Para a maioria dos filósofos, a linguagem
seria um mero código de denominar objectos.
Para Russell, a função da linguagem
seria a de afirmar ou negar factos. A linguagem deveria possuir um nome para
cada simples – um designador rígido. Se a linguagem tiver um símbolo para cada
objecto, exclui a analogia e a metáfora. Lógicos como Russell esquecem que a
linguagem depende da natureza humana, que envolve muitos fatores não
linguísticos. Por exemplo, contar uma anedota requere que se tenha sentido de
humor e uma certa familiaridade com quem ouve. Outro exemplo é a linguagem que
se usa perante a morte. Se essa linguagem não dependesse de valores morais, se
a morte de um ser humano não nos afetasse mais do que a morte de uma mosca,
seria impossível compreender os rituais e a linguagem do luto.
Filósofos como Russell subentendem que
nós podemos estar fora da linguagem, apontando os objectos e nomeando-os. A
realidade estaria de um lado e a linguagem do outro e nós estaríamos fora de
ambos, a apontar. Aprender a linguagem seria equivalente a aprender diversos
nomes para diferentes entidades existenciais, do mesmo modo que se aprende os
rudimentos de uma língua estrangeira. Apontar, seria a forma fundamental de
explicação da ligação entre a linguagem e o mundo. Isto é…aquilo é.
No entanto, para W., apontar, as palavras “isto” e “aquilo” e o objecto apontado, fazem todos parte do jogo da linguagem que explica o significado. As palavras e os gestos não estão fora da linguagem e, portanto, não podem explicar essa ligação entre a linguagem e a realidade. Se virmos uma estátua de um cavaleiro que segura uma espada numa mão e aponta com a outra mão, não nos ocorre procurar para que coisa ele está a apontar. A razão é o significado. O significado insere-se num jogo de linguagem diferente daquela em que um português aponta para certos objetos na tentativa de ensinar o nome deles a um estrangeiro. Apontar não liga a linguagem ao mundo por fixar o significado; os gestos da mão são órgãos da linguagem.
As pessoas, os corpos e as mentes habitam a linguagem. É falsa a ideia de “conexão” entre linguagem e realidade. Não podemos saltar para fora da linguagem; estamos mergulhados na linguagem porque somos seres que vivem de significantes e de sentido. Nós apenas imaginamos que podemos apontar e ligar a realidade à linguagem, mas realidade e linguagem são a paisagem na qual caminhamos. Existem muitos determinantes da linguagem que a tornam muito mais complexa do que o simples nomear de objectos.
No entanto, para W., apontar, as palavras “isto” e “aquilo” e o objecto apontado, fazem todos parte do jogo da linguagem que explica o significado. As palavras e os gestos não estão fora da linguagem e, portanto, não podem explicar essa ligação entre a linguagem e a realidade. Se virmos uma estátua de um cavaleiro que segura uma espada numa mão e aponta com a outra mão, não nos ocorre procurar para que coisa ele está a apontar. A razão é o significado. O significado insere-se num jogo de linguagem diferente daquela em que um português aponta para certos objetos na tentativa de ensinar o nome deles a um estrangeiro. Apontar não liga a linguagem ao mundo por fixar o significado; os gestos da mão são órgãos da linguagem.
As pessoas, os corpos e as mentes habitam a linguagem. É falsa a ideia de “conexão” entre linguagem e realidade. Não podemos saltar para fora da linguagem; estamos mergulhados na linguagem porque somos seres que vivem de significantes e de sentido. Nós apenas imaginamos que podemos apontar e ligar a realidade à linguagem, mas realidade e linguagem são a paisagem na qual caminhamos. Existem muitos determinantes da linguagem que a tornam muito mais complexa do que o simples nomear de objectos.
