É muito significativo que um dos
maiores filósofos da História tenha começado a sua teoria do
conhecimento com um muito louvável audere sapere, ousa saber, e a tenha concluído com um lamentável não sei. No que concerne à origem e natureza das coisas, é melhor iniciar com um não sei e um ousa saber e terminar por concluir alguma coisa. Esse amor pela verdade e a noção de a ter alcançado, ou pelo menos da possibilidade objectiva de a alcançar, é um dos fundamentos da felicidade. E a melhor atitude epistemológica é a humildade. A busca não é uma finalidade em si, é uma atitude. A finalidade é uma conclusão. “Uma mente aberta, tal como uma boca aberta é sinal de tolice. Ter uma mente aberta não é nada; o objectivo de abrir a mente, como o de abrir a boca, é poder fechá-la (sobre algo sólido).”
A comparação de Chesterton é muito ilustrativa: saber, tem a mesma raiz etimológica de saborear, gostar. Esta dimensão outra, remete o agnosticismo para uma sensaboria e projecta o “saboreai e vede como o Senhor é bom” para uma outra dimensão, a do conhecimento.
conhecimento com um muito louvável audere sapere, ousa saber, e a tenha concluído com um lamentável não sei. No que concerne à origem e natureza das coisas, é melhor iniciar com um não sei e um ousa saber e terminar por concluir alguma coisa. Esse amor pela verdade e a noção de a ter alcançado, ou pelo menos da possibilidade objectiva de a alcançar, é um dos fundamentos da felicidade. E a melhor atitude epistemológica é a humildade. A busca não é uma finalidade em si, é uma atitude. A finalidade é uma conclusão. “Uma mente aberta, tal como uma boca aberta é sinal de tolice. Ter uma mente aberta não é nada; o objectivo de abrir a mente, como o de abrir a boca, é poder fechá-la (sobre algo sólido).”
A comparação de Chesterton é muito ilustrativa: saber, tem a mesma raiz etimológica de saborear, gostar. Esta dimensão outra, remete o agnosticismo para uma sensaboria e projecta o “saboreai e vede como o Senhor é bom” para uma outra dimensão, a do conhecimento.
Chesterton não só disse que sabia, como
revelou uma natureza impregnada de beleza e de alegria, polvilhada com sentido
de humor. Um humor como o de Cristo que chamou aos filhos de Zebedeu, Tiago e
João, filhos do Trovão (Mc 3,17), mas mais tarde recusou a sua sugestão
para fazer descer fogo do céu sobre os samaritanos (Lu 9,54). Cristo
perdoa-lhes a sua total incompreensão do conteúdo da Sua mensagem e ri-se do
Seu próprio desespero.
1 – A Humildade como expressão de Gratidão e a Alegria como
expressão da humildade
Chesterton expressa a sua gratidão por
ter sido incluído num universo extraordinário, porque, com todas as suas
dificuldades e aparentes contradições, ele começa por nos revelar o amor da
nossa mãe, a bondade, a beleza e a verdade (no sentido de racionalidade) deste
mundo.
Essa gratidão que resulta da dádiva de
nascer está ilustrada no Evangelho quando Cristo sugere que se convidem os
aleijados, os pobres, os coxos e os cegos, precisamente porque eles não podem
retribuir.
"Existe nos bastidores
da nossa vida um abismo de luz, mais ofuscante e insondável do que um abismo de
escuridão; é o abismo da realidade, da existência, do facto de que as coisas
existem realmente, de que nós próprios somos incrivelmente e por vezes inacreditavelmente
reais. Trata-se do facto fundamental do existir contra o do não existir; é
impensável e, no entanto, não podemos deixar de o pensar, embora por vezes não
pensemos nisso; não pensamos e, sobretudo, não agradecemos. Aquele que tomou
consciência desta realidade sabe que ela extravasa, literalmente até ao
infinito, todo e qualquer argumento a favor da sua negação, e que por baixo do
nosso palavreado existe um sentimento subconsciente de gratidão.
