A tese de que o socialismo é uma religião deverá agora incidir sobre dois aspectos particulares que
caracterizam uma religião – a legitimação e o exercício do poder: o sacerdócio e a realeza. Nenhuma religião deixa de cuidar da realidade deste mundo apesar de apontar a uma outra realidade, metafísica ou utópica. O que caracteriza o socialismo é naturalmente o materialismo, logo a legitimação resultará da construção utópica e o exercício do poder do modo como é organizado e concebido o Estado.
O socialismo é realista no sentido em que há categorias ou agrupamentos (forças de produção material, Estado, humanidade, classe social), embora não sejam universais no sentido platónico (características comuns partilhadas por objectos concretos). Por oposição aos clássicos
universais (homem, verde, cadeira), estas categorias não têm uma ligação clara
à experiência empírica; são construções abstractas. A sede dos universais não
seria metafísica mas sim na mente humana – é um conceptualismo. Este
realismo socialista é hegeliano na convicção de que o mundo tende mecanicamente
para um fim determinado; nós não podemos mudar o mundo, apenas descobri-lo.
Esta visão fornece o determinismo: nós não podemos votar para que π não seja 3,14+; π é o que é.
Maximo Gorki proclamaria o realismo
socialista. Um realismo amputado, no sentido em que nega o ser das coisas, realçando apenas a sua transformação contínua. Nesse sentido, o futuro seria mais real do que o presente. Chesterton afirmaria: “Para se ser um revolucionário é necessário
ser primeiro um revelador. É necessário acreditar na suficiência de uma teoria
sobre o Universo ou sobre o Estado.”22
Estaline afirmaria: “A produção de
almas é mais importante do que a produção de tanques e portanto eu brindo a vós
escritores, os engenheiros da alma humana.”23
O socialismo é nominalista no sentido em que
os universais são construções sociais. Não existem princípios eternos e nós
podemos decidir o que é justo. O mundo é uma construção social e o que cada
indivíduo pensa não tem interesse. Um indivíduo não tem o direito de ter uma
opinião própria, o que interessa é o que a maioria das pessoas pensa. O direito
de pensar diferente depende de uma concessão do poder. Desta conjunção realismo
socialista – nominalismo moral e social, resulta o desprezo pela unicidade
e diversidade, como em Hegel. É um nominalismo amputado, uma vez que não admite a importância do indivíduo particular e nega o conceito de Abelardo de que as palavras exprimem um significado que lhes é anterior e que é universal.
O mundo somos nós, muda dialecticamente,
temos que o organizar racionalmente porque as leis da História são as leis da
nossa razão. O Estado é um todo organizado, racional, que não pode admitir a
liberdade do indivíduo. O livre-arbítrio é um absurdo e o indivíduo
será livre quando tiver consciência do Estado como forma suprema de organização
da racionalidade humana, infalível, porque intérprete do desenrolar da História
– este é o determinismo histórico hegeliano que tanto influenciaria Marx.
Resumidamente, desta Weltanschauung de Hegel resultam as
ideias de Marx:
1- A realidade é um processo histórico.
2 – O modo como esse processo se
desenrola é dialético.
3 – Existe uma meta específica.
4 – Essa meta é uma sociedade sem
conflitos (uma paz universal).
5 – Enquanto não alcançarmos essa meta
estamos num estado de alienação.
6 – O Estado é a forma superior de
organização racional; somos livres quando obedecemos ao Estado assim
organizado. O estadista é o intérprete da História; lê a História.
A principal contribuição de Marx é a
concepção materialista da História: o desenvolvimento não se processa
primariamente na mente, como dizia Hegel, mas sim nas forças de produção
material, que regem o desenvolvimento histórico e condicionam o desenvolvimento
mental. Daí a diabolização do passado: só seremos livres quando nos libertarmos
das estruturas económicas do passado. Só após a mudança dessas forças
económicas (que fazem parte de nós próprios e cuja expressão foi a tradição e a
religião) é que chegaremos à noção de “somos livres”.