Wittgenstein, tal como Chesterton, combate
a noção de que cada palavra tenha apenas um significado e de que o significado da
palavra seja apenas o objecto que a palavra designa: “(…) é interessante
comparar a multiplicidade das ferramentas da linguagem e dos seus modos de
aplicação, a multiplicidade das espécies verbais e proposicionais, com o que os
lógicos têm dito acerca da estrutura da linguagem (e também o autor do Tractatus Logico-Philosophicus)”.1b
“Quando um lógico analisa a poesia ele
sente-se confundido e algo furioso ao constatar que as palavras que costuma
utilizar adquirem um significado completamente diferente.
Pensa entender a palavra "visível" e vem Milton aplicá-la à escuridão, onde nada é visível.
Pensa entender a palavra "esconder" e vem Shelley falar de um poeta escondido na luz.
Pensa entender a palavra "suspenso" e vem Shakespeare falar de ondas do mar suspensas de nuvens escorregadias. É por isto que o lógico comum prefere a música à poesia. As palavras são o seu instrumento aritmético; irrita-o que possam ser o instrumento musical de outrem.”2
Pensa entender a palavra "visível" e vem Milton aplicá-la à escuridão, onde nada é visível.
Pensa entender a palavra "esconder" e vem Shelley falar de um poeta escondido na luz.
Pensa entender a palavra "suspenso" e vem Shakespeare falar de ondas do mar suspensas de nuvens escorregadias. É por isto que o lógico comum prefere a música à poesia. As palavras são o seu instrumento aritmético; irrita-o que possam ser o instrumento musical de outrem.”2
Mente não é o nome de uma coisa ou de
um lugar. É um objecto gramatical. “Mente” pode usar-se em diferentes
contextos: a minha mente está parva como
tu arrumaste o quarto hoje! Mente aberta, mente preparada, sem mente, ele mente, demente.
Parte da confusão associada a esta palavra resulta da sua não compreensão. A aparente profundidade da filosofia moderna é apenas
uma piada gramatical, um jogo de palavras. No entanto, a compreensão desta
situação encontra-se vedado a pessoas que entendem a linguagem como um conjunto
de palavras que denominam um conjunto de objectos, numa correspodência directa.
Wittgenstein diz a O. K. Bouwsma: “tratar uma confusão filosófica é como se
fora curar uma doença de insensatez.”3
Chesterton (com Russell em mente): “A
verdade é que aqueles que andam sempre a falar de factos não entenderam o maior
de todos os factos, que é em si um paradoxo: Os factos só por si não criam o
espírito da realidade, porque a realidade é um espírito. Os factos só por si
podem por vezes alimentar a fogueira da loucura, porque a sanidade é um
espírito.
Considerem os inúmeros detalhes
acumulados por homens que têm um passatempo maluco de que Heródoto escreveu
Homero ou de que a Grande Pirâmide é uma profecia da Grande Guerra. Considerem
as circunstâncias detalhadas e longas descrições que são fornecidas por homens
que se julgam perseguidos ou deserdados, ou de serem o legítimo rei de
Inglaterra.
Estes homens enlouqueceram por factos
materiais; são lunáticos, não pelas suas manias, mas por terem apreendido
demasiados factos. O que lhes falta é proporção: uma coisa tão invisível como a
beleza, tão inescrutável como Deus.
O que a cultura faz, ou deve fazer, é
fornecer uma saúde à mente que seja paralela à saúde do corpo.” 4
A realidade é um espírito, porque ela não
usa só o “jogo de linguagem” da ciência, mas também o da lógica, do senso
comum, da arte, da filosofia e da religião.
Descartes tenta provar a existência de
Deus com base na filosofia racional, nos dados da ciência (Meditações) e não em
teologia. O método que utiliza é a dúvida metódica, i. e., a tentativa de alcançar a verdade por meio da dúvida:
1 – Duvidar de tudo o que se pode
duvidar a partir dos dados dos sentidos: “tudo o que aprendi foi por meio dos
sentidos. Sei por experiência que os sentidos me enganam, logo não posso
confiar nos sentidos.” Separou-se do mundo. Atacou, não cada uma das coisas que
conhecia, mas sim o próprio método de conhecimento.
