quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A Natividade



A Natividade,  G. K. Chesterton



O colmo no telhado, dourado,
De palha velha cheio de pó,
O vento como um repicar de trombeta,
Num uivo árido e gélido,
O cabelo da mãe iluminado
Apesar de solto, despenteado
Sob os beirais ao crepúsculo
Uma criança nasceu.



E se nascem milhares de crianças.
E se crescem milhares de crianças,
Na brutalidade, sem amor, amarguradas,
Criadas com ardis, selvagens e frias?
Deus permanece. Com uma paciência infinda,
Manso, sempre novo,
E uma vez mais, para essas crianças perdidas
Uma criança nasceu.



Que sabemos nós das eras de outrora,
Dinastias difusas, há muito esquecidas,
Impérios enormes, como sonhos perdidos,
Grandes metrópoles, há tanto tempo caídas?
Esta, pelo menos – entre bênçãos e maldições
Com rosas e com espinhos,
É o amor, e o seu grito ecoa entre elas,
"Uma criança nasceu."



Apesar de trevas uivantes, de sistemas,
Fantasias negras, que incomodam e contestam,
Ainda assim as plumas ondulam à nossa volta e sobre nós
As sombras aladas do amor:
Oh! Príncipes e padres, tende-lo visto
Lentamente crescendo, rompendo o vosso sarcasmo.
Grandiosas auroras tornaram-se ocasos; ó mudanças profundas,
Uma criança nasceu.



E as angústias do trabalho são douradas
Pela aurora da estrela do coração,
E os Reis Magos acercam-se no final do dia,
De quem está cansado de aprender e da arte,
E o rosto do tirano ensombra-se.
O seu espírito estilhaça,
Porque um novo rei é entronado; sim, o mais firme,
Uma criança nasceu.



E a mãe encanta-se com os sussurros
A primeira pista que vem do silêncio,
Ainda sente o desfraldar do momento alto
O brilho encarnado das asas de Gabriel.
O bebé por uma hora é um senhor
Vestido e servido por anjos,
Emmanuel, profeta, ungido,
Uma criança nasceu.




E vós, que estais ainda em vosso berço,
Que o sol coroa a vossa fronte.
Respondei-nos, nossa carne, respondei-nos,
Dizei, de onde vieste - Quem sois vós?
Voltaste à nossa Terra para nos ensinar
Para nos preparar ou para nos avisar?
Chiu! - como se pode saber? – Apenas sabemos que
Uma criança nasceu.




Tradução António Campos e Anália do Carmo




The Nativity,  G. K. Chesterton





The thatch on the roof was as golden,
Though dusty the straw was and old,
The wind had a peal as of trumpets,
Though blowing and barren and cold,
The mother's hair was a glory
Though loosened and torn,
For under the eaves in the gloaming
A child was born.

Have a myriad children been quickened.
Have a myriad children grown old,
Grown gross and unloved and embittered,
Grown cunning and savage and cold?
God abides In a terrible patience,
Unangered, unworn,
And again for the child that was squandered
A child is born.

What know we of aeons behind us,
Dim dynasties lost long ago,
Huge empires, like dreams unremembered,
Huge cities for ages laid low?
This at least--that with blight and with blessing
With flower and with thorn,
Love was there, and his cry was among them,
"A child is born."


Though the darkness be noisy with systems,
Dark fancies that fret and disprove,
Still the plumes stir around us, above us
The wings of the shadow of love:
Oh! princes and priests, have ye seen it
Grow pale through your scorn.
Huge dawns sleep before us, deep changes,
A child is born.

And the rafters of toil still are gilded
With the dawn of the star of the heart,
And the wise men draw near in the twilight,
Who are weary of learning and art,
And the face of the tyrant is darkened.
His spirit is torn,
For a new King is enthroned; yea, the sternest,
A child is born.

And the mother still joys for the whispered
First stir of unspeakable things,
Still feels that high moment unfurling
Red glory of Gabriel's wings.
Still the babe of an hour is a master
Whom angels adorn,
Emmanuel, prophet, anointed,
A child is born.

And thou, that art still in thy cradle,
The sun being crown for thy brow.
Make answer, our flesh, make
an answer,
Say, whence art thou come--who art thou?
Art thou come back on earth for our teaching
To train or to warn--?
Hush--how may we know?--knowing only
A child is born.