Estado
O Estado consiste então em homens
racionais, i.e., libertos da crença em religiões, firmemente convictos de que
existe um caminho fixo na História a percorrer, chamado progresso, rumo a uma
sociedade sem classes, onde cessará o conflito. O Estado detém a autoridade e a
moralidade:
“Lenin disse que a religião é o ópio do povo. Mas é por acreditar em Deus que podemos criticar o Estado. Uma vez abolido Deus, o Estado
torna-se o deus. (...) A verdade é que o ateísmo é o ópio do povo. Sempre que as pessoas não acreditarem em algo para além do mundo, passam a adorar o mundo.”24
O indivíduo torna-se livre quando
aceita o Estado como entidade última e lhe obedece. O Estado em vez de servir o
povo, serve-se do povo. O povo é controlado a partir da modulação da opinião pública pelos meios de comunicação social, pelos intelectuais das universidades, pela propaganda. O acesso a esses centros de opinião só é permitido a "homens racionais livres". Incentivos económicos massivos são fornecidos a indivíduos sem ocupação para manter uma corte de fiéis, um suporte social e político. Tudo isto é alimentado pelo trabalho dos homens do povo, alienando-os de parte do seu rendimento legítimo. Tudo isto se funda numa desigualdade dissimulada e violenta. O poder absoluto
corrompe absolutamente:
“O socialismo é um sistema que tem o
colectivismo como responsável por todos os processos económicos, todos os que
envolvem o essencial à vida. Se algo importante é vendido foi o governo o
responsável; se algo importante for dado, foi o governo que deu; se algo puder
ser tolerado só o governo o poderá dizer. Isto é o exacto reverso da anarquia; é
o entusiasmo extremo pela autoridade. De certo modo é um triunfo da mente; é a
aceitação colectiva de uma responsabilidade não partilhada…Um governo
socialista, por natureza, não tolera nenhuma oposição, porque se é certo que do
governo depende tudo, é absurdo exigir ao governo que crie uma autêntica
oposição.
A oposição depende da liberdade e da
propriedade…O crítico do Estado só pode existir quando um sentido religioso da
justiça salvaguarda as suas ideias, quer se traduzam no uso do arco e da flecha
ou pelo menos, no uso da sua caneta ou da imprensa escrita. É absurdo supor que
ele possa pedir emprestada a caneta do rei para promover o regicídio, como é
absurdo que ele possa usar a imprensa do governo para expor a corrupção no seio
desse mesmo governo. No entanto, é da própria natureza do socialismo, que a
menos que toda a imprensa seja do governo, os jornalistas devam ser
perseguidos. Tudo se reduz à justiça do Estado; é colocar todos os ovos no
mesmo cesto. Muitos deles serão podres, mas ainda assim jamais se poderão usar
num processo eleitoral. ”21
Precisamente porque os sistemas sociais
e políticos, como o socialismo, são baseados em abstracções (raça, classe
social), o intelectual socialista apresenta aquela característica de uma certa
frieza para com o homem comum (a chegada dos operários ao socialismo é tardia;
a dos camponeses improvável). Um intelecto não formatado pela alegria e pelo
senso comum do homem; uma mente que perdeu o contacto com a realidade na busca
da última sabedoria.
“É essa coisa que confunde o intelecto
e silencia o coração.”25
A única realidade que o intelecto
concebe é a uniformidade, não concebe a unidade na diversidade. No cerne da sua
filosofia reside a convicção de que a realidade, por ser um processo em
desenvolvimento, não pode ser apreendida logicamente, mas sim dialeticamente.
Esta filosofia é aceite como um dogma. Para Chesterton, um movimento
revolucionário para ter sucesso deve fundar-se em exaltar os direitos do homem
e não em realçar os seus defeitos, i.e., deve ser positiva para conferir
esperança e não negativa porque origina inveja e medo.
"A razão, isoladamente, encerra em
si alguma analogia com a força bruta; aqueles que apelam à cabeça em vez de
apelarem ao coração, por mais finos e polidos que sejam, são necessariamente
homens de violência. Fala-se de "tocar o coração" de uma pessoa, mas
não se pode fazer nada à cabeça, excepto "bater com ela na parede".