Essa evidência
de afirmação é o substrato dos poetas, porque eles têm uma melhor capacidade de
perceber as coisas iluminadas por essa luz do que os outros homens…A Criação
foi a maior das revoluções. Era por ela que as estrelas da manhã cantavam em
uníssono, como dizia o antigo poeta; e os poetas mais modernos, como o poeta
medieval, podem descer bem abaixo desse pico de realização, extraviar-se,
tropeçar e parecerem perturbados; mas reconhecê-los-emos como Filhos de Deus
enquanto ainda cantarem com alegria. Isto é muito mais místico do que essa coisa
moderna chamada o optimismo; pois é muito raramente que entendemos, como uma
visão dos céus plenos de coros de gigantes, o dever primeiro do louvor.”
2 – A percepção do mundo pela criança é o amor ao universo
A única possibilidade de compreender o
mundo não por meio de um sistema – uma coisa sempre simples, lógica, unilateral
– mas por co-naturalidade. Compreender o mundo usando a própria natureza
complexa, paradoxal, da realidade: “Dickens se tivesse que lavar o mundo,
fá-lo-ia numa fábrica de graxa. (…) Dickens que era infeliz naquela idade em
que a maioria das pessoas é feliz, foi um homem feliz na idade em que a maioria
dos homens chora. (…) O seu tipo de optimismo não exalta o universo, não admira
o universo; ele ama-o completamente. A existência para estes homens tem a mesma
natureza da estonteante beleza de uma mulher; ama-a mais intensamente quem a
ama irracionalmente.”
3 – A alegria relaciona-se com a ontologia
- Porque Deus é a fonte primeira da
alegria e quanto mais próximo se está desse estado de graça mais se usufrui da
alegria:
“A alegria é de natureza expansiva; mas
para o agnóstico ela tem que ser contraída. A angústia deve ser concentrada,
mas o agnóstico espalha o seu desespero numa inimaginável eternidade. (…) A
Cristandade fornece ao homem de forma súbita e perfeita o seu instinto
ancestral de estar do lado certo: tendo um credo, a alegria agiganta-se e a
tristeza torna-se esporádica e pequena. (…) A maioria dos homens tem sido
treinada a ser alegre com coisas minúsculas e triste com as coisas importantes,
mas não é da natureza do homem ser assim. O homem é mais ele, mais humano,
quando a alegria é o seu traço fundamental e a tristeza é apenas superficial. A
melancolia deveria ser um interlúdio, a gratidão o estado permanente da alma.
Devemos lembrar a leveza e mesmo
a flutuabilidade dos monges de São Francisco, chamados os saltimbancos de Deus,
para os quais a religião não era apenas um romance trovadoresco, mas era mesmo
um canto de cotovia: como se os monges tivessem atado uma escada de corda para
subir às molduras das estrelas.”
4 – A arte e a linguagem, criações humanas, como expressão da
alegria:
A retórica e a imagem têm a especial
missão de romper o bloqueio que circunscreve a mente ao mero raciocínio,
revelando o sentido de beleza em todas as coisas. Como o ser remete a uma
origem, também a beleza remete a uma origem, e ambas despertam a alegria de uma
ligação a algo superior:
“O homem é uma criatura. Toda a sua
felicidade reside em ser uma criatura, ou, como a Grande Voz nos ordenou, em
ser uma criança. Toda a alegria reside em receber uma prenda ou presente, que a
criança valoriza sobretudo por ser «uma surpresa». Mas uma surpresa implica
algo que surge de uma fonte externa; e a gratidão decorre de que ela tem uma
proveniência de alguém que não nós. Seja pela porta, seja pela janela, seja
pelo marco do correio. Estes limites são as linhas da própria satisfação.
Shakespeare coloca não apenas a
alegria, mas a poesia da alegria em todos os seus galhofeiros de taberna; se
Hotspur abrisse Falstaff com a sua espada, sinto que todas as fadas de Midsummer Night’s Dream surgiriam a voar
de dentro dele.”
5 – A alegria tem relação com o acto da Criação, a criação ex nihilo:
Quando o Papa indica que devemos
proteger a criação no sentido em que São Francisco nos indicou, ele aponta para
algo mais profundo. Deus é Amor e no seu amor criou tudo, ex nihilo, do nada: “Aqui residia o núcleo da ligação de Francisco
ao mundo criado. Nós quando afirmamos que um poeta exalta a criação, apenas
queremos dizer que ele elogia o universo em si. Mas este tipo de poeta, como
São Francisco, realmente elogia toda a criação no sentido do acto da criação.