G K Chesterton's poem Nativity


segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Uma Canção de Natal – O Bebé Cristo no Colo de Maria






Uma Canção de Natal – O Bebé Cristo no Colo de Maria



O Cristo bebé repousa no colo de Maria.
O seu cabelo é como uma luz,
(Oh cansado, cansado está o mundo
Mas aqui tudo está no seu devido lugar.)

O Cristo bebé repousa no seio de Maria
O seu cabelo é como uma estrela
(Oh, austeros e astutos são os reis
Mas aqui é que estão os corações autênticos.)

O Cristo bebé afaga-se no coração de Maria
O seu cabelo é como um fogo
(Oh, cansado, fatigado, está o mundo
Mas eis aqui o seu desejo.)

O Cristo bebé sentado nos joelhos de Maria
O seu cabelo é como uma coroa
E todas as flores olham para cima
E todas as estrelas olham para baixo.

G. K. Chesterton, tradução António Campos + Anália Carmo




A Christmas Carol [The Christ-child lay on Mary's lap]


The Christ-child lay on Mary's lap,
His hair was like a light.
(O weary, weary were the world,
But here is all aright.)
 

The Christ-child lay on Mary's breast,
His hair was like a star.
(O stern and cunning are the kings,
But here the true hearts are.)
 

The Christ-child lay on Mary's heart,
His hair was like a fire.
(O weary, weary is the world,
But here the world's desire.)

The Christ-child stood at Mary's knee,
His hair was like a crown,
And all the flowers looked up at him.
And all the stars looked down.

G. K. Chesterton






sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A Trégua do Natal



A Trégua do Natal, G. K. Chesterton



No céu a paz profunda -
E na neve, selada em prata.
Os animais, perfilam-se no campo,
E os homens de súbito aparentam ser homens -
(Mas tome dez espadas; e dez vezes dez
E toque a corneta para enaltecer os homens;
Porque nós servimos todos os homens debaixo do sol,
E todos eles nos censuram, a cada um de nós;
Os avaros regateiam e os loucos agarram,
E é um risco muito elogiar.
Pois nós temos a língua solta
Que exalta o mundo para os filhos do mundo.)



A colina humilde e bucólica, a floresta
Curvam-se para o nascimento sagrado,
E por um momento, a terra
Indolente, com o amor divino -
(Mas põe-te alerta, que pronto estou eu,
Se a batalha começa e as armas correrem;
Porque nós servimos todos os homens debaixo sol,
E todos eles nos censuram, a cada um de nós;
Os homens que odeiam o rebanho, conjurados,
Para o orgulho e o ouro, e uma grande pluma branca
Está tudo escrito nas estrelas e na pedra
Que os homens que amam estão sós.)



A fome é dura e o tempo é difícil,
Mas abençoa os mendigos e beija os reis,
Pois a esperança irrompe do meio das coisas,
Nunca nada foi suficientemente louvado.
(Mas prepara o escudo para uma mudança súbita
E aponta a espada se fazes um louvor,
Porque nós servimos todos os homens debaixo sol,
E todos eles nos censuram, a cada um de nós;
O bobo e o mercador, o barão e o escravo
Odeiam-nos porque nós os amamos;
Apenas nas festas de Natal
Uma paz profunda reina no céu)




Passionate peace is in the sky--
And in the snow in silver sealed
The beasts are perfect in the field,
And men seem men so suddenly--
(But take ten swords and ten times ten
And blow the bugle in praising men;
For we are for all men under the sun,
And they are against us every one;
And misers haggle and madmen clutch,
And there is peril in praising much.
And we have the terrible tongues uncurled
That praise the world to the sons of the world.)

The idle humble hill and wood
Are bowed upon the sacred birth,
And for one little hour the earth
Is lazy with the love of good--
(But ready are you, and ready am I,
If the battle blow and the guns go by;
For we are for all men under the sun,
And they are against us every one;
And the men that hate herd all together,
To pride and gold, and the great white feather
And the thing is graven in star and stone
That the men who love are all alone.)

Hunger is hard and time is tough,
But bless the beggars and kiss the kings,
For hope has broken the heart of things,
And nothing was ever praised enough.
(But bold the shield for a sudden swing
And point the sword when you praise a thing,
For we are for all men under the sun,
And they are against us every one;
And mime and merchant, thane and thrall
Hate us because we love them all;
Only till Christmastide go by
Passionate peace is in the sky.)


