Chesterton pensa filosoficamente no
sentido em que o seu pensamento se encontra impregnado de
uma lógica que é identificável, mas que se deve apelidar de uma lógica intuitiva, “de ver” em vez de uma lógica dedutiva, de demonstrar. Ele não pensa em pensar filosoficamente, i.e., ele não propõe nenhuma teoria ou método filosófico, ele simplesmente nos diz o que pensa sem nos dizer muito de como pensa ou como passou a pensar desse modo. Podemos no entanto detectar um método dialéctico no modo como escreve, embora ele nunca lhe chame tal coisa; nem sequer método. Mas Chesterton opõe-se claramente a Locke e a Hume, na tradição inglesa, e a Kant e a Hegel, na tradição alemã, por tentarem esconder a palavra espírito na palavra mente, tomando-as como sinónimas, o que significa despojar de sentido uma delas, espírito. Para ele a realidade espiritual não é metafórica, é a própria realidade. O espírito é como o vento que abana as árvores; o vento não é produzido pelo movimento das árvores. O homem encontra-se presente no tempo, na História, mas também na eternidade. Ambas as realidades se “desenrolam a par”.
uma lógica que é identificável, mas que se deve apelidar de uma lógica intuitiva, “de ver” em vez de uma lógica dedutiva, de demonstrar. Ele não pensa em pensar filosoficamente, i.e., ele não propõe nenhuma teoria ou método filosófico, ele simplesmente nos diz o que pensa sem nos dizer muito de como pensa ou como passou a pensar desse modo. Podemos no entanto detectar um método dialéctico no modo como escreve, embora ele nunca lhe chame tal coisa; nem sequer método. Mas Chesterton opõe-se claramente a Locke e a Hume, na tradição inglesa, e a Kant e a Hegel, na tradição alemã, por tentarem esconder a palavra espírito na palavra mente, tomando-as como sinónimas, o que significa despojar de sentido uma delas, espírito. Para ele a realidade espiritual não é metafórica, é a própria realidade. O espírito é como o vento que abana as árvores; o vento não é produzido pelo movimento das árvores. O homem encontra-se presente no tempo, na História, mas também na eternidade. Ambas as realidades se “desenrolam a par”.
Esta capacidade de
“ver e fazer ver”, muitas vezes utilizando a redução ao absurdo, o grotesco e o paradoxo, fez o filósofo marxista Ernst Blöch afirmar que Chesterton foi um dos
homens mais inteligentes que alguma vez existiu (Bloch fez parte do chamado círculo Max Weber, tendo privado com Lukács, Karl Jaspers, Adorno, Walter Benjamin, Kurt Weil, Berthold Brecht).
A mente não lida com factos que inventou, como num sonho, mas sim com factos que encontrou, como na ciência: uma cerejeira dá cerejas. A repetição não torna as coisas menos apetecíveis: eu vejo todos os dias a minha mulher e os meus filhos e essa visão não me cansa (se eu sou um homem são); uma vez que a minha morte é inevitável, eu sinto-me agradecido por ter mais um dia de vida e poder olhar a luz do dia. Dizia Santo Agostinho: “O nascimento de qualquer bebé é muito mais milagroso do que a ressurreição de Lázaro.”
A mente não lida com factos que inventou, como num sonho, mas sim com factos que encontrou, como na ciência: uma cerejeira dá cerejas. A repetição não torna as coisas menos apetecíveis: eu vejo todos os dias a minha mulher e os meus filhos e essa visão não me cansa (se eu sou um homem são); uma vez que a minha morte é inevitável, eu sinto-me agradecido por ter mais um dia de vida e poder olhar a luz do dia. Dizia Santo Agostinho: “O nascimento de qualquer bebé é muito mais milagroso do que a ressurreição de Lázaro.”
O encerramento na dialética dos opostos:
Frequentemente as pessoas são colocadas
entre a opção de uma criação ou de uma evolução para a origem da vida. Acontece
que estas premissas são falsas. Não há nada na evolução que faça dela o
contrário da criação, pela simples razão de que toda a criação continua no presente e de que sem evolução a criação não faria sentido, na
medida em que o desenvolvimento é uma etapa necessária no processo da vida. A
criação não nasce acabada, mas incompleta; vem a este mundo completar-se.