2 – Não aceitar nada do passado como
verdade, a menos que se possa estabelecer com certeza absoluta.5
Em O
Discurso do Método, começa com uma condenação ao conhecimento adquirido
pela leitura de livros, como um obstáculo ao verdadeiro conhecimento: “Logo que
a idade me permitiu sair do controlo dos meus perceptores, abandonei
completamente o estudo das letras e resolvi não procurar outra ciência que não
o conhecimento de mim próprio ou do grande livro do mundo.”
Porque os livros são depositários de
imbecilidade:
“Quando olho com olhar de filósofo para
as viagens e pesquisas da humanidade em geral, não consigo encontrar uma que não
pareça vã ou sem qualquer utilidade.”
Compara a aprendizagem literária com a
experiência de uma viagem e conclui que ambas consistem em penetrar no mundo
dos costumes e da opinião e, portanto, consistem numa perda de tempo. Prefere
então encerrar-se num quarto numa fria noite de inverno e começa a investigar
aquilo que consegue conhecer apenas pelo cético exame da sua experiência empírica
da realidade. Conclui que existe, porque sabe que pensa – uma conclusão que
dispensa o contributo de livros ou da cultura, mas apenas daquilo que se
encontra na sua mente, isolado de qualquer influência empírica externa.6
Chesterton não deixou passar o
ensimesmamento e solipsismo de Descartes: “este homem, não acreditando em mais nada
nem em ninguém, passa a ver-se sozinho num grande lema solipsista; assim as
estrelas, tal como descreve o nosso autor, são vistas apenas como pontos na
escuridão de seu cérebro; o rosto de sua mãe é apenas o esboço de seu próprio
pincel insano nas paredes de sua cela; mas sobre ela está escrito uma
assustadora verdade: «Ele acredita em si mesmo».7
Descartes acabou no papel de Deus: Eu
penso, logo existo. Estou no papel de Deus. A sua posição é aqui e agora – é a
essência do relativismo. Aquilo que eu penso, aqui e agora.
W. critica essa maneira de conceber o
conhecimento como aqui e agora. Sem passado e sem futuro.
Por outro lado, ao dizer que os seus
olhos o enganam, está a personificá-los: “ambos os meus olhos me enganam…”. Ao
descrever, ao modo da ciência, ele não relata verdadeiramente como as coisas
acontecem, mas utiliza um jogo de linguagem desajustado ao contexto, como quem
jogasse damas com peças de xadrez.
Os meus olhos adquirem, como se fossem instrumentos, uma imagem de uma vaca que transmitem à minha mente. Repare-se que os meus olhos e a minha mente são algo diferente de mim. O modo correcto de afirmar seria, “eu vejo uma vaca”. Na verdade eu estou a usar conhecimentos da ciência para descrever o que me está a acontecer, mas eu não estou a ver as coisas a entrar dos olhos para a mente como diz a ciência – eu simplesmente estou a ver. Como via, exactamente o mesmo, antes de saber pela ciência como se processa o fenómeno visual. Os meus olhos, a minha mente e eu não são três pessoas numa – são uma única coisa, a mesma pessoa.8
Os meus olhos adquirem, como se fossem instrumentos, uma imagem de uma vaca que transmitem à minha mente. Repare-se que os meus olhos e a minha mente são algo diferente de mim. O modo correcto de afirmar seria, “eu vejo uma vaca”. Na verdade eu estou a usar conhecimentos da ciência para descrever o que me está a acontecer, mas eu não estou a ver as coisas a entrar dos olhos para a mente como diz a ciência – eu simplesmente estou a ver. Como via, exactamente o mesmo, antes de saber pela ciência como se processa o fenómeno visual. Os meus olhos, a minha mente e eu não são três pessoas numa – são uma única coisa, a mesma pessoa.8
É um exemplo de mau uso da gramática.
