Hilaire Belloc foi um escritor britânico de origem francesa que
conviveu e colaborou durante muitos anos com Chesterton, de tal modo que George
Bernard Shaw cunhou mesmo o
vocábulo “Chesterbelloc” para caracterizar essa
estreita e profunda ligação cultural e literária. Tendo nascido nos arredores
de Paris, em La Celle-Saint Cloud, a 27 de Julho de 1870, filho de pai francês
e de mãe inglesa, convertida ao catolicismo, fez, após a morte de seu pai, toda
a sua superior educação em Inglaterra, primeiro na Oratory School, em
Birmingham, onde recebeu influência do Beato J. H. Newman, e mais tarde em
Oxford, no Balliol College, onde se licenciou em História. Aluno brilhante, o
facto de ser católico não lhe garantiu o acesso a uma cátedra, como seria
normal se fosse anglicano.
Escritor multifacetado
foi, sobretudo, poeta, historiador, ensaísta, crítico literário e jornalista.
Fundou com G. K. Chesterton o semanário Eye Witness em 1911. E quer
através de jornais ou revistas, quer por meio de livros, debates e discursos,
exerceram ambos notável influência no meio cultural e na sociedade inglesa da
primeira metade do século vinte. Algumas das suas obras continuam a ser
reeditadas – excepto em Portugal, onde a sua presença é escassa -, sempre com
proveito de leitores interessados e cultos e garantido êxito editorial. Fiel a
uma amizade que o marcou para sempre foi, sem dúvida, não só um dos melhores
amigos de G. K. Chesterton, mas talvez quem melhor o conheceu, não apenas
através da sua obra mas também pelo convívio continuado e fraterno. Faleceu a
16 de Julho de 1953, em Guildford, Surrey, embora a partir de 1941 tivesse tido
graves problemas de saúde que o levaram a viver retirado de tudo e de todos.
Hilaire Belloc faz uma
análise lúcida e coerente da obra de Chesterton num texto que serviu de prólogo
a um volume publicado em 1933 – The glass walking stick and other essays -
do autor de Ortodoxia e que recolhe, ainda em vida, vários dos seus
ensaios. Tem como título Lugar de G. K.
Chesterton nas letras inglesas e nele H. Belloc sintetiza as principais
características culturais da obra de Chesterton em seis pontos.
No primeiro, considera
que o aspecto dominante de Chesterton, como escritor e como homem, é “ que era nacional”.
O carácter nacional da obra de este escritor e pensador inglês radica,
precisamente, no facto de, como nos diz, Chesterton ser “nacional em si mesmo”,
pois “seguir o seu pensamento e a sua obra é uma introdução à alma inglesa. É
um espelho de Inglaterra, e é particularmente inglês no seu método de
pensar, como é a sua visão das coisas e dos homens.” E conclui, de forma
certeira: “Escreve com acento inglês.”
A segunda questão que
realça é o sentido que Chesterton revela com o rigor e a qualidade de
argumentação, que desenvolve nos seus escritos ou esgrime, com grande elegância,
nos seus debates e discursos. Uma precisão de linguagem e um rigor de
pensamento que, sublinha, foram outrora apanágio dos ingleses mas estão hoje
arredadas das suas preocupações quotidianas. Também entre nós ganham os
sofismas amplo direito de cidadania, servindo para confundir os incautos e
enganar os inocentes. A boa lógica desapareceu da argumentação escrita e oral e
a falta de rigor tornou-se a norma que corrói e destrói todas as normas.
O terceiro rasgo, como
lhe chama H. Belloc, é a singular capacidade de utilizar o paradoxo, com que
iluminava e explicava a realidade, através de comparações. Considera-a mesmo a
arma peculiar do génio de Chesterton, embora elucide claramente o leitor sobre
o verdadeiro significado de paradoxo que não é, de modo nenhum, um mero
artifício de linguagem que busca deliberadamente espantar o leitor através de
uma contradição artificiosa. É a iluminação de uma realidade concreta mediante
uma justaposição inesperada e que melhor a esclarece. Não é um simples jogo
verbal. Não pode, por isso, ser considerado como fruto de um verbalismo oco e
sem sentido. Pelo contrário. Foi uma das suas características fundamentais que
ninguém, até hoje, conseguiu imitar e é o elemento mais forte da sua maneira de
escrever e de pensar, como marca pessoal da sua excepcional agudeza de engenho
e capacidade de raciocínio.
No quarto ponto salienta a fundamentação histórica com que envolve
todos os seus trabalhos, sem descurar também a visão sólida e profunda que tem
do próprio ambiente literário em que se movimentam os seus estudos. O
conhecimento que tinha da literatura inglesa permitiu-lhe deixar-nos
importantes ensaios nesta área e cuja finura de análise assombra ainda hoje
muitos conceituados especialistas. As páginas que dedicou a Charles Dickens
são, entre outras, uma prova evidente de esta afirmação.
O quinto aspecto que
constitui para todos nós um exemplo a prosseguir é a caridade. O amor que tinha
pelo próximo levava-o a perceber o correcto sentido da caridade cristã.
Encarava a controvérsia – que era para si um autêntico deleite, uma alegria
imensa – nunca como um conflito ou como se de uma dura batalha se tratasse. Ao
invés, via-a como um modo de apreciar a riqueza de pensamento, o rigor de
raciocínio, a busca da verdade, mas também uma maneira de respeitar e, mais do
que isso, admirar o próprio antagonista, o adversário com quem esgrimia
argumentos mas com quem sempre se reconciliava fraternalmente no final do
debate.
E, finalmente, diz-nos
H. Belloc, toda a substância da sua vida e da sua obra se resume numa simples
frase: a aceitação da sua fé. Foi católico antes de se converter; converteu
muitos depois de receber o baptismo. Nunca cedeu à tentação de esconder a sua
fé, num país e numa época em que ser “papista” era um insulto ou, pelo menos,
motivo de desprezo.
É esta imagem que o seu
amigo Hilaire Belloc nos deixa e que, creio, corresponde por inteiro à figura
cimeira da cultura inglesa, da cultura europeia, da cultura católica, não
apenas do século passado mas cada vez mais de este século que tanto precisa de
intelectuais católicos que não tenham medo de procurar a verdade e de a
proclamar com a argúcia e o humor de G. K. Chesterton.
ANTÓNIO LEITE DA COSTA
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