As necessidades do homem foram sempre certas, os seus argumentos foram sempre errados."26
As necessidades do homem foram sempre certas, os seus argumentos foram sempre errados."26
Para o socialista só existem duas
opções para o homem comum: cooperar na construção do socialismo ou ser
eliminado. Não existe possibilidade de reversão à construção utópica, uma vez
que o indivíduo particular não tem qualquer importância e o curso da História se encontra pré-determinado. Como dizia o
socialista George Orwell: “O tempo em que decidimos o que é desejável ainda não
chegou; o nosso dever actual é desejá-lo.”27
A alegria envolve a ideia de liberdade,
simplicidade e humildade. Numa sociedade onde não existe liberdade não existe a
espontaneidade e leveza da alegria.
“Os
inimigos da religião consideram-na a coisa mais sombria do mundo. Mas para as
pessoas religiosas, com igual sinceridade, é o ateísmo a coisa mais deprimente
do mundo. Nas palavras de Shakespeare «encontra-se suspenso do céu envolto em
trevas; e o progresso torna-se um cortejo fúnebre que acaba numa cova aberta».
Uma fria inumanidade é a acusação que os socialistas usam contra a sociedade
burguesa; mas essa é também a acusação mais comum contra o socialismo.”28
“Tendo repugnância por todos os
soldados, por todos os padres, pelos mercadores, reis e príncipes, pelos
legisladores, sentindo irritação pela gente do povo, desdenhando da classe
média, tendo sido sempre ensinados que os camponeses são imobilistas e supersticiosos,
estando aptos a aceitar que os operários não servem como material adequado ao
verdadeiro Estado Científico ou Utopia dos Intelectuais – tendo rejeitado todas
as tradições humanas para cada uma das suas versões do progresso, são deixados
com uma humanidade que apenas pode amar o abstracto mas dificilmente o
concreto.
Não sobra muito de humanidade quando se
eliminam todas as pessoas tidas como obstáculo ao progresso da humanidade. O
esboço que eles traçam de um mundo sem guerra é curiosamente um esboço difícil
e em branco. Eles podem fazer mapas e diagramas sobre como evitar a morte, mas
não conseguem pintar quadros; isto é, quadros de pessoas alegres que desfrutam
a vida.”29
Patriotismo ou Imperialismo
Contrariamente ao patriotismo, que
reconhece o valor de uma nação entre iguais (uma entre pares), o socialismo
encontraria duas respostas que são simultaneamente duas abstracções do
intelecto e dois imperialismos: o socialismo nacionalista em que a comunidade é
uma suposta raça e o socialismo internacionalista em que a comunidade é uma
classe social. Em ambas existe o mesmo sentido do super-homem e em ambas não se
olha a meios. Em ambas existe a mesma crença determinista e em ambas não
existe, por isso mesmo, nenhum impulso para a acção moral. Nenhuma delas tem
uma base científica: Marx nunca definiu classe social e a origem ariana não é
uma raça – a raça seria caucasiana, à qual pertencem igualmente os semitas. Mas
é muito improvável que os judeus assassinados pelos socialistas na Alemanha
fossem todos semitas, a maioria seriam arianos asquenaze. Tal como eram arianos
a maior parte dos milhões de católicos assassinados. Daí o argumento de
Chesterton:
"Há relatos de judeus que são
perseguidos na Europa e na Rússia e, embora não faça muita diferença para
aqueles que são perseguidos, chamou-se-lhe «a perseguição de uma raça» e não a
«perseguição de uma religião».
Ironicamente, não são os antigos sistemas que estão a perseguir os judeus, mas sim os novos sistemas (na Alemanha e na Rússia). Duvido muito que esses sistemas políticos pratiquem mais a perseguição de uma raça do que a perseguição de uma religião. Mas isso não faz deles menos perseguidores; faz mais.
Ironicamente, não são os antigos sistemas que estão a perseguir os judeus, mas sim os novos sistemas (na Alemanha e na Rússia). Duvido muito que esses sistemas políticos pratiquem mais a perseguição de uma raça do que a perseguição de uma religião. Mas isso não faz deles menos perseguidores; faz mais.