[The end]
G K Chesterton's poem: Truce Of Christmas, tradução António Campos




quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O Lar do Natal



A Casa do Natal

G. K. Chesterton,  Tradução António Campos 

Correram com uma mãe para longe
Da estalagem, para deambular;
No local em que ela não tinha abrigo
Todos têm casa
A loucura do estábulo é o que resta
Em madeira que range, instável chão de areia
Surgiu algo que permanece e se ergue mais forte
Que as calçadas de Roma.




Porque os homens se fartam de casa
Se sentem estranhos debaixo do sol
Repousam as cabeças numa terra estranha
Até que acabe o dia
Aqui nós temos contenda e olhos ardentes
Oportunidade para a honra e a fascinação
Onde o conto de Natal se iniciou.




Uma Criança num estábulo insano
Onde bestas comem e se babam
Onde só Ele era sem abrigo
Estamos, eu e tu, em casa;
Temos belas mãos e cabeças
Mas perdemos o coração – há tanto tempo!
Num local que nenhum mapa ou navio podem mostrar
Debaixo do céu.




Este mundo é uma selva como o conto da velha viúva
E por estranhas que sejam as coisas simples
A terra basta, tal como o ar
Para o nosso espanto e a nossa guerra;
Mas a nossa paz encontra-se para além do sopro do dragão
A nossa paz consiste em coisas impossíveis
Onde asas inimagináveis se entrechocam com fragor
Ao redor de uma estrela incrível.


Para uma casa aberta, ao crepúsculo
A casa a que os homens regressam
Um local mais antigo que o Paraíso
Uma cidade mais ampla que Roma.
Para o termo do caminho da estrela errante
Para as coisas que não podem ser assim, mas são.
Para o local em que Deus era sem abrigo
E em que todo o homem se sente em casa.





The House Of Christmas

G. K. Chesterton

There fared a mother driven forth
Out of an inn to roam;
In the place where she was homeless
All men are at home.
The crazy stable close at hand,
With shaking timber and shifting sand,
Grew a stronger thing to abide and stand
Than the square stones of Rome.

For men are homesick in their homes,
And strangers under the sun,
And they lay their heads in a foreign land
Whenever the day is done.
Here we have battle and blazing eyes,
And chance and honour and high surprise,
Where the yule tale was begun.

A Child in a foul stable,
Where the beasts feed and foam;
Only where He was homeless
Are you and I at home;
We have hands that fashion and heads that
But our hearts we lost--how long ago!
In a place no chart nor ship can show
Under the sky's dome.

This world is wild as an old wives' tale,
And strange the plain things are,
The earth is enough and the air is enough
For our wonder and our war;
But our rest is as far as the fire-drake swings
And our peace is put in impossible things
Where clashed and thundered unthinkable wings
Round an incredible star.

To an open house in the evening
Home shall men come,
To an older place than Eden
And a taller town than Rome.
To the end of the way of the wandering star,
To the things that cannot be and that are,
To the place where God was homeless
And all men are at home.



sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Uma Canção de Natal para as Três Guildas




Uma Canção de Natal Para As Três Confrarias

Autor: G. K. Chesterton,
tradução António Campos + Anália Carmo


(Para ser cantada há muito tempo—ou doravante)




OS CARPINTEIROS

S. José disse aos carpinteiros no dia de Natal:
"O mestre deve ter paciência e o aprendiz deve obedecer;
E as vossas palavras para as mulheres não serão nem rudes nem duras:
Por respeito a mim, vosso mestre, que adorou Esposa e Filho.
Cuidadosamente montarão a cerca, com cuidado talharão a porta,
Com cuidado aplanarão a mesa—como se fosse para dar aos pobres,
E que todos os vossos pensamentos sejam doces e claros, como é clara a madeira de ácer.
Mas se eles rasgarem a Escritura, o toque dos sinos a rebate falará por mim!1
Que o sinal da madeira, que sobre vós paira, vos encha de orgulho
Maior que o leão de Lancelot que se suspende em Joyous Garde."2

1 Jet the tocsin ou o sino da alma que toca a rebate.
2 Nome que o castelo de Lancelot tomou após a visita de Guenivere e do Rei Arthur.




