Foi graças a Chesterton
que Gustavo Corção (1896-1978) regressou à fé que recebera no baptismo e de
que andava arredado há alguns anos. Ele próprio nos explica como tal sucedeu
num capítulo da obra que lhe deu imediata projecção como admirável escritor da
língua portuguesa e grande intelectual católico. Intelectual católico que
marcou, com a sua forte personalidade e extraordinária coragem, a cultura
brasileira do século passado. É em A Descoberta do Outro, livro que
rapidamente se impôs no meio cultural e na família católica, não só no Brasil
mas também entre nós, que Gustavo Corção nos revela a amizade que fez com o
escritor inglês e que iria durar para toda a vida.
Num capítulo intitulado
“ Chesterton e Maritain” diz-nos que um amigo católico lhe levou, uma noite,
dois livros, um do escritor inglês e outro do filósofo francês. Mas foi o
primeiro que, então, mais o impressionou. De tal modo, que neste texto fala
muito mais em G. K. Chesterton do que em Jacques Maritain, dizendo, inclusive,
que foi pelo primeiro que melhor compreendeu o segundo.
Ouçamo-lo: Chesterton trouxe-me uma libertação, uma
recuperação da infância, encheu-me da confiança que mais tarde, pela
misericórdia de Deus, seria vestida de Esperança; Maritain trouxe-me a
rectificação da inteligência e encheu-me de outra confiança que se vestiria de
Fé. O primeiro, creio eu, foi mais decisivo porque atingiu o nervo mais ferido
e sensível, tocando-me no senso lúdico: com ele brinquei as horas mais felizes
de meus quarenta anos, quando aparentemente, pela força dos acontecimentos, eu
deveria estar acabrunhado de tristeza. Ninguém conhecia meu júbilo, nem
suspeitava a felicidade nova que eu escondia com medo e avareza. E muitas vezes
entrava pela noite adentro, lendo até não poder mais, e amanhecia abraçado ao
livro. Esse livro era a Ortodoxia.
Gustavo Corção nunca
mais perdeu esta relação de amizade que então criou com G. K. Chesterton. E foi
por isso perfeitamente natural que o segundo livro que publicou – Três
alqueires e uma vaca – lhe tenha sido inteiramente dedicado. É, inclusive,
até hoje o único escritor de língua portuguesa que escreveu uma obra sobre este
escritor inglês.
Neste livro, redigido
com a verve chestertoniana, Corção dá-nos uma panorâmica muito clara e completa
do valor que teve, e tem, o conjunto da vasta obra de Chesterton. Serviu
igualmente para melhor abrir a porta
brasileira da recepção ao criador da inesquecível figura do Padre Brown. Caminho
que continua em boa marcha, como se vê, sobretudo, através da Sociedade
Chesterton Brasil, sem falar, naturalmente, na publicação de obras do grande e
sempre actual escritor inglês. Três alqueires e uma vaca – o título
chama a atenção para a doutrina do distributismo que Chesterton subscreveu –
reflecte igualmente uma leitura atenta e frutuosa dos livros e dos vários
textos de G. K. Chesterton publicados na imprensa, fazendo Gustavo Corção uma
impecável síntese que serve – e continua a servir – de excelente introdução à
obra de G. K. Chesterton.
Mas não é apenas neste
livro que Gustavo Corção é fiel ao autor de O Homem Eterno. Em quase
todas as suas obras há referências directas a Chesterton, desde As fronteiras da técnica, a Claro-Escuro
e Dez Anos, passando por O
Desconcerto do Mundo, extraordinário estudo camoniano, à sua magnífica
história da cultura, em dois volumes, a que deu o nome de Dois Amores, Duas
Cidades, sem esquecer A Tempo e Contratempo e a antologia que
organizou sobre Progresso e Progressismo. Tudo isto, para além de artigos
na imprensa que cumpre salientar: “O progresso e Chesterton” – revista A
Ordem, Janeiro de 1940 – e “G. K.
Chesterton”, no centenário do seu nascimento, publicado no jornal O Globo,
6 de Junho de 1974. E chegou mesmo a traduzir-lhe um livro: A Barbárie de
Berlim.
Ficam assim reunidos
dois grandes escritores que o tempo não apaga nem esquece.
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