Ele exalta a passagem da não-existência à existência; é aqui que também aparece
envolvido aquele arquétipo da ponte, que forneceu ao padre esse nome arcaico e
misterioso de pontífice. O místico que vivencia o momento em que não existia
nada excepto Deus, visualiza aquele início sem passado, em que não existia nada
de nada. Ele não só aprecia tudo mas também o nada de onde surgiram todas as
coisas.
De certo modo, São Francisco encarna e
responde à terrível ironia do livro de Job; de certo modo ele estava presente
quando foram lançados os fundamentos do mundo, com as estrelas da manhã a
cantar e os filhos de Deus a clamar por alegria.”
Como fazer as pessoas ver de forma
correcta, uma vez que “nós ainda nos encontramos no paraíso; os nossos olhos é
que mudaram"? Pela mente do artista que nos afasta da excessiva familiaridade e
da distorção cultural; não pelo artista que esmera o seu estilo e vive para
ele, mas do artista que coloca a sensibilidade do seu coração na sua obra
criada: “Stothard e Blake dão bem a imagem do que é um artista que só quer ser
artista ou de o artista que tem uma ambição mais alta: ser um homem, i.e., um
arcanjo.”
6 – O Argumento Ontológico, argumentum
e gaudio
- O argumento ontológico decorre da experiência quotidiana,
por convergência de probabilidades com a própria experiência e com outros
argumentos fundados igualmente na experiência: o eros de São Gregório, a esperança
de Marcel, a contingência de São
Tomás.
- A surpresa: o núcleo central da alegria que provém de um presente resulta da surpresa. O presente é uma surpresa e só é um presente se for uma surpresa. Uma criança tem alegria pela abertura da embalagem da sua prenda: a surpresa. A vida é uma peça que se desenrola sem determinismo, mas com ampla liberdade, em que as escolhas são livres, mas não são livres de consequências. É esta liberdade que faz da vida uma surpresa; é ela que prova que a vida é um presente.
- A surpresa: o núcleo central da alegria que provém de um presente resulta da surpresa. O presente é uma surpresa e só é um presente se for uma surpresa. Uma criança tem alegria pela abertura da embalagem da sua prenda: a surpresa. A vida é uma peça que se desenrola sem determinismo, mas com ampla liberdade, em que as escolhas são livres, mas não são livres de consequências. É esta liberdade que faz da vida uma surpresa; é ela que prova que a vida é um presente.
O olhar de uma criança sobre as coisas não se encontra racionalizada, i. e., formatada por sistemas. A criança não pensa que a realidade seja uma convenção, como as notas de banco, os sistemas filosóficos, ou a própria linguagem. A criança descreve a realidade como a percepciona, não a racionaliza. Se vê coisas que não compreende, descreve o que viu, não a explicação que encontrou para o que viu. As crianças são as testemunhas predilectas das equipas que investigam os acidentes de aviação.
É um paradoxo que a revelação do
Criador do universo seja mais aparente aos olhos de uma criança, mas o paradoxo
não é um jogo, uma máscara, ou um estilo: é um revelador. Um revelador que
assume a forma de um jogo, porque o humor é inseparável do argumento: é o
florescer da própria dialética. Chesterton sempre afirmou que a seriedade não
era o contrário do humor, mas sim a sisudez; o humor está para a sisudez como a
humildade está para a soberba.
Na parábola do filho Pródigo, o filho
mais novo deixa-se de criancices para ser como uma criança e é o filho mais
velho que, em vez de adoptar a atitude de gratidão do pai, adopta uma atitude
de criancice, um ensimesmamento, mesmo que fundado na justiça; aquela virtude
pagã intemperada pela misericórdia:
“Em tudo o que
se encurva graciosamente existe também uma tendência inerente à
rigidez... A rigidez cedendo um pouco, tal como a justiça seduzida pela
misericórdia, é o segredo da imensa beleza da Terra. O cosmos é um diagrama um
pouco encurvado da sua forma original. Tudo tenta ser direito, rectilíneo, e no
entanto, tudo felizmente cede. A rigidez sem flexibilidade não é humana."
A humildade do Filho Pródigo ensina-nos que se queremos tocar o topo das estrelas é melhor primeiro ajoelhar. Uma atitude muito comum em quem vai combater uma batalha, mas a mais desdenhada para quem se senta no conforto de um cargo. Ao ler Chesterton muita gente gela, porque nenhum orgulhoso pode apreciar o gordo inglês e continuar o seu orgulho.