OS SAPATEIROS

São Crispim aos sapateiros cantados nas festas de Natal:
"Aquele que se adapta a qualquer pé não obterá nada de bom no orgulho.
Eles sangravam na Montanha, os pés portadores da boa nova,
3 
As correias de cujas sandálias não somos dignos de desatar.
Assegura-te que teus pés não ofendam, nem soergas a tua cabeça,
Pisa suavemente, nas ruas iluminadas pelo sol, o pó claro dos mortos.
Deixa que teus pés sejam calçados pela paz; sejam sempre humildes.
Mas se eles tocarem a Escritura, cravá-la-eis com as vossas facas.
E as lâminas da gente vulgar são como um grupo de jurados,
Tal como naquele dia uma chuva de setas caiu, no dia de São Crispim."



3 Is 52, 7-10: Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que proclama a salvação e diz a Sião: «O teu Deus é Rei». Eis o grito das tuas sentinelas que levantam a voz. Todas juntas soltam brados de alegria, porque vêem com os próprios olhos o Senhor que volta para Sião. Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém, porque o Senhor consola o seu povo, resgata Jerusalém. O Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as nações e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.



OS PINTORES

São Lucas aos pintores no dia de Natal:
"Olhem as vestes brancas que banhastes a dourado e vermelho;
Porque ouro, só os reis o podem dar, e o sangue, só os santos;
A vossa missão tornou-se arriscada porque trocastes as tintas.
Mantém a velha ordem; segue os homens que sabiam
O labirinto de preto e vestígios 
(branco), pela confusão dos verdes e azuis;
Pintem coisas grandiosas, pintem coisas insignificantes, pintem coisas tolas ou doces.
Mas se os homens rasgarem a Escritura, podeis massacrá-los na rua.
E se lhes pintais uma dedicatória, então… bem, vós o sabeis,
Pinteis uma cara da rameira que arrasta todos os heróis para o inferno."


4 Chesterton usa o trocadilho de pretos e brancos, blacks and whites, com pretos e vestígios (do tempo, i.e., tradição), blacks and whits.



TODOS JUNTOS

O Senhor Todo Poderoso declarou no dia de Natal:
"Eu resgatei-vos de ancestrais colinas vermelhas e, resgatando-vos, tornei-vos livres.
Havia uma Escritura, um desafio; que deixei num ribombar de trovão;
Podeis ser todas as coisas; excepto escravos.
Cansar-vos-eis das modas à medida que passam,
Mas se os homens duvidarem da Escritura, vós apelareis à Cruzada---
Trompetes e tochas e catapultas, canhões e arcos e lâminas,
Porque era o Meu desafio a todas as coisas que criei."



A Christmas Song For Three Guilds
Author: G. K. Chesterton
 

(TO BE SUNG A LONG TIME AGO--OR HENCE)



THE CARPENTERS

St. Joseph to the Carpenters said on a Christmas Day:
"The master shall have patience and the prentice shall obey;
And your word unto your women shall be nowise hard or wild:
For the sake of me, your master, who have worshipped Wife and Child.
But softly you shall frame the fence, and softly carve the door,
And softly plane the table--as to spread it for the poor,
And all your thoughts be soft and white as the wood of the white tree.
But if they tear the Charter, Jet the tocsin speak for me!
Let the wooden sign above your shop be prouder to be scarred
Than the lion-shield of Lancelot that hung at Joyous Garde."

THE SHOEMAKERS
St. Crispin to the shoemakers said on a Christmastide:
"Who fashions at another's feet will get no good of pride.
They were bleeding on the Mountain, the feet that brought good news,
The latchet of whose shoes we were not worthy to unloose.
See that your feet offend not, nor lightly lift your head,
Tread softly on the sunlit roads the bright dust of the dead.
Let your own feet be shod with peace; be lowly all your lives.
But if they touch the Charter, ye shall nail it with your knives.
And the bill-blades of the commons drive in all as dense array
As once a crash of arrows came, upon St. Crispin's Day."