“Pode dizer-se de Descartes que é o
primeiro moderno. Moderno ou modo,
vem do latim e significa “agora mesmo”. Eu penso! Se perguntássemos a
Descartes: “Quem é o eu?”, ele responderia: “O que pensa”. Se retorquíssemos: “O
que é que pensa?”, ele retorquiria: “Eu sou”. Trata-se da essência do
relativismo: alguma coisa é verdade porque eu penso ser verdade agora mesmo.”8
“Sempre vi a argumentação de Descartes
como um filme. A película “agora”, sem passado nem futuro. Imaginem que só
existe a película do presente. Que linguagem pode existir nessa situação? Só “isto”,
nada mais! Não existe passado nem futuro, no agora não existe nada. Se
eliminarmos tudo o que parece duvidoso, nada resta; nem sol nem terra, nada! Um
escrupuloso Descartes nem pode dizer, “ali vai o meu cavalo!”. As suas palavras
perdem todo o significado.” 8,9
Tratar a mente como uma coisa, ao modo
da ciência, é uma fonte de metafísica. É uma confusão filosófica. Arranjar uma
explicação de como a mente funciona, sem ver. Não sabemos e não vemos como a
mente guarda a linguagem e a evoca, tal como com as imagens.
W., como Chesterton, tem noção de cada
palavra.
“A filosofia é uma batalha contra o
enfeitiçamento da nossa inteligência por meio da linguagem.”1b
“A linguagem é análoga aos jogos.
Existe uma variedade de jogos, como existe uma variedade de linguagens: dar
ordens e obedecer-lhes; descrever um objecto ou falar das suas dimensões e
forma, descrever um objecto a partir de um esboço, relatar um acontecimento,
contar anedotas, formular hipóteses, contar uma história, desempenhar papel de
actor, adivinhar enigmas, resolver um problema aritmético, traduzir de uma
língua para outra, questionar, praguejar, ler, rezar.”1b
Não existe uma língua lógica perfeita.
A língua é como os jogos. A linguagem é como as peças de um jogo (por exemplo o
xadrez). Cada peça tem as suas funções e movimentos. A vida do jogador e da
peça encontram-se dentro do jogo. Nem a peça nem o jogador podem existir fora
do jogo a que pertencem. Se pegarmos num bispo de um jogo de xadrez e o dermos
a alguém que nunca viu um jogo de xadrez, a peça não terá significado para essa
pessoa. Não saberá como a usar. Temos que pensar que uma palavra se comporta
como uma peça num jogo. Sem termos jogado o jogo, não sabemos como a peça ou os
jogadores se movem. Mas podemos aprender.
Existe uma enorme variedade de jogos, desde os jogos de tabuleiro aos jogos de campo, passando pelas cartas e o jogo das escondidas. Tal como uma palavra tem um uso e um sentido, assim também a peça de um jogo. Agora suponhamos que pegamos numa peça como um bispo de xadrez e o usamos num jogo de damas, em substituição de uma peça que falta. Se movermos o bispo de acordo com as regras do xadrez e não com as das damas, o nosso adversário fica perplexo e não aceita o que fazemos. Lembra imediatamente: “não estamos a jogar xadrez!”8
Existe uma enorme variedade de jogos, desde os jogos de tabuleiro aos jogos de campo, passando pelas cartas e o jogo das escondidas. Tal como uma palavra tem um uso e um sentido, assim também a peça de um jogo. Agora suponhamos que pegamos numa peça como um bispo de xadrez e o usamos num jogo de damas, em substituição de uma peça que falta. Se movermos o bispo de acordo com as regras do xadrez e não com as das damas, o nosso adversário fica perplexo e não aceita o que fazemos. Lembra imediatamente: “não estamos a jogar xadrez!”8
Voltemos a Descartes, olhando
cuidadosamente o modo como ele usa as palavras ao duvidar dos sentidos: “aquilo
que até agora aceitei como verdadeiro foi adquirido pelos sentidos. Sei
por experiência que os sentidos por vezes me enganam.”