O ponto mais importante da última
teoria política é o de que se devem abolir os diferentes programas partidários
e os diferentes partidos; que a imprensa da oposição se deva calar, e que um
único partido seja autorizado…Ora aqui está um problema mais profundo que os
progressistas nunca quiseram focar.
Mas ele mede o exacto sentido em que a
humanidade muda: certas coisas devem desaparecer no séc. XIX para reaparecerem
no séc. XX.”30
Este homem novo tem uma ânsia da Internacional proletária, outra abstracção, odiando as diferentes nações e as
diferentes classes ocupacionais, com as suas diferentes idiossincrasias, pela mesma
razão que odeia a família - o desprezo pelo homem comum e a ânsia pela
uniformidade.
“Os
modernos intelectuais não defendem o patriotismo. É por isso que uma estranha
frieza e falsidade pende sobre eles quando se considera o seu amor pelo homem.
Se se lhes pergunta se amam a humanidade responderão de pronto,
inequivocamente, que sim. Mas se se lhes pergunta uma opinião sobre as classes
que compõem essa mesma humanidade, constatar-se-á de pronto que as odeiam a
todas: Odeiam reis, odeiam padres, odeiam a classe média, não convivem com
soldados, marinheiros e trabalhadores; desconfiam dos homens de ciência e, no
entanto, adoram a humanidade. Estão a deixar de ser humanos, num esforço para
serem humanistas.”31
Uma das marcas do internacionalismo é o expansionismo militar, exactamente pelo mesmo motivo de todos os impérios: a
rapacidade, o desprezo pelas outras nações, o sentido da superioridade e a
indiferença e desconhecimento das realidade concreta de cada povo:
“Ser uma nação significa erguer-se ao
nível dos seus iguais, ao passo que ser um império significa apenas pontapear
os seus inferiores.”32
“Atingimos um tal estado de irrealidade
pavorosa no mundo ocidental em que tudo é feito no papel. Os homens conhecem a
sorte de um país nunca tendo encontrado um nativo; professam simpatia ou
desprezo por pessoas que se os vissem na rua não saberiam dizer se eram polacos
ou portugueses.”33
Esta atitude imperialista é mais um dos
pontos de contacto entre socialismo e capitalismo, sustentando a tese de que o
socialismo é uma criação do capitalismo:
“O meu país produziu sábios que podiam
ter falado com Sócrates e poetas que poderiam ter falado com Dante, mas agora
fala como se nunca tivesse feito algo de mais inteligente do que fundar
colónias e pontapear os nativos.”34
A Realidade dialética: O Progresso
Para um socialista a realidade não é
apreensível logicamente mas sim dialeticamente, uma vez que está em permanente
transformação. É um hegelismo. O progresso é inevitável e é a sede da
única e verdadeira realidade.
“Eu creio que até os socialistas
admitiriam que se a propriedade pudesse ser melhor distribuída e assim
continuar, isso seria melhor solução do que concentrar tudo nesse órgão
coercivo chamado governo. O que o socialista afirma é que fomos demasiado longe
na concentração da propriedade e que não existe volta atrás. Curiosamente
também é isso que afirma o capitalista. Este diz que fomos muito longe no
caminho do monopólio, da produção em massa e no domínio do mundo por um punhado
de milionários de lado nenhum, para que possamos voltar às coisas sãs ou
simples.
Pessoalmente, creio que o capitalista e
o socialista são muito parecidos, sobretudo nessa grande qualidade unificadora
de estarem ambos errados.