Dessa atitude de criança, dessa
humildade, vem o maravilhamento com o mundo, não com “o melhor dos mundos
possíveis” mas com “o melhor dos mundos impossíveis”, porque o mundo material é
bom, a criação é boa. O próprio Deus assumiu forma material e os católicos
acreditam na ressurreição da carne – não na transmigração das almas nem sequer
no platonismo de se verem livres deste mundo material. Com o maravilhamento vem
a gratidão e com a gratidão vem a intimidade com o Criador que permite o
sentido de humor: “O teste de uma verdadeira religião é quando o crente se
diverte com a sua divindade.” Um homem deve ter muita fé para brincar com a sua
divindade; possuir um sentido de sarcasmo com o infinito significa reconhecer
que existe algo de eterno e elementar numa piada. A bíblia revela ser elogiosa
da graça. Deus tem sentido de humor. O humor é característico dos católicos. Um
puritano engraçado não é grande puritano.
- Decorre da autoridade, auctoritas, o poder que decorre da
existência de um Autor. Havendo um autor para o universo existe uma autoridade
cuja raiz remete ao seu autor. Como disse Cristo a Pilatos: “Nenhuma autoridade terias se não te tivesse
sido dada.” Havendo autoridade existe uma instância de apelo último para
obter justiça... e para agradecer.
7 – A superficialidade como atitude gnosiológica
O espírito da Prússia, tal como o dos
clássicos, era sério e recusavam-se a ser superficiais e por isso nunca
atingiam a humildade e com ela toda a amplitude da profundidade. Sem humildade
não existe proximidade e sem proximidade não existe conhecimento. Quem se
recusa a ser superficial não atinge toda a amplitude da profundidade – é um
paradoxo.
O mesmo problema existe no Islão: onde
não há cavalheirismo não há cortesia e onde não há cortesia não existe
brincadeira. A sisudez é característica de todas as falsas religiões, porque
ser grave é fazer um ídolo de tudo e mais alguma coisa. O homem é o único
animal que não é sério porque é o único animal que ri.
O colapso do puritanismo deveu-se ao
facto de que não se pode ser sério durante 300 anos. Shaw recusava-se a
celebrar o seu próprio aniversário, porque tinha a falta de humildade de
reconhecer que era bom estar vivo. O ego é desafiado pelo humor e é por isso
que na Idade Média o mal era desafiado e ridicularizado pelo humor. O humor
joga com o homem, despe-o da sua dignidade e fere-o como Caim. A hilaridade
apela à humildade e perder dignidade conduz à felicidade. Sem a religião o
humor não é possível porque ele envolve a humildade.
A sabedoria relaciona-se com a ideia de
que a verdade é clara e acessível; o humor que a verdade é complexa e mística e
que pode ser facilmente negligenciada. O humor vê a inconsistência nas coisas e
é uma característica católica. As catedrais da idade média têm o riso e o
terror enrolados em pedra. As gárgulas nas catedrais góticas são uma metáfora
da vida, com as suas dificuldades e horrores (mas também um alerta contra a igualdade, pela variedade e complexidade, um aviso contra estereótipos de beleza física ou intelectual, contra a normalização e uniformidade). A catedral é maior que a
gárgula, tal como a vida é maior que as suas dificuldades:
“Não vale a pena andar angustiado com
as dificuldades da vida. Na verdade, a maioria dos momentos mais dramáticos da
nossa vida quotidiana não são tão dramáticos como pensamos. Na verdade existem
momentos decisivos e dramáticos, mas olhando retrospectivamente constataremos
que são em muito menor número do que inicialmente nos pareceu.”
8 – A alegria exprime leveza e conteúdo enquanto a sisudez exprime
paradoxalmente soturnidade e vacuidade
A
comédia e a tragédia exprimem de forma igual a condição humana e é isso que
distingue as peças de Shakespeare da tragédia grega e do drama francês. A
sátira moderna ridiculariza a vida comum, expondo as classes mais baixas ou
ignorantes ao ridículo, expondo o acento ou o sotaque da língua materna,
ridicularizando a vida comum, mas esquecendo que os grandes também são ridículos,
geralmente ainda mais.
É essencial possuir sentido de humor
sobre as coisas mais sérias. As coisas sérias tomadas a sério são demasiado
tremendas. O mundo moderno não compreende como o sentido de humor pode
acompanhar a seriedade. Uma piada pode ser tão grandiosa que rompe a abóbada do
céu. Existe apenas um pequeno passo do ridículo ao sublime.