A realidade não é contraditória, é
multiforme e paradoxal. É o homem que a percebe como contraditória. Por
exemplo, as mais famosas heresias tomavam Cristo apenas como homem (heresia
ariana e Islão) ou apenas como espírito (heresia gnóstica e albigense). A
Igreja e os primeiros apóstolos sempre insistiram que Cristo era um homem, que
foi tocado, que falou, que sofreu, tal como é Deus. Por outro lado, Chesterton
sempre insistiu que um homem não é nada sem o seu corpo, porque um fantasma não
é um homem, nem sem o seu espírito, porque um cadáver também não é um homem. Um
homem é simultaneamente corpo e espírito como o atestam a sua natureza
criadora, a moral e a noção de dignidade, que se expressa pela vergonha ou se
desequilibra no orgulho.
No caso da criação é mais fácil ao
homem discutir como se a criação tivesse acontecido, fosse uma coisa do
passado, e não estivesse continuamente a acontecer. No entanto, nós somos testemunhas e actores vivos
da criação. Essa miopia resulta da natureza da criação humana. Aquilo que o
homem cria não possui em si a característica de incompletude com a
possibilidade de se auto-completar. As criações humanas, técnicas ou
artísticas, encerram em si mesmas a sua finalidade; a sua finalidade é imutável
e é sempre aparente. Podem ser objecto de múltiplas interpretações mas não
mudam por elas próprias, não se completam. Quando a artista ou o engenheiro
termina elas estão completas, não possuem capacidade de se completarem.
As coisas contraditórias possuem algo
de semelhante, de outro modo nunca poderiam ser contraditórias
Nós nunca poderíamos afirmar que uma
tartaruga a correr é o oposto de uma lebre se elas não partilhassem a qualidade
da velocidade. Uma tartaruga nunca poderá ser mais lenta que um triângulo
isósceles. Para definir um oposto é necessário efectuar uma comparação, pelo
que ser
oposto é, paradoxalmente, partilhar uma determinada propriedade. A realidade não é contraditória, é paradoxal.
A compartimentação: da inexistência das
coisas à inexistência das categorias
Pessoas como Hegel e Nietzsche
defendiam que o que realmente existe é um processo de transformação e não
coisas, na medida em que as coisas estão em permanente transformação. Contudo,
o processo como absoluto requere que o tempo seja absoluto; por outro lado, se
não existirem coisas, se não existir objecto, não existe sujeito, não existe
alteridade, não existe pensamento. É a negação da própria existência e do
próprio pensamento, mesmo do pensamento que isto afirma. É uma antinomia.
Se para Wells e os seus mestres
nominalistas, como Guilherme de Ockam, não existirem categorias, mas apenas
coisas particulares, como poderemos continuar a falar de homens, de cadeiras ou
de automóveis, em geral? O homem vê a diferença nas coisas, mas também procura
ligar as coisas entre si por meio da lógica e da razão. Apesar de existirem
cadeiras muito diferentes umas das outras, algo deverão ter elas em comum para
que lhes não chamemos bicicletas.
Não podemos oscilar apenas entre o
extremo de dizer que não existem coisas e o outro extremo de afirmar que só
existem coisas, sem qualquer ligação entre elas. A dialética da vida exige um
pouco mais. O pensamento liga as coisas entre si. Neste sentido, Chesterton usa a razão e a lógica de uma forma mais adequada do que os racionalistas; é mais racional que os simples racionalistas.
Entre a Loucura e a Sanidade
O que caracteriza o louco é ele
encontrar sempre um sistema que abarca quer a sua afirmação quer a sua
justificação. Se uma pessoa diz que é vítima de uma conspiração não adianta
negar com o argumento de que todas as pessoas negam fazer parte dessa
conspiração. Isso é a própria definição de conspiração.
Se alguém diz ser Jesus Cristo não
adianta negar afirmando que toda a gente nega que essa pessoa é Deus. Ora, foi
isso precisamente o que fizeram a Jesus Cristo.
A loucura é inteiramente lógica e nunca
será desmontada pela lógica. A dialética de Hegel nunca retirará Hegel do seu
castelo ou Freud do seu inconsciente ou Marx do seu partido, para considerar os
monismos mais populares.
A solução terá que ser diferente, fora
do sistema. Poder-se-ia responder: eu acredito que a sua explicação explica
muita coisa mas não haverá outras tantas coisas que ficam por explicar?
“Quer então dizer que o senhor é o
Criador e o Redentor do mundo; mas esse mundo deve ser pequeno! O senhor deve
habitar num céu muito reduzido, em que os anjos pouco maiores são do que
borboletas! Que triste deve ser ser-se Deus; e ainda por cima um Deus tão
imperfeito! Não haverá de facto vida mais cheia, amor mais maravilhoso do que o
seu? Será realmente na sua pobre e dolorosa compaixão que todos os homens devem
confiar? Já pensou quão mais feliz se sentiria, quão mais alargada seria a sua
existência, se um martelo de um Deus superior pudesse esmagar-lhe o seu pequeno
cosmos, dispersando as estrelas como lantejoulas, e deixando-o na rua, livre,
como são livres os outros homens, com a possibilidade de olhar para baixo, mas
também para o alto?”
