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3 comentários:

  1. Topei por ocasião do colóquio dos amigos de Chesterton com este blogue, chamou-me a atenção a profusão de peças sobre Kant, li... e o foi o mal que fiz! Não posso, agora, deixar de alinhavar a custo os seguintes reparos.

    Lê-se (http://sociedadechestertonportugal.blogspot.pt/2013/10/kant-para-principiantes-critica-da.html), «Para Kant, toda a ética que busque a felicidade é ilegítima, porque tem um “fim material”. O homem não deve agir para obter a sua felicidade ou a de outros, mas por puro dever, desprovido de emoções.»

    Ora, para Kant, a felicidade é o prazer nas suas múltiplas formas (não te vou massacrar com os textos... mas se leres o principiozinho da Fundamentação, vem logo uma definição disso e na Crítica da R. Prática, há um capítulo sobre a determinação do máximo bem, em que se distingue o supremo do completo, e aí vem a natureza e o papel da felicidade, em sentido kantiano... etc). Ora, se a felicidade é o prazer, agir por mor da felicidade é procurar o prazer, e uma ética baseada nisto não pode ser uma ética... como defende Kant...

    Na mesma linha, é por isso que um agente «não deve agir para obter a sua felicidade», isto, segundo o senso comum, até se chama egoísmo... mas Kant é claríssimo quando afirma que há um dever de promoção da felicidade alheia (e não do dever alheio...) (é curioso, pois, mesmo que má, já existe tradução portuguesa da Metafísica dos Costumes..., onde a coisa vem explicada)...

    Sem emoções?? E o que é a Achtung que acompanha todo o acto moral???? Se não é um efeito na capacidade de sentir, sc., emoção... a letra do texto de Kant deve ter mudado desde o tempo em que queimei os neurónios às voltas com ele...

    Lê-se logo a seguir no blog: «Não interessa o que eu faço, mas sim como faço aquilo que quero fazer.» Kantianamente falando, o como faço exclui logo muitas coisas que não podem ser feitas... Se é verdade que a boa acção é «aus Pflicht» e não apenas «pflichtmaessige», o apenas é fundamental, porque para ser «aus Pflicht» tem de ser «pflichtmaessige», logo nunca «pflichtwidrige»...

    Mas o mais espantoso é que... .... se lê o seguinte... «Kant, tal como Lutero ou Calvino, desvaloriza o valor das obras: “a acção em si não tem toda a força de um modelo e de um impulso para a imitação.” Kant desvaloriza o valor de um homem que morre ao salvar várias pessoas que se afogam. Aliás, o seu desprezo pelo homem concreto e apreço pelas entidades mais ou menos abstractas fazem-no afirmar que nutre mais apreço pelo homem que morre pelo seu país, embora, também aqui, desvalorize o valor da acção.» Dizer que Kant diz isto é cretino, mas o que me espanta é que das minhas leituras evangélicas... (corrige-me se estou enganado...), uma tal epístola aos Coríntios, a 1ª, cap. 13... um tal S. Paulo, pela mesma ordem de ideias, também despreza as obras... porque o seu valor é condicionado por uma tal coisa a que chama agapê...
    E muito mais haveria a dizer, linha a linha.

    Que se re-leia Kant, e já agora o capítulo 3 da Ortodoxia, de modo a perceber melhor o que é o bom senso...

    Saudações, Miguel Bagorro.

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  2. Caro Bagorro,

    Muito obrigado pelo seu extenso comentário. Muito divertido por sinal.
    Quanto ao conteúdo, é bem sabido que a interpretação de Kant proporciona momentos de singular divergência. Divergência essa que levou ao assassínio, há cerca de 2-3 meses, na Rússia. Portanto, nós que somos pessoas com sentido de humor não vamos perder o nosso tempo com tais minudências.

    Em homenagem a Kant, um formalista por excelência, vamos deter-nos um pouco na forma.
    A forma da sua exposição é deliciosa. Divertida, mesmo! Então o meu caro só sabe do que se passa no país a propósito do que acontece em Lisboa? "Topou" o blog por causa de um acontecimento da capital? Que civilidade e que urbanismo e universalidade dignos de admiração! O meu caro está quase kantiano pois o "mestre" também não saiu de Koenigsberg a vida inteira. É o que se chama ver as notícias na ponta do nariz. Bravo!