Estas palavras estão tomadas fora do
contexto do seu uso comum; o seu uso é metafísico. Os sentidos são
considerados como instrumentos e não como parte da própria pessoa; os sentidos
encontram-se personificados, pregando partidas à pessoa que é outra que não
eles. Os olhos adquirem imagens independentemente da sua mente, que por sua vez
parece independente de si próprio.
Descartes não confia nos seus olhos!
Imaginem o que é viver assim: Acordar e
pensar que os nossos olhos combinaram em nos enganar e a mente não o faz por
menos. Que a casa em que vivemos e as pessoas com quem partilhamos a vida, não
passam de possibilidades, incluindo as partes do nosso próprio corpo…Que penso
estar acordado quando na verdade posso estar a sonhar…
Agora analisemos a expressão “nem
acredito no que os meus olhos vêem” e analisemos os jogos de linguagem em que
ela é usada de forma comum. “Nem acredito no que os meus olhos vêem; este
quarto está arrumado de forma exemplar!”; “Nem acredito no que os meus olhos
vêem, és tu Pedro? Não te via desde a faculdade!”.
Significa isto que não podemos confiar
nos nossos olhos?
Os meus olhos e eu…Um dia descobri que
os meus olhos me têm andado a trair!
O que Descartes afirma é muito
simplesmente: “Não posso confiar nos meus olhos!” De facto ele afirma: os meus
olhos adquirem, vêem, uma vaca; e a minha mente adquire uma imagem que aparenta
ser uma vaca”, em vez de dizer: “Eu vejo uma vaca”.8
“A nossa cupidez pela generalização, a
nossa obsessão pelos métodos da ciência, reside em reduzir todas as explicações
dos fenómenos naturais a um número o menor possível de leis naturais primárias.
Filósofos como Descartes, sempre vislumbram os métodos da ciência perante os
seus olhos, não resistem à tentação de formular questões e de as responder do
mesmo modo que o faz a ciência. Esta tendência é uma fonte de metafísica e
deixa os filósofos na mais absoluta escuridão.”1b
Chesterton sublinha que muitas
afirmações que não são razoáveis, são na verdade erros gramaticais:
“Muitos dos desenvolvimentos idiotas do
nosso mundo na linguagem derivam apenas de ignorar os componentes e os
princípios da linguagem (discurso), que conhecemos desde crianças. Muitas
afirmações que não são razoáveis, são na realidade erros gramaticais. A confusão
gramatical de Descartes é a seguinte: não se diz “os meus olhos vêem o cavalo
no campo”, mas sim “eu vejo o cavalo no campo”.10
W. sobre as confusões filosóficas: “Eu
posso dizer que está a chover ou que não está a chover.
Ou digo que adquiri informação de que
está a chover?
O que confere a essa informação o valor
de ser considerada informação? Não é um erro afirmar que os meus olhos me deram
a informação de que está ali uma cadeira? Descartes caiu numa metáfora – está a
ser “científico”, descrevendo coisas a acontecer na sua mente que de facto não
está a ver.
Devemos recusar as explicações e
contentarmo-nos com a descrição.”1b,11
Descrever adquire o seu propósito pelos
problemas que resolve.