“Uma pessoa não consegue libertar-se de
uma doença mental por via do raciocínio porque é precisamente o seu órgão do
raciocínio que está doente, ingovernável e autónomo. O único modo de o salvar é
através da vontade ou da fé. Se for só a razão a funcionar, andará às voltas no
interminável círculo da lógica como quem anda numa linha circular no
metropolitano. A menos que realize o acto místico de sair do metropolitano. É
necessário um acto voluntário, um acto místico, fechar definitivamente uma
porta: sair do metropolitano!”
“Se a tua cabeça é para ti ocasião de pecado, corta-a, porque é preferível entrares no céu como um imbecil do que seres internado num manicómio com o intelecto intacto!”
O louco tem uma ideia que explica tudo, livre da hesitação e complexidade que caracterizam a pessoa sã. Apresenta a combinação de uma razão expansiva com um limitado senso comum. Falta-lhe o sentido ilativo. O senso comum é inteiramente racional e indispensável ao equilíbrio que impede o homem da deriva intelectual, porque de são e de louco, todos temos um pouco. A loucura está logo ali, à porta, e a política está cheia de exemplos desse tipo de desequilíbrio racional.
O Equilíbrio Paradoxal
“Se a tua cabeça é para ti ocasião de pecado, corta-a, porque é preferível entrares no céu como um imbecil do que seres internado num manicómio com o intelecto intacto!”
O louco tem uma ideia que explica tudo, livre da hesitação e complexidade que caracterizam a pessoa sã. Apresenta a combinação de uma razão expansiva com um limitado senso comum. Falta-lhe o sentido ilativo. O senso comum é inteiramente racional e indispensável ao equilíbrio que impede o homem da deriva intelectual, porque de são e de louco, todos temos um pouco. A loucura está logo ali, à porta, e a política está cheia de exemplos desse tipo de desequilíbrio racional.
O Equilíbrio Paradoxal
Para Chesterton, quando uma virtude não
é equilibrada por um conjunto de outras virtudes, torna-se louca. Assim, a
compaixão pelos pobres é uma coisa boa, mas se isso significar o não respeito
pela pessoa humana, passa de caridade ou amor, a totalitarismo. Tal como a
crença na omnipotência de Deus tem que ser vista na perspectiva da vontade de
Deus em manter os seus filhos como criaturas livres. O desequilíbrio leva por
um lado ao determinismo e por outro lado à libertinagem. A castidade pode ser
uma coisa boa se for equilibrada pelo relacionamento sexual entre dois seres
que partilham a sua vida. O desequilíbrio leva ao estoicismo pessimista ou à
luxúria gnóstica. A propriedade é um direito divino, mas se não for equilibrada
pela noção de liberdade e dignidade humana, pode levar ao poder das
oligarquias que nunca servem os interesses do homem: o socialismo ou o
capitalismo.
Entre a Dialética dos loucos: outra forma de Equilíbrio Paradoxal
"O materialista compreende tudo mas nem
tudo é para ser compreendido, sobretudo aquilo que escapa ao seu conhecimento.
É um cosmos completo mas mais pequeno que o nosso mundo. Não leva em conta as
coisas reais que existem no mundo: o primeiro amor, os povos que se combatem, o
orgulho nos filhos, o medo do mar. O mundo é tão grande e este cosmos é tão
pequenino! É uma completude que é uma incompletude. Se o homem que está
encerrado no manicómio é Deus, não é um grande Deus e se o cosmo do
materialista é o verdadeiro cosmos, não é grande cosmos. A divindade é menos
divina que muitos homens e a vida é, no seu todo, muito mais cinzenta que
muitos dos aspectos dessa mesma vida. A coisa encolheu, dá a impressão que a
parte é mais completa que o todo.
Claro que a filosofia materialista é muito menos ampla do que qualquer religião. O cristão encontra-se limitado pelo facto de ter que acreditar que o cristianismo é verdadeiro, para continuar a ser cristão; da mesma forma que o ateu está impedido de acreditar que o ateísmo é falso, para continuar a ser ateu.
Claro que a filosofia materialista é muito menos ampla do que qualquer religião. O cristão encontra-se limitado pelo facto de ter que acreditar que o cristianismo é verdadeiro, para continuar a ser cristão; da mesma forma que o ateu está impedido de acreditar que o ateísmo é falso, para continuar a ser ateu.