    Peço-lhe imensa desculpa pelo distúrbio que lhe provoquei por ler os textos sobre Kant. Para a próxima vez terão que ser acompanhados de um aviso de perigo para pessoas sensíveis.
    Confesso que adorei as palavras em alemão que enfiou pelo meio da sua cuidada exposição. Lembrou-me os gelados com stracciatela. Um texto assim torna-se muito mais credível, reduz ao mínimo qualquer pacóvio. É uma jogada digna de um político!

    Mas o que mais me divertiu foi que me pareceu que o meu caro teve uma espécie de teofania, pois toda a sua exposição revela o cuidado orientador e o ritmo de uma confissão laica:

    - Em primeiro lugar parece ter-se sentido ofendido, não por qualquer insulto (convenhamos que é uma força de expressão) dirigido à sua própria pessoa, mas por uma análise dirigida ao pensamento de uma terceira pessoa. Dizem os teólogos que é Deus que se sente ofendido quando atingimos terceiros.

    - Em segundo lugar, expõe-me a sua teologia kantiana, como dogma, não passível de outras interpretações. Foi a pensar em sábios como V. Exa. que tive o cuidado de mencionar extensa bibliografia, onde se encontra tudo o que está escrito e que V. Exa refere como apócrifo. Mas sabe, este é o problema da liberdade de expressão: por vezes lemos coisas que não nos agradam.

    - Finalmente atribui-me uma penitência: Que vá eu ler o 3º capítulo da Ortodoxia para saber o que é senso comum (ou será bom senso?). Confesso (perdoe-me a força de expressão) que esperava penitência mais dura. Imagine que me mandava ler a Fenomenologia do espírito de Hegel! Que iria eu fazer? Ou o doido do Foucault que diz que o discurso não exprime um significado! Bem, eu ficaria aterrorizado. Obrigado, meu caro! Foi indulgente!
    Felizmente, nós já lemos o cap. 3 de Ortodoxia e sabemos o suficiente para saber que estas palavras que nos dirigimos mutuamente possuem significado, precisamente porque as palavras de Foucault não exprimiam nada, eram bizarras, como um socialista como Vargas Llosa tão bem explica no seu livro A Civilização do Espectáculo.

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    1. Bem sei que não vou alcançar nenhuma redenção com a confissão em que me enfiou. Mas já Rousseau a tinha proposto e veja a misantropia em que acabou...E Dostoiévski ensinou-nos à exaustão que não existe alívio de culpa nem redenção na confissão laica.

      Finalmente divertiu-me outro pormenor: Pelo modo como trata dir-se-ia que andámos nos mesmos bancos da escola. É espantoso como não me lembro...Isso diverte-me imenso, pois existem uma série de factos do meu passado de que não guardo memória. Decerto compreenderá e estou seguro que não se sentirá desconsiderado.

      Sobre o valor da obras, enfim, seria discussão que encheria várias páginas e tenho dúvidas que estivéssemos de acordo - já é um must.

      Até um ignorante como eu sabe que se as obras não tivessem qualquer valor, não faria sentido uma ética de conteúdos e universal, como os dez mandamentos, nem existiria livre-arbítrio. E, independentemente do que o meu caro pense sobre esses assuntos, se continuar a ler São Paulo, não terá qualquer dúvida sobre a posição dele.

      Finalmente, confesso que irei ler o 3º cap. de Ortodoxia, como propõe. Será a terceira vez, mas eu sou um homem que não recusa uma oportunidade de ganhar mais bom senso. Dir-lhe-ei meu caro, que por mais insensato que fosse, nunca seria tão insensato que me esquecesse da cortesia. Porque eu não vejo semelhança só naqueles que pensam como eu; eu também vejo semelhança naqueles que pensam de forma diferente de mim.

      Peço muitas desculpas pela extensão. Deixei-me levar pelo entusiasmo. Agradeço-lhe a iniciativa divertida que teve, Bagorro. Foi um gosto!

      Com os melhores cumprimentos,

      António Campos

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