O seu maior erro é a sua conclusão
final – é impossível voltar atrás. Eu penso que eles estão errados, mas uma
coisa é certa: se eles estão certos, então tudo está errado. Se não existe
nenhuma esperança de retorno, também não adianta continuar. Quando se chega à
beira do precipício, é o amante da vida que tem a coragem de voltar atrás e só
o pessimista continua a ser progressista.”35
Chesterton acusa os
progressistas que idolatram o progresso mas não o norteiam por uma moral. Um
progresso tecnológico não é necessariamente um progresso moral. O seu
raciocínio foi corroborado pelos acontecimentos de ambas as guerras mundiais,
pela corrida aos armamentos, pela eugenia expressa no racismo, no aborto e na
eutanásia: “Eles falam de eficiência sem definirem que efeito pretendem” ou
“ninguém tem o direito de falar de progresso sem antes falar de uma moral”.36
“Um progressista é sempre um
conservador; ele conserva a direcção do progresso”.37
Curiosamente, para esta orientação do progresso, o
determinismo teria que ser ajudado. É uma fé pouco confiante: os ajudantes consideram-se
agentes desse mesmo determinismo apressando a história; por um lado atacando a religião que é a
base da sua própria civilização e por outro lado instruindo os novos
catequistas. Nas palavras de Marx, “a crítica da religião é uma pré-condição de
todo o criticismo”. Feuerbach tem um vislumbre da fraqueza desta filosofia e da necessidade da acção: “o ensinamento materialista de
que os homens são o produto da circunstância e da educação e de que a alteração
dos seres humanos se deve à alteração das circunstâncias e da educação, não
toma em conta o facto de que as circunstâncias também são alteradas pelos seres
humanos; de que o educador também tem que ser educado.”38
Conclusão
Marx enganou-se na noção de valor e na noção de que o lucro representa a alienação de parte do tempo do trabalhador, omitindo o valor da propriedade, do
investimento, do risco e do próprio trabalho do empresário. Precisamente porque
construiu uma teoria de abolição da propriedade e da liberdade – uma igualdade
no mínimo denominador comum, a miséria e o medo.
"Os socialistas não querem dividir
a propriedade por igual; não querem dividir a propriedade e ponto final."39
Mas Marx enganou-se em outros pontos mais importantes:
1 – Mudadas as regras económicas, a
natureza humana permanece. Quando o homem já não compete pela riqueza ainda compete
pela razão e pelo desejo, como dizia Kant.
2 – Os “proletários de todo o mundo” é
uma abstracção. E uma abstracção não se ergue nem poderia erguer.
“Homens que trabalham odeiam-se ou amam-se, admiram-se ou desprezam-se. Mas irem para a rua e
sentirem-se internacionalmente unidos é uma sensação tão inconcebível para um
trabalhador como para mim. Quando os pobres de um país pensam sobre os pobres
de outro país pensam neles como «de outro país». Um homem não afirma que o
problema proletário é muito grave na Polónia; ele afirma que é lamentável o
modo como os trabalhadores são tratados na Polónia. Ele não afirma a vitória do
proletariado sobre o governo na Prússia; ele afirma, «- aquelas salsichas alemãs
afinal têm fibra!»”40
3 – A condição económica dos assalariados nos países
industrializados não piorou, melhorou.
4 – O pensamento do homem é privado. Toda a acção é antes julgada moralmente por quem a pratica. A tentativa de controlar um ser humano nunca é universal ou absoluta. O reconhecimento desta impossibilidade explica o assassinato político.
“Não penses, faz. É exactamente o mesmo
que dizer: não comas, digere. Tudo o que não é mecânico ou acidental envolve
pensar. Tudo o que vem da vontade tem que primeiro passar pela mente.”41
5 - Na altura em que os proletários
dirigissem o mundo, como bem dizia Bakunine, eles abandonariam a condição de
proletários e passariam à condição de governantes; logo, os seus interesses
mudariam.
“Não existe isso de uma elite sábia (o
clube de pensadores); porque todos os homens são nascidos da loucura da Queda.