THE PAINTERS
St. Luke unto the painters on Christmas Day he said:
"See that the robes are white you dare to dip in gold and red;
For only gold the kings can give, and only blood the saints;
And his high task grows perilous that mixes them in paints.
Keep you the ancient order; follow the men that knew
The labyrinth of black and whits, the maze of green and blue;
Paint mighty things, paint paltry things, paint silly things or sweet.
But if men break the Charter, you may slay them in the street.
And if you paint one post for them, then ... but you know it well,
You paint a harlot's face to drag all heroes down to hell."

ALL TOGETHER
Almighty God to all mankind on Christmas Day said He:
"I rent you from the old red hills and, rending, made you free.
There was charter, there was challenge; in a blast of breath I gave;
You can be all things other; you cannot be a slave.
You shall be tired and tolerant of fancies as they fade,
But if men doubt the Charter, ye shall call on the Crusade--
Trumpet and torch and catapult, cannon and bow and blade,
Because it was My challenge to all the things I made."

The end
G K Chesterton's poem: Christmas Song For Three Guilds




sábado, 7 de dezembro de 2013

SER E CONHECER





“No início do ser cristão não existe uma grande ideia ou uma decisão ética, mas sim um encontro. Um encontro com uma Pessoa concreta que dá à vida um novo horizonte, um rumo decisivo”.


O que é Deus ou quem é Deus?


Onde está a sua assinatura?


Porque não é a sua existência indiscutível?


Porque é que Deus ama?


Guarda alguma analogia connosco?


Qual o seu papel na condução do homem e da História?
É possível conhecer?
É possível conhecer Deus pela ciência?
O que é a Razão?




1 - O que é Deus ou Quem é Deus? 
Sem dúvida, Quem é Deus. Deus ou é um Ser, o Ser, ou não é nada. Se queremos discutir Deus, então é bom que à partida nos entendamos no que estamos a discutir, de outro modo estaremos encarniçadamente a discutir coisas ou pessoas diferentes. E deste modo, ninguém avança.
Por Deus entendemos um intelecto intuitivo, i.e., alguém que conhece no acto de existir. O que significa isto?
Cada um de nós conhece as coisas APÓS elas existirem. Os nossos pais já cá estavam, os nossos irmãos andavam na barriga da nossa mãe e quer coisas quer pessoas entram na nossa vida já depois de existirem. Para Deus não é assim. Ele cria, logo tudo o que existe, existe por seu intermédio. Por conseguinte, as coisas ou pessoas não lhe pré-existem. Ele não só já cá estava, como a existência das pessoas ou das coisas, saem Dele.

Portanto, crer ou não crer, mas num ser definido deste modo. Um intelecto intuitivo, criativo e Criador.

2 - Porque Deus ama?
Deus tem a liberdade de criar ou não criar, i.e., ele não cria tudo o que é concebível. Por exemplo não cria unicórnios ou sereias. Portanto Deus decide aquilo que vale a pena criar. Ama aquilo que criou.

3 – Guarda Deus alguma analogia connosco?
Kant dizia que ao homem cabe apenas um intelecto discursivo, i.e., as coisas pré-existem ao acto de conhecimento. Uma crítica que se pode formular é que existe apreensão de conhecimentos que não se processa pelos sentidos. Um exemplo é o êxtase dos santos e os milagres, mas fora da religião temos aquilo que é denominado por percepção extra-sensorial, os fenómenos déjá vu, etc.

Mas existe um fenómeno mais “terreno” e mais consensual que ilustra a natureza intuitiva do intelecto humano. O exemplo é a arte. Para o artista, a obra de arte sai de si próprio, ele conhece-a no acto da existência. Ele também interage com o que criou. Por isso existem rascunhos, rabiscos, maquetes,…Ele risca, corrige, apaga, reescreve; pinta, repinta e volta a pintar; desenha, apaga e volta a desenhar; toca e retoca, pausa e…volta a tocar. No final fica a obra prima. E ela não pode deixar de ser querida a quem a criou. Porque criação é separação, todo o artista ama aquilo que criou.


4 – O papel de Deus é intuído pela necessidade de existir um ordenamento moral. Quer a epopeia judaica, quer o milénio da Europa cristã, demonstram bem que não é o ordenamento particular de cada cabeça humana que pode fornecer um ordenamento jurídico comum. Kant propô-lo mas contraditou-se fatalmente ao confessar que cada homem apenas transporta o seu próprio bem-estar no coração. O sofisma do nosso tempo, com as diversas interpretações da lei, com a advocacia, com a deriva ética, quer nos valores humanos quer na alta finança, apenas exprime a desancoragem deste referencial sólido.