“A nossa civilização pretende ser
científica pelo modo como coloca as coisas; infelizmente nunca é científica com
o uso das palavras. É difícil acreditar que pessoas que são negligentes com a
linguagem possam ser responsáveis com as outras coisas. Se um astrónomo for
negligente com as palavras podemos duvidar que seja responsável com as
estrelas. Se um botânico for vago com as palavras, pode ser superficial com as
plantas. O homem moderno vê-se como um segundo Adão. Deu a todas as criaturas
nomes novos. Quando descobrimos que ele é tolo sobre os nomes, podemos pensar
que ele é tolo sobre as criaturas. Imagino que em toda a história do mundo, nunca
as palavras foram usadas de forma tão idiota e fora do contexto do seu real
significado.”12
“Insanidade” e “lunático” são
definições atribuídas pelo jornalista Chesterton aos pensadores modernos. Isto
porque o seu pensamento se caracteriza pela “combinação de um raciocínio
expansivo e exaustivo com um reduzido bom senso”. Eles não conseguem alterar o
seu ponto de vista, pois acreditam egocentricamente em si mesmos e na sua
filosofia. Negam os primeiros princípios e colocam a lógica como primazia do
pensamento. Começam por tentar tornar tudo mais claro, mas culminam numa
compreensão duvidosa sobre a realidade. Negando a douta ignorância perante o
contacto com a realidade, não se abrirão à admiração nem à filosofia.5,7
Um homem costumava ter dúvida sobre si
próprio mas não sobre a verdade. O louco só não perdeu a razão. Para um lógico
como Russell, a imaginação é vista como perigosa e supérflua; os poetas como
não confiáveis e pouco activos. A história contradiz isto: os poetas são muitas
vezes muito activos (por exemplo, Shakespeare e Camões).
“É pela sua utilização em
"contextos" que a linguagem adquire para nós sentido, antes mesmo de
a estudarmos. É uma coisa viva. A proposição em uso é como a primeira pessoa
usando a experiência prévia da terceira pessoa. É íntima com o que a rodeia; o
seu significado como conhecimento só se nota em retrospectiva. É a palavra
ontológica sobre a palavra epistemológica, contribuindo em primeiro lugar não
para o conhecimento, mas sim para ser, para viver.”1b
“Lutamos e andamos enredados numa
linguagem decaída, como homens enrolados nas pregas do pano de uma tenda
colapsada. O homem que não acredita nos sentidos e o que só acredita nos seus
sentidos estão ambos loucos. O erro não é do argumento, mas da sua forma de
vida. Peço desculpa mas eu não sou um filósofo profissional; sou mais parecido
com um charlatão, porque não perco o meu tempo em abstrações. Conheci em tempos
um filósofo em Oxford que estava tão fascinado com a sonoridade da palavra quá,
que resolveu escrever um livro chamado Quá, quá, quá.”13
“Toda a minha vida expliquei que o meu
compromisso foi para com as pessoas normais na sua vida normal. Não sou um
pedante. Sem as pessoas normais (normal significa comum ou, matematicamente,
norma, o valor que mais se repete), todo o mundo moderno colapsaria;
tornar-se-ia um asilo psiquiátrico. As pessoas comuns encontram-se numa posição
de transição (entre os intelectuais e a realidade).”14
W.: “Andamos numa guerra com a
linguagem. Estamos numa época em que o espírito da linguagem que alimenta a
vida necessita de uma reverência moral; o espírito da linguagem carece de uma
referência a Deus que não deixe o homem apenas no mundo dos sentidos.
Somos como um arco-íris aprisionado;
como se os regatos de água fresca das montanhas fossem todos transformados em
charcos dentro de quintas, dentro dos quais circulamos como peixes-gato que
tentam encontrar o seu caminho dirigindo-se para o fundo. Dantes víamos
claramente; agora só vemos sombras, devido à areia e lodo nos nossos olhos.
Um filósofo é um homem que tem que
curar muitas doenças intelectuais em si próprio até que chegue ao senso comum.
Se na vida nos encontramos rodeados de morte, também na nossa vida intelectual
nos encontramos rodeados de loucura. Trabalhar em filosofia é muito o trabalhar
em si próprio, na sua interpretação, no seu ego, no seu modo de ver as coisas.”15
“Eu e tu temos, espero, esta enorme
vantagem sobre esses novos filósofos muito espertos: é que não somos loucos.
Todos acreditamos na Catedral de S. Paulo; muitos de nós acreditam em S. Paulo.