Quanto mais séria for uma coisa mais
ela se deve expressar em termos de grotesco. Se uma coisa é universal
encontra-se plena de coisas cómicas. É o teste para uma boa filosofia se ela
pode ser defendida de forma grotesca; é o teste de uma boa religião se se pode
brincar com ela.
O sentido de humor é o maior antídoto
do orgulho. Mas sentido de humor não é estar sempre a rir como um tolo. A
risada eleva o espírito e faz com que o homem se esqueça de si próprio numa
espécie de convulsão. O homem que nunca se riu de si próprio nunca se
descontraiu o suficiente para apreciar toda a amplitude de uma boa piada. Um
homem religioso sem júbilo, cai na crendice e no fanatismo, na loucura. A auto-crítica e o rir-se de si próprio é a negação do próprio mal, do orgulho.
9 - Brincar ou ter sentido de humor é levar as coisas a sério
Até as coisas piores devem ser vistas
no ridículo. Assim era com o diabo da Idade Média. É por isso que Chesterton vê
em Dickens uma figura medieval, apesar de o próprio Dickens desprezar a Idade
Média. Para Chesterton ter sentido de humor é ser mais sério do que estar
sério, pelo que as personagens de Dickens que nos informam mais sobre a alma
humana são precisamente aquelas que são mais cómicas. Dickens é a
personificação da ideia de que ser sério não é o contrário de ter sentido de
humor, mas que as verdades mais sérias podem ser exprimidas pelo sentido de
humor. Ser divertido não é superficial, ser divertido chega às raízes do
universo.
Chesterton tem quase um sentido místico
do humor: “Uma boa piada é a coisa que escapa à crítica. O segredo da vida
reside na alegria e na humildade. A alegria é precisamente o que distingue o
cristianismo do paganismo. A vaidade não suporta o humor, nem sobre si própria,
porque o orgulho é pesado e não pode sorrir. As virtudes pagãs da justiça e
temperança são tristes; as cristãs de fé, esperança e caridade são alegres e
exuberantes."
Contrariamente aos académicos, as
pessoas comuns e os crentes são caracterizados pelo riso. As primeiras piadas
do mundo são sempre sobre coisas sérias, como ser casado…ou ser enforcado. Ter
piada é o melhor meio de ser sério. Para Chesterton, o sistema penal não
deveria ser sério; deveria ser antes como uma creche: deveríamos poder colocar
um milionário (ou um político) a um canto e deixá-lo aí de castigo.
Conclusão:
10 – A queda no mundanismo humano, no viver social, embota o
sentido de alegria. A
Separação de Deus implica a perda de humildade e, consequentemente de gratidão
e de alegria.
Tudo é lucro, posição, comodismo e
aparência, portanto as coisas mais importantes da vida – a existência, o amor,
a beleza, a bondade – não se conseguem notar porque estão demasiado perto, são
tomadas como garantidas. Existem várias razões para a perda do sentido da
alegria:
· Filosófica ou teológica: o extremo
cepticismo - com a negação da verdade, da liberdade humana, de uma moral
universal – de que é exemplo o impressionismo (não existência de limites), o
determinismo e o liberalismo (abolição de limites); ou pela atracção pelo mal, que Chesterton
relaciona em Catholic Church and
Conversion ao espiritismo.
·
Económico-social: a extrema
desigualdade na distribuição da propriedade, que é uma
transgressão ao mandamento de Deus: “Ide e possuí a terra.”
“Nunca se pode ter a tonalidade da
alegria quando muitos possuem demais e outros não têm nada. (…) A alegria é uma
torrente, mas exige que todos os copos sejam inteiramente preenchidos (mesmo
que tenham tamanhos diferentes). (…) Numa sociedade capitalista, a alegria é
impossível, quer para ricos quer para pobres. Como nas fábulas de Esopo, a
raposa não consegue comer de um solitário com gargalo comprido, nem uma cegonha
de uma taça rasa. Num caso, a alegria encontra-se muito funda; no outro, muito
dispersa. Por outras palavras, ninguém usufrui plenamente: o pobre porque não
consegue lá chegar; o rico porque ao perder o gosto pelas coisas, não consegue
desfrutar.
