Santo. Apesar das
chuvas e do tempo decorrido, o corpo encontrava-se incorruptível e exalava um
perfume a rosas. O imperador chinês Che Tsong, taoista e avesso ao budismo, ao
saber do ocorrido por um grande mercador chinês que ia a bordo do Santa Cruz,
autorizou, mais tarde, a entrada dos jesuítas na China.
2
Esta passagem inclui palavras de inglês arcaico como “yon” mas o sentido que
apreendemos foi o de os vestígios de um Santo que repousa algures, numa terra
longínqua, num local esquecido pelos da sua família de origem, os ocidentais.
3
Tradução esferas, neste sentido contas do rosário.
4
Chesterton parece sugerir que a manutenção do sistema de castas sem contestação
assenta na ignorância.
5
Padroeiro dos missionários. Responsável por mais conversões à Igreja Católica
desde S. Paulo, em cuja igreja em Malaca esteve primeiro antes de ser
transladado para a Basílica do Bom Jesus de Goa, onde hoje se encontra, pelo
seu amigo e admirador, o almirante Diogo Pereira, em 11 de Dezembro de 1553.
6
Na verdade D. João III queria que Francisco fosse professor de altos estudos em
Lisboa. Foi por vontade própria, segundo ele seguindo o apelo de Deus, que
Francisco insistiu com o rei para ir para a Índia.
7
Chesterton aos 18 anos não era católico. Esta referência a “encantamento ou feitiço
sombrio”, pode expressar o ponto de vista de um anglicano que considera os
católicos hereges, de um agnóstico, ou simplesmente para agradar às autoridades
da escola
8
Foi canonizado pelo Papa
Gregório XV, a 12 de Março de 1622, em simultâneo com Inácio de
Loyola com o qual é co-fundador da Companhia de Jesus. É o santo patrono dos
missionários. O seu dia festivo é 3 de Dezembro. Cada dez anos o seu corpo sai
em procissão; a próxima será em 2014.
9
Madre Teresa de Calcutá, muito posterior a Chesterton, demonstra que a porta de
São Francisco Xavier se encontra aberta. Tal como os acontecimentos acima
descritos em 1945 em Nagasaki.
10
Para Chesterton a sociedade contemporânea ignora ostensivamente o seu
legado e a sua tradição.
11
Também se pode traduzir como humilhou-se corajosamente, mas pensámos manter o
sentido de jogo.
12
Dificilmente se poderá afirmar que Francisco Xavier viveu em vão. Foi um
apóstolo responsável por mais de 100 000 batismos, só com as suas próprias mãos.
Os seus assistentes tinham que segurar-lhe os braços enquanto batizava, ao
longo do dia, para que não pendessem pelo cansaço. Ouçamo-lo num excerto de uma
das suas cartas a Santo Inácio de Loyola: “Muita,
muita gente por aqui não se torna cristã por uma única razão: não há quem os
evangelize. Já me ocorreu correr pelas universidades da Europa, especialmente
Paris, e gritar por toda a parte como um alucinado, chamando a atenção daqueles
que têm mais saber que caridade: Que tragédia! Quantas almas se perdem graças a
vós!”
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