Mas deixem-me alertar para o facto de que nós também acreditamos num sem-número
de coisas que são parte da nossa existência, mas que não podem ser
demonstradas. Deixemos a religião de fora desta questão. Todos os homens sãos
acreditam de forma firme e constante num determinado número de coisas que não
estão provadas nem podem ser provadas. Vamos enumerar algumas:
(1) Todo
o homem são acredita que o mundo e as pessoas à sua volta são reais, e não um
sonho ou uma ilusão. Nenhum homem incendeia Londres na convicção de que o seu
criado o acorda a seguir para tomar o pequeno-almoço. Mas o facto de que eu não
sou um sonho não pode ser indiscutivelmente provado. Que tudo não exista
excepto eu próprio não se consegue provar.
(2) Todo
o homem são acredita que este mundo não só existe como importa. Todo o homem
são acredita que nos devemos interessar pelo panorama da vida. Ninguém pensa
ser correcto alguém dizer: aquela senhora está a ser assassinada no andar de
baixo, mas eu vou dormir e não me interessa que apanhem o criminoso. Que exista
este dever de cidadania não é susceptível de prova.
(3) Todo
o homem são sabe que existe algo a que se chama ego e que é contínuo. Nada do
que aconteceu comigo há dez anos deixa de fazer parte de mim. Embora a matéria
do meu cérebro não seja a mesma de há dez anos atrás, se eu salvei um homem
numa batalha sinto-me orgulhoso, se eu fugi e o abandonei sinto vergonha. Isto
não só não se consegue provar, como é negado por muitos metafísicos.
(4) Por
último, a maioria dos homens sãos acreditam, e na prática assumem, que têm o
poder de livre escolha e a decorrente responsabilidade nas acções que tomam…
(5) Talvez
seja bom enumerar estes pontos aos cépticos para sabermos com que podemos
contar. E se à juventude do futuro não se puder ensinar nenhuma religião, ao
menos que se ensine de forma firme e inequívoca estas três ou quatro coisas
sensatas e certezas do livre pensamento humano.”16
António Campos
1 – Ludwig Wittgenstein. aTratado Lógico-Filosófico (1922)
e bInvestigações
Filosóficas (1953, 1958, 2001). Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2015.
Tradução e prefácio de M. S. Lourenço.
2 - Chesterton. The Critic, George Bernard Shaw.
3 - Ian Ground, F.A. Flowers III. Portraits of
Wittgenstein (2015). Wittgenstein: Conversations 1949-1951, O. K. Bouwsma. Bloomsbury,
ISBN 9781474260190.
4 - Chesterton, On The Classics, ILN Agosto 1929 e
Come to Think of It.
5 - Elias Claudino Sales Filho. A Concepção
de Realismo segundo a obra Ortodoxia de G. K. Chesterton, Tese (2012). Faculdade
Católica de Fortaleza, Fortaleza, Brasil.
6 - https://www.firstthings.com/article/2013/01/against-great-books.
7 - Chesterton. Ortodoxia e Introdução
ao Livro de Job.
8 - Tom Martin (University of Nebraska). Chesterton
and Wittgenstein (2005). American Chesterton Society, 24th G. K. Chesterton Conference,
A Century of Heretics, St. Thomas University, St. Paul, Minnesota. Disponível
no site da ACS.
9 - Wittgenstein para O. K. Bouwsma
sobre Descartes, em 1949 na Cornell. Ian Ground, F.A. Flowers III. Portraits of Wittgenstein (2015). Wittgenstein:
Conversations 1949-1951, O. K. Bouwsma. Bloomsbury, ISBN 9781474260190.
10 - Chesterton, ILN 16, Out 1904.
11 - John Heaton and Judy Groves. Wittgenstein for
Beginners. Penguin Books, London. ISBN 1 874166 17 X.
12 - Chesterton. São Tomás de Aquino.
13 - Chesterton, Palestra na Sociedade
Britânica de Filosofia, 1923.
14 - G K Chesterton ILN, 1926 (extrato
de uma conferência de Chesterton na sociedade filosófica britânica).
15 - Ludwig
Wittgenstein. O Livro Azul, 106-128. Edições 70, Lisboa, 2018.
16 - Chesterton. A Plea for a Popular
Philosophy (Daily News, 22 Junho de 1907).