Mas o materialismo limita muito mais do
que estes dois tipos de espiritualismo. O cristão está convencido que uma parte
do universo é determinista e tem que obedecer a leis e a desenvolvimento
inevitável. Contudo admite excepções, que o universo é variado e que nem tudo é
determinismo. Admite mesmo que é complexo e qualquer homem são admite que ele
mesmo é um ser complexo.
O materialista vê a história como uma
cadeia de causas e efeitos; tal como o louco, está absolutamente convencido que é
uma galinha ou que é Deus. Os materialistas e os loucos nunca têm dúvidas. O
mundo do materialista é simples e sólido, tal como o louco tem a absoluta
certeza que está são".
A Dialética do homem são: o sentido místico da realidade
"Qualquer homem são sabe que tem uma
parte animal, uma parte de demónio, uma parte de santo, uma parte de cidadão;
um homem que de facto seja são sabe que também tem uma parte de louco.
As afirmações espiritualistas não
limitam a mente do mesmo modo como o fazem as negações materialistas. Eu posso
acreditar na vida eterna sem necessitar de pensar no problema da vida eterna,
mas se eu não acreditar na vida eterna não posso sequer pensar no problema da
vida eterna. Num caso encontra-se um caminho aberto que podemos percorrer até
onde quisermos, no outro encontra-se um caminho fechado.
Sem discutir a verdade de qualquer uma
das proposições, espiritualista ou materialista, podemos constatar a sua
completude e incompletude. O mundo do materialista é um mundo cinzento; lógico,
mas cinzento. Nele não cabem todas aquelas fascinantes dimensões da humanidade:
a cortesia, a esperança, a coragem, a poesia, o espírito de iniciativa, o
grande amor. Tudo o que é intrinsecamente e mais intensamente humano.
O materialismo não é uma força libertadora.
A sua liberdade de pensamento apenas serve para destruir a liberdade de acção.
Mas existe aquele tipo de céptico que
acredita que tudo começou nele. Foi ele quem fez o próprio pai e a própria mãe;
os amigos são uma mitologia por si construída. Um homem pode acreditar que se
encontra permanentemente dentro de um sonho, sem que essa crença possa ser
destruída pela argumentação, mas se ele decidir atear o fogo a Londres enquanto
toma o pequeno almoço, pode ser que nunca mais o possa tomar em casa.
Uma pessoa que não acredita nos dados
dos sentidos ou uma pessoa que só acredita nos dados dos sentidos, estão ambas
loucas, mas a sua loucura não é demonstrada por um erro de argumentação mas
pelo manifesto erro que é a vida de cada uma delas.
A marca característica da loucura é o
uso da razão desprovida de raízes, a razão no vazio. O intelectualismo
distanciado é apenas luar, porque é luz sem calor, uma luz secundária
reflectida de um mundo morto. O círculo da lua é tão nítido e inconfundível,
tão recorrente e inevitável, como um círculo de Euclides desenhado num quadro.
A lua é inteiramente racional, é a mãe de todos os lunáticos; a todos forneceu
o seu nome.
Já o homem comum é um místico. Sempre
admitiu o crepúsculo. Sempre se permitiu duvidar dos seus deuses, mas sempre se
permitiu acreditar neles. Sempre se interessou mais pela verdade do que pela
consistência. Se encontrasse duas verdades que se contradissessem, aceitava as
duas verdades e a contradição. Tem uma visão espiritual que é, como a sua visão
física – estereoscópica: vê duas imagens diferentes ao mesmo tempo mas isso
permite-lhe ver melhor. Sempre acreditou no destino mas sempre acreditou na
liberdade. Sempre acreditou que o reino dos céus é das crianças mas que elas
devem ser obedientes na Terra. Admirava a juventude porque era impetuosa e a
velhice porque era experiente. É precisamente este equilíbrio de contradições
aparentes que tem permitido ao homem são manter-se à superfície.
O lógico louco pretende tornar lúcidas
todas as coisas e apenas consegue torná-las todas misteriosas. O místico
permite que uma coisa seja misteriosa e tudo o resto se torna lúcido. O segredo
do misticismo é apenas este: o homem pode compreender tudo com a ajuda daquilo
que não compreende. A única coisa criada para a qual não podemos olhar é aquela
coisa à luz da qual olhamos para tudo. Tal como o sol do meio dia, também o
misticismo explica tudo o resto pelo brilho da sua própria e misteriosa
invisibilidade".
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