O futuro não é fixo, ele é determinado por uma série de acontecimentos ou factos inesperados, ele não tem a inércia de uma continuidade homogénea, sofre saltos, muitas vezes por catástrofes naturais, por catástrofes sociais, por catástrofes humanas ou pela existência de pessoas ou acontecimentos extraordinários. Encontram-se nesta categoria as aparições de Fátima, Joana d’Arc, o assassinato de John F. Kennedy, a vida de Lutero ou de Henrique VIII, etc.

5 – Não é possível pretender obter um conhecimento de Deus pela ciência e, ao mesmo tempo afirmar que não é possível conhecer. É verdade que o conhecimento científico assenta na observação, ele é indutivo, baseia-se em factos observáveis. As coisas são como são observadas, não são assim porque não pudessem ser de outro modo. Mesmo quando utilizamos o telescópio Hubble, um microscópio electrónico, um acelerador de partículas ou uma reacção de DNA por RT-PCR, na verdade apenas estamos a utilizar ferramentas que prolongam os nossos olhos.

Ora, não é possível ser-se um adepto da ciência, para negar a existência de Deus, e simultaneamente dizer que não existe possibilidade de conhecer. Não se encontra para este argumento outro significado que pura estupidez. Não é possível!

No que concerne à aplicação da lógica na investigação da existência de Deus é verdade que as posições não são equivalentes. Enquanto que ao crente basta afirmar a possibilidade da existência de apenas um ser de grandeza máxima, o intelecto intuitivo que é e que ama; ao ateu cabe a tarefa monstruosa de afirmar que de todos os seres possíveis existentes, nenhum é jamais em circunstância alguma, por qualquer que seja o critério lógico utilizável, um intelecto intuitivo que ama, um ser imortal de grandeza máxima. Percebe-se a dificuldade de analisar todos os seres possíveis existentes. Percebe-se a dificuldade das provas testemunhais de um dos povos mais instruídos da Terra, o povo judeu, cuja epopeia é, basicamente, a história de uma relação. Percebe-se a dificuldade das catedrais, da história europeia, do saber grego, do método científico com raiz na escolástica, das primeiras universidades. No caso português, até na sua História, na sua heráldica, no baptismo de índios e negros e, devido a isso, na miscigenação.

Pode obter-se uma evidência indiscutível da existência de Deus pela ciência? A resposta é não. Ela está no livro do Génesis, escrita muito antes destes aprendizes de feiticeiros, crentes e ateus, verdadeiros saltimbancos do nosso tempo. 
Deus diz a Moisés que ele apenas O pode vislumbrar de costas, após a sua passagem. 
Nós só obtemos provas da existência de Deus, pelo seu efeito nas coisas. Por observar que uma razão com analogia com a nossa preside ao universo. Que nós, se pudéssemos, provavelmente teríamos feito o universo assim. Uma experiência única é seguir um trilho numa floresta, acompanhado por um batedor experiente. É incrível aquilo que ele vê e nós não. O número de pessoas no trilho, incluindo mulheres e crianças; o tempo que se demoraram em cada etapa do caminho,…

É necessário ter o treino certo e ser bom observador para colher vestígios que outros não vêem.
É isso que são as profissões.
Assim é a ciência.  
Assim é a presença de Deus na ciência. 
As coisas estão lá, a única coisa que é necessário é mudar o nosso olhar. 
Por exemplo, o caso da sequência de Fibonacci e as espirais (1,1,2,3,5,8,…um número é obtido pela soma dos dois que o precedem). As espirais encontram-se no coruto da nossa cabeça, no pavilhão dos ouvidos, nas conchas, na casca do caracol, nas flores como o girassol, no ananás, nas pinhas de pinheiros, ramos de árvores, nas ondas do mar, nos furacões, em tornados, em funis nos oceanos ou na água que escoa do nosso lavatório, em certas orbitais atómicas ou nas galáxias, nas impressões digitais ou em construções como o Parténon.


