domingo, 10 de fevereiro de 2013

Gustavo Corção e G. K. Chesterton


     Foi graças a Chesterton que Gustavo Corção (1896-1978) regressou à fé que recebera no baptismo e de que andava arredado há alguns anos. Ele próprio nos explica como tal sucedeu num capítulo da obra que lhe deu imediata projecção como admirável escritor da língua portuguesa e grande intelectual católico. Intelectual católico que marcou, com a sua forte personalidade e extraordinária coragem, a cultura brasileira do século passado. É em A Descoberta do Outro, livro que rapidamente se impôs no meio cultural e na família católica, não só no Brasil mas também entre nós, que Gustavo Corção nos revela a amizade que fez com o escritor inglês e que iria durar para toda a vida.

     Num capítulo intitulado “ Chesterton e Maritain” diz-nos que um amigo católico lhe levou, uma noite, dois livros, um do escritor inglês e outro do filósofo francês. Mas foi o primeiro que, então, mais o impressionou. De tal modo, que neste texto fala muito mais em G. K. Chesterton do que em Jacques Maritain, dizendo, inclusive, que foi pelo primeiro que melhor compreendeu o segundo.

     Ouçamo-lo: Chesterton trouxe-me uma libertação, uma recuperação da infância, encheu-me da confiança que mais tarde, pela misericórdia de Deus, seria vestida de Esperança; Maritain trouxe-me a rectificação da inteligência e encheu-me de outra confiança que se vestiria de Fé. O primeiro, creio eu, foi mais decisivo porque atingiu o nervo mais ferido e sensível, tocando-me no senso lúdico: com ele brinquei as horas mais felizes de meus quarenta anos, quando aparentemente, pela força dos acontecimentos, eu deveria estar acabrunhado de tristeza. Ninguém conhecia meu júbilo, nem suspeitava a felicidade nova que eu escondia com medo e avareza. E muitas vezes entrava pela noite adentro, lendo até não poder mais, e amanhecia abraçado ao livro. Esse livro era a Ortodoxia.

 
     Gustavo Corção nunca mais perdeu esta relação de amizade que então criou com G. K. Chesterton. E foi por isso perfeitamente natural que o segundo livro que publicou – Três alqueires e uma vaca – lhe tenha sido inteiramente dedicado. É, inclusive, até hoje o único escritor de língua portuguesa que escreveu uma obra sobre este escritor inglês.

     Neste livro, redigido com a verve chestertoniana, Corção dá-nos uma panorâmica muito clara e completa do valor que teve, e tem, o conjunto da vasta obra de Chesterton. Serviu igualmente para  melhor abrir a porta brasileira da recepção ao criador da inesquecível figura do Padre Brown. Caminho que continua em boa marcha, como se vê, sobretudo, através da Sociedade Chesterton Brasil, sem falar, naturalmente, na publicação de obras do grande e sempre actual escritor inglês. Três alqueires e uma vaca – o título chama a atenção para a doutrina do distributismo que Chesterton subscreveu – reflecte igualmente uma leitura atenta e frutuosa dos livros e dos vários textos de G. K. Chesterton publicados na imprensa, fazendo Gustavo Corção uma impecável síntese que serve – e continua a servir – de excelente introdução à obra de G. K. Chesterton.

     Mas não é apenas neste livro que Gustavo Corção é fiel ao autor de O Homem Eterno. Em quase todas as suas obras há referências directas a Chesterton, desde  As fronteiras da técnica, a Claro-Escuro e Dez Anos,  passando por O Desconcerto do Mundo, extraordinário estudo camoniano, à sua magnífica história da cultura, em dois volumes, a que deu o nome de Dois Amores, Duas Cidades, sem esquecer A Tempo e Contratempo e a antologia que organizou sobre Progresso e Progressismo. Tudo isto, para além de artigos na imprensa que cumpre salientar: “O progresso e Chesterton” – revista A Ordem, Janeiro de 1940 – e “G.  K. Chesterton”, no centenário do seu nascimento, publicado no jornal O Globo, 6 de Junho de 1974. E chegou mesmo a traduzir-lhe um livro: A Barbárie de Berlim.

     Ficam assim reunidos dois grandes escritores que o tempo não apaga nem esquece.
 
                                              António Leite da Costa

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