·
A ideia de liberdade: “A essência da
liberdade reside na diferença entre o bolso e o mealheiro. Algumas reformas
sociais colocam mais dinheiro no mealheiro, mas nenhuma coloca mais dinheiro no
bolso.” Por exemplo no tempo da fast food,
toda a gente fala do colesterol quando se trata de comer boa carne de vaca. No
tempo em que quase não se come fruta ou saladas (no mundo anglo-saxónico),
surgiu esta adoração pelo vegetarianismo. No mundo em que um chocolate é uma
refeição, não se pode colocar mais do que um minúsculo saco de açúcar no café.
“O vinho deve ser bebido quando nos
apetece, o remédio deve ser tomado quando é necessário. Trata-se de uma questão
de ter o poder de decidir sobre o nosso capital. Trata-se do direito de passar
cheques sobre o nosso corpo embora a intemperança seja errada na medida em que
significa passar cheques sem fundo.”
Os filantropos têm como epigrama:
proteger os pobres de si próprios. Os eugenistas: os mais fracos devem ir para
a guerra – o que em si mesmo é um paradoxo.
11 – O sentido de humor na Literatura
Uma das áreas onde se entende melhor a
ausência de sentido de humor é precisamente na literatura. O humor contém em si
a alegria, a sátira não. A sátira é seca. É uma denúncia amarga e impiedosa do
que não é perfeito. É a obra de um homem de coração seco e miserável, de um
homem só, isolado. Podemos falar em Saramago, Byron ou Heine. Trata-se de um
homem que identificando-se com o bem aspira à solidão de Deus, apenas para
encontrar a eterna solidão do demónio. O mesmo ressentimento, a mesma amargura.
É esta a atitude dos modernos intelectuais: vivem na ilusão da sua própria
superioridade. Tratar com ódio e violência o que é detestável, como faz a
literatura e o cinema, é alimentar a fogueira, descer a esse nível, viver nesse
mundo, duplicá-lo. “Não perderam a cabeça; perderam o coração: provavelmente
deixaram-no cair na infância e é por isso que andam tão inchados.” Chesterton
aponta então para Shakespeare, Browning, Hugo, Dickens e Dostoiévski; para
Auberon Quin (humor) e Adam Wayne (amor) em Napoleão de Notting Hill.
Não existe tradição moderna na
literatura inglesa de chamar a uma comédia heroica. Mas a grande comédia como a
de Shakespeare pode e deve ser tomada como séria. O riso implica exposição,
desprendimento e generosidade.
A ideia de que a comédia é artificial
deve-se a um profundo pessimismo – a ideia de que não existe lugar para o riso
neste mundo. Para Chesterton a alegria é divina e mística como a religião e
muito diferente do tipo de felicidade em que filósofos e aristocratas encontram
a sua paz: “Nós devemos ser como os anjos, flutuando, e só o conseguimos se não
nos levarmos demasiado a sério”. Chesterton acreditava que a ausência de
sentido de humor era uma grande fraqueza num escritor. Atribui a falta de razoabilidade
nas afirmações de Goethe sobre Carlyle precisamente à falta de sentido de humor
nas obras do escritor alemão. Tennison e outros vitorianos também falharam no sentido
de humor. Tal como Carlyle e George Elliot que tanto admiravam a filosofia
alemã. Embrenhavam-se nessa sisudez desumanizada.
Chesterton condena a falta de crença na
virtude da hilaridade e da alegria na literatura. Contrariamente ao tempo de
Aristófanes e Moliére, a literatura hoje só fala de dor e despreza a crença na
hilaridade. "De todo o lado nos rodeiam os mesmos sintomas: um hedonismo
tão farto de prazer como o doente se encontra farto da dor. Em muitas obras
modernas encontramos a sugestão velada e horrível de um Renascimento que se
fascina pela beleza do sangue e pela poesia do assassínio."
"Na guerra da moderna literatura,
nós não ouvimos nada, a não ser as vozes da dor - tudo é um fonógrafo do
horror. É verdade que deveríamos ouvir falar destas coisas e que nenhuma
deveria ser silenciada; mas estes gritos de angústia não se encontram tão
frequentemente na vida como se encontram na arte moderna, onde são a única voz.
Elas são vozes de homens mas não são a voz do homem."
“O riso é
tão divino como as lágrimas. A literatura da alegria é muito mais difícil, rara
e triunfante do que a literatura a preto e branco da dor. A alegria é
indissociável do sentido de humor.”
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