Considerem os mais fortes, os mais
afortunados, os mais bonitos, os mais bem nascidos, os mais instruídos, os mais
bem tratados homens da Terra e dêem-lhe um poder imenso durante meia hora; por
serem homens eles vão começar a abusar do poder e a portar-se
indecentemente..."42
6 – O homem é um ser moral e espiritual. Não vive apenas daquilo que assegura a subsistência. Existem coisas sem utilidade material que lhe são mais queridas do que a mera matéria; por outras palavras, é certo que o homem gosta de brinquedos, mas a maioria dos homens necessita mais de uma mãe do que de um brinquedo. Dizer que a comida e a bebida são o objectivo último do homem, uma vez que sem elas não consegue viver, é o mesmo que dizer que a gasolina é a finalidade última de um automóvel uma vez que sem ela não consegue andar:
“As coisas mais importantes da
vida são inúteis: amor, amizade, devoção, paz – essas são coisas que apreciamos
pelo que são e não pelo uso que podemos fazer delas. Nós precisamos de coisas
inúteis uma vez que precisamos de aprender como encontrar valores intrínsecos.
Então todo o mundo adquire um significado para nós e não apenas uma utilidade.”43
Chesterton reconhecia em The New
Jerusalem a necessidade que um profeta mais recente tem de se apresentar
como aquele que completa um profeta anterior. Por isso mesmo aponta que a
auto-crítica é conditio sine qua non
de toda a crítica, incluindo a religiosa.
Foi esta auto-crítica à aplicação
prática do socialismo (à disseminação da miséria e do medo, aos crimes horrendos) que nunca foi feita, embora o socialismo (e Marx) acuse o
cristianismo de tudo, por mais antigo e contraditório que
seja:
“Nunca avaliaremos correctamente um
movimento religioso ou moral na História a menos que olhemos para a sua teoria
mas também para a sua prática.”44
A mesma ausência de uma correcta
crítica acontece quando se admira um comunista que se mantém sincero e coerente nas suas convicções até ao fim:
“Nós não nos podemos contentar com a
vaga frase moderna de que tudo é defensável desde que seja sincero. Um
satanista sincero é um pior satanista. Existem teorias tão vis, crenças tão
abomináveis, que só podemos suportar a sua existência por descrer da sua
sinceridade. A sinceridade nestes casos não tem qualquer valor moral. É como
dizer que um canibal é sincero quando aprecia comer um missionário. Aqueles que
falam em «tolerar todas as opiniões» são fanáticos que apenas aceitam essa
mesma opinião. Existem opiniões que são, quer em sentido legal quer literal,
intoleráveis. Senão estamos a afirmar que alguém que agiu perfidamente está
desculpado se tiver pensado perfidamente também.”45
António Campos
22 Prefácio de Creatures That Once Were Men de Maximo Gorki.
23 Arthur Golding, Isms and Ologies: 453 Difficult Doctrines You’ve Always
Pretended to Understand.
24 Christendom in Dublin.
25 Middleton Murry, On The Necessity of Communism, Sobre O Deus do Credo
Atanasiano.
26 Twelve Types, Charles II.
27 George Orwell, The Road to Wigan Pier, 1937.
28 On Being Old-Fashioned, Illustrated London News, 21 de Janeiro de 1911.
29 Illustrated London News, 9 de Outubro de 1926.
30 Western Science and Eastern Sorcery, The collected works of G K Chesterton,
ILN, vol 36, 29 de Setembro de 1934, pág. 547; Changing Human Nature, The
Collected Works of G K Chesterton, ILN, vol. 36, 29 de Setembro de 1934, pág.
488; In Defense of Sanity, About Believes, As I Was Saying, 1936, pág. 317.
31 The Defendant.
32 Tremendas Trivialidades.
33 The Patriotic Idea, England a Nation.
34 A Gap in the English Education, The Speaker, 4 de Maio de 1901.
35 Eliminating The Class Without Property, Illustrated London News, 8 de
Novembro de 1924.
36 The Thing.
37 Introdução a Carlyle’s Past and Present, Oxford University Press, 1909.
38
Marx, Teses sobre Feuerbach.
43
Roger Scrutton.
39
A Maldição dos Rótulos. ILN 14.10.1911.
40
Socialism and the Nations, ILN, 07.12.1912.
41
Two Kinds of Paradox. ILN, 11.03.1911.
42
Carta a Robert Blatchford, 1904.
44 Mormonism and Theology, ILN, 13 de Maio de 1911.
45 Madness and Responsibility, ILN, 24 de Fevereiro de 1912.
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