domingo, 28 de fevereiro de 2016

O Pensamento Retrógrado





Tem havido muita confusão na modernidade sobre o que é ter um pensamento retrógrado.
E no entanto, o homem retrógrado é muito poderoso hoje em dia. Se não é omnipotente, é pelo menos omnipresente. Praticamente é autor de todos os artigos sobre moral, sobre reforma social, sobre ciência, sobre eugenia e planeamento familiar.

O pensamento retrógrado não é fácil de definir em abstrato. Provavelmente, a melhor maneira é pegar num determinado objecto, tão simples quanto possível, para ilustrar os dois modos de pensar: o modo certo, no qual todas as coisas se radicam e que se dirige delas para a frente, e o modo errado, que corrói todas as discussões modernas.

O homem é o único animal nu. E, esta qualidade, se foi outrora a sua glória, é agora a sua vergonha. Ele tem que sair de si para procurar no exterior tudo aquilo de que necessita. Pode mesmo ser considerado uma pessoa distraída que foi tomar banho e se esqueceu da sua roupa. Pendurou o seu chapéu no castor e o seu casaco na ovelha. O coelho tem um conforto branco como colete e o pirilampo tem uma lanterna como cabeça. Mas o homem não possui nenhum calor no seu pêlo e a luz do seu corpo é a escuridão. Ele precisa de buscar o calor e a luz neste universo frio e selvagem em que foi colocado.

E isto aplica-se tanto ao seu corpo, como à sua alma; ele é uma criatura que perdeu tanto o coração como o pêlo. Num sentido espiritual ele enlouqueceu e num sentido mesmo literal, ele é incapaz de conservar o seu cabelo. E tal como essa sua necessidade externa lhe acendeu num cérebro às escuras uma estrela poderosa chamada religião, também lhe acendeu na mão o único símbolo adequado dela mesma: refiro-me à rosa vermelha chamada fogo.



O fogo, o mais mágico e surpreendente de todos os materiais, é coisa apenas conhecida do homem e a expressão do seu sublime externalismo. Relaciona-se com tudo o que é humano no seu coração e com tudo o que é divino no altar. A sua presença é vida; o seu toque é morte. Portanto, é sempre necessário existir um intermediário entre nós e essa entidade terrível; ter um padre que interceda por nós perante o deus da vida e da morte; enviar um embaixador ao fogo. Esse padre é o atiçador.

Nesse serviço estóico e dedicado, ele é torcido e amolgado, o que é sinal da sua utilidade, como um qualquer soldado que tenha estado sob fogo. Quem pensa de forma correta conclui que existe uma hierarquia na relação: o atiçador para o fogo, o fogo para o homem, o homem para a glória de Deus. Este é o pensamento para a frente.



Agora analisemos o que é o pensamento retrógrado: Um intelectual moderno chega e observa o atiçador. Ele é um positivista, despreza os dogmas sobre a natureza do homem, ou confabulações sobre o mistério do fogo. Ele aceita só o que ele consegue ver: o atiçador. E a primeira coisa que ele consegue ver no atiçador é que ele está estragado.

Ele declara, alto e bom som, como são estúpidas as pessoas, que colocam o atiçador no lume e pela combustão química e pelo calor, o danificam e deformam. “Abolamos o fogo”, diz, “e teremos atiçadores perfeitamente direitos. De que nos serve o fogo afinal?” Explicam-lhe que uma criatura chamada Homem necessita do fogo porque não tem pêlo nem penas. Lança um olhar esquecido para as brasas, por segundos, e depois meneia a cabeça: “Duvido que tal animal seja digno de sobreviver”, afirma. “Ele deve encetar uma luta pela sobrevivência do mais forte, contra as outras espécies protegidas pela roupa e pelas armaduras naturais, contra os que têm asas e ferrões, cornos e cabelo desgrenhado. “Se o homem não consegue viver sem esses apetrechos, então que o homem seja abolido.” Neste ponto, a multidão resolve adoptar a regra e abole o Homem. Ou, pelo menos, um deles.


Questionemo-nos sobre o que realmente queremos da vida e não o que as leis recentes nos indicam que devemos querer, ou o que as filosofias sociais recentes vaticinam que nós um dia quereremos. O verdadeiro estadista não se encaixa nas condições existentes, ele denuncia as condições como não satisfatórias. A História é como uma grande árvore, que embora com um grande perímetro, se afasta para cima em pequenos ramos. E nós encontramo-nos nos ramos mais altos. Cada um de nós pretende dobrar a árvore pelo nosso ramo: mudar a Inglaterra por meio de uma colónia, capturar o Estado por meio de um pequeno departamento, ou destruir todas as eleições por meio de um voto. No meio de tanto desnorte, sensato é aquele que resiste à tentação da vitória fácil ou da rendição, e é feliz (num eco do poeta romano1) aquele que não esquece a raiz de todas as coisas.





G. K. Chesterton, Thinking Backwards, da colectânea A Micellany of Men.

Tradução: António Campos




1 Uma referência às Geórgicas de Virgílio: “Feliz o homem que é capaz de aprender a causa de todas as coisas.” 

Sem comentários:

Enviar um comentário