6 – A ciência está acabada. Nós limitamo-nos a descobrir o que já está, o que é. No tempo de Aristóteles já estava presente o universo da mecânica clássica, da mecânica quântica, da relatividade. O ADN existe desde que há vida sobre a Terra.  A técnica é a nossa criação, a aplicação das nossas descobertas às nossas necessidades. Se o homem continua a caminhar sobre o tapete da ciência, a tentar descobrir o que já lá está, por vezes com recuos e correcções, porque razão é exigido ao homem que não possa caminhar no tapete da fé? Porque razão a descoberta da fé tem que estar terminada? O facto de o homem não saber tudo sobre a fé, implica tanto a não existência dela, como o facto de o homem não saber tudo sobre ciência implica a inexistência desta. Não estão ambas terminadas? Deus não é Deus e o Universo não é o Universo? Então, por o homem se encontrar a caminho, de uma e de outra, isso tem que implicar a existência de uma e a inexistência da outra?

7 – O que é a razão? De tudo o que foi dito, uma coisa o pensamento não é: mecânico! Ele é criativo e livre. Em ciência, o mecanicismo há muito ocupa o seu pequeno lugar. Sempre que se encontra uma evidência nova contra uma teoria, a ciência tudo refaz, não se limita a somar. Foi assim com a teoria quântica e a teoria da relatividade, foi assim com Ramon e Cajal e a sua teoria sobre o sistema nervoso central. A razão humana não se limita e recolher dados por observação, ela é também dedutiva e criadora. Só assim se compreende que a música e a pintura acompanhem a filosofia. 
Discutir Deus apenas na dimensão da ciência é reduzir Deus e o Homem, é entrar para uma caixa.

E como para acreditar na ciência é necessário acreditar que é possível conhecer, que o conhecimento apreendido pelos sentidos guarda alguma conexão com a realidade, que a razão humana é confiável, então uma razão circunscrita à ciência é, também ela, um acto de fé. E é chegado aqui que o sofista moderno tão defensor da ciência, acaba a defender o determinismo, o pensamento mecânico, a impossibilidade de conhecer, a incerteza na sua própria existência ou na dos outros. Este ser racional, que quer enfiar todo o universo dentro da sua pequena cabeça, entrou para uma caixa e, como qualquer louco, chama-nos a ela. O seu pensamento circular mata toda a criação; apagaram-se as últimas luzes, o crepúsculo abateu-se sobre ele para sempre. Tão cedo não abandonará a jaula…


8 – A assinatura de Deus é Jesus Cristo. Só a Ele e por Ele podemos contemplar Deus face a face. Conhecer não é apenas saber e saber não é apenas ciência. Conhecer é procurar a verdade. Conhecer a verdade tem como finalidade o conhecimento do bem. Estar na verdade não é apenas praticar o bem, é ser bom. Chesterton dizia que o filantropo pratica o bem, o Santo é bom. Como diz o Papa na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, citando Bento XVI, “no início do ser cristão não existe uma grande ideia ou uma decisão ética, mas sim um encontro. Um encontro com uma Pessoa concreta que dá à vida um novo horizonte, um rumo decisivo”. 

A fé não carece de demonstração na medida em que é uma relação com alguém que amamos. De que cor é o amor, qual a sua forma geométrica? Tal como o vento, a sua intensidade, a sua força…Chesterton dizia que o homem é o maior salto do reino animal; Cristo o maior salto do reino dos homens. 

Nos evangelhos encontra-se uma mensagem inefável de uma personalidade concreta. Ser cristão é estar apaixonado, é ser louco. 
Quisera ser louco, acompanhado por milhões de loucos, numa cacafonia de línguas; quisera ser louco acompanhado de loucos como Cauchy, Schrödinger, Gauss, Volta, Marconi, Heisenberg, Pasteur; louco a ouvir música de Haydn ou de Bach, de Verdi ou Pachelbel; louco e pintar como Rubens ou Rembrandt, como Velazquez ou Caravaggio; louco internado numa biblioteca ou numa universidade. 
As catedrais góticas são o meu hospício, as festas de verão as minhas manias, o silêncio o meu mutismo, as orações os meus neologismos, o vislumbre de Deus as minhas alucinações, a ajuda aos outros o meu delírio, a vaidade a minha ausência, a simplicidade a minha rigidez, a bajulação a minha neutralidade afectiva, a mulher que amo a minha dupla personalidade, a eternidade a minha paranóia, Cristo a minha ideia delirante.
Quisera ser louco…






António Campos