sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Burro


Talvez um dos aspectos mais negligenciados da esplendorosa festa dos Ramos seja o enigma do burro. Como tantas vezes, na comunicação entre Deus e o
Homem, existem vários níveis de leitura, vários significados, várias mensagens sobrepostas. Com o auxílio de Chesterton tentaremos uma aproximação à mensagem que o Mestre nos deixou nos Ramos.

O burro carregou com Jesus Cristo para Jerusalém. Mas também carregou com a Virgem Maria grávida no seu caminho para Belém. Um burro, não um cavalo. Pode argumentar-se que o casal de Nazaré não teria dinheiro para um cavalo, mas já é pouco provável que não fosse fornecido um ao messias de Israel. Ele, que quando necessitou, encontrou uma sala ampla preparada para a ceia ou um sepulcro novo por estrear. Um rei ou um general faz a sua entrada triunfal montado num cavalo, não num burro. Dizia-se que pela montada se conhecia o general. Imaginemos Wellington aparecer a Napoleão em Waterloo montado…num burro!




O burro, um animal vulgar, básico, pouco atractivo. Um verdadeiro marginal neste mundo. Mais uma oportunidade para que o diabo se ria de Cristo ao fazer a sua apresentação usando esta montada. O mais estúpido dos animais foi escolhido para apresentar o Filho do Homem como rei. Aqui reside a distância entre a sabedoria de Deus e a dos homens.


Esta história está carregada de simbolismo e aponta-nos para algo de mais profundo. As palmas significavam, no império romano, a vitória. Em 1 Mac o povo judeu também usa palmas para sinalizar a independência de Jerusalém. A multidão consagrou Jesus como rei. E como rei, fez uma entrada triunfal na cidade. Mas um rei montado num burro? Ainda hoje nós queremos um Cristo montado a cavalo, que combata por nós no mundo, que faça o nosso trabalho. O burro revela-nos a evidência: Jesus não é esse tipo de Messias.
A primeira mensagem dos Ramos é a humildade.
O Deus que nos ama é humilde.








The Donkey


G.K. Chesterton, 1900


Quando os peixes voavam e as florestas caminhavam
E figos cresciam de espinheiros,
Naquele momento em que a lua era sangue
Então, eu decerto nasci.



De cabeça monstruosa e grito horrível
Orelhas como asas errantes,
De mim até o diabo se ri

A anedota entre os de quatro patas.

O sem casta maltrapilho da terra,
De uma tortuosa vontade antiga;
Passo fome, açoites, escárnio: Eu sou burro,
Permanece o meu mistério.




Tolos! Eu também tive a minha hora
Uma hora tremenda e de júbilo
Um clamor nos meus ouvidos
E folhas de palma sob meus pés


O Burro, G. K. Chesterton (1874–1936), The Donkey, 1900
da colecção The Wild Knight and Other Poems (que inclui “By the Baby Unborn”)









Este poema aponta-nos não só para o burro, mas também para o nosso “animal de carga”, Jesus (Is 52:14).
Esta é a segunda mensagem. Jesus carrega connosco para o Céu.



Burro é a expressão usada para diminuir e ridicularizar os outros. Asno (ass em inglês ainda é mais pejorativo) não é um termo lisonjeiro quando aplicado a pessoas. Como Chesterton diz, ele é “a anedota que o diabo fez entre todos os quadrúpedes”, o desprezado pela altivez. O animal que apareceu no mundo quando aconteciam coisas estranhas - peixes que voavam, florestas que andavam - e a associação com a lua sangrenta (sinal de azar), remetem para um animal muito estranho e azarado. Por outro lado, lembram o homem: a noite em que eu nasci era uma noite que para mim não existia. Eu apareci neste mundo por vontade de outrem, não por mérito próprio.



Um burro carregado de livros é um doutor”. Este velho ditado português usa a imagem do burro no sentido pejorativo de fraude, aparência e posse de estatuto que não corresponde ao real valor do individuo.



Cabeça de burro é algo monstruoso, seja usado como substantivo seja como adjectivo. O zurrar do burro é doentio e ridículo - “eu sou disforme, só digo asneiras, não tenho valor, sou ridículo”. Figura do burro são também todos os ingénuos que não triunfam no seu trabalho e vêem os oportunistas crescer na vida e triunfar. Aqueles a quem não é dado valor, aqueles que nunca são escolhidos para lugares de topo, aqueles que não têm glamour. Esse é o grito do burro.

Essa é a terceira mensagem contida neste poema - o julgamento humano apriorístico, sobre si próprio e sobre o outro, a timidez, a falta de confiança e de auto-estima.




Para os que não atribuem ao burro qualquer valor é atribuído o epíteto de parvos, idiotas. O burro entrou em Jerusalém carregando o Rei do Universo. Este sentido de inutilidade é comum a quem se acha feio ou sem valor.
Perto destes mal-amados, está sempre Deus, como qualquer pai, enternecido.
 
Esta é a quarta mensagem: Deus vê o que o homem não vê, os seus pensamentos distam dos pensamentos humanos como o Céu dista da terra, o seu julgamento não assenta em valores mundanos.

Qual foi o mistério do burro?
 
O que lhe permitiu ultrapassar o desprezo e o "erro" da criação?



Foi a intimidade com Deus.
A partir de então ele sabe que é amado por Deus. Afinal existe um grande sentido na sua criação. Muitos de nós, não estando contentes consigo próprios - com o seu corpo, com o seu intelecto, com as suas realizações - poderíamos aprender com o segredo do burro. Uma mensagem dos Ramos: Cristo veio para que os coxos andem, os surdos ouçam, os cegos vejam. Para abençoar os pobres em espírito.


Qual o segredo do burro? É simples: Foi escolhido por Deus, SI 139 (“Vós é que plasmastes o meu interior, me tecestes no seio de minha mãe…conheceis a sério a minha alma…nada da minha substância escapava, quando era formado no silêncio, tecido nas entranhas da vida humana…”)! 

Para aplanar o caminho do Senhor, Is 40:3 (”aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças, têm asas como a águia, voam velozmente sem se cansar, e correm sem desfalecer”) e fiquemos em paz, sem medo, Jo 14:27 (“Deixo-vos a minha paz, a Minha paz vos dou...”). Devemos agradecer pela vida que nos foi dada gratuitamente e pela fé.
Esta a quinta mensagem contida no poema.





O burro retrata também uma atitude dos homens. A Igreja tem dois pilares que são um exemplo demonstrativo. Paulo, um verdadeiro “cavalo” intelectual, viveu como “cavalo” até ao relâmpago, seguido de apagão, em Damasco. A partir daí preferiu, apesar de “cavalo”, viver como “burro”. Pedro, um real “burro”, sempre viveu como “burro”. E nas duas vezes que preferiu fazer de “cavalo” levou as duas maiores repreensões públicas da sua vida. Uma do próprio Cristo em Mt 16, 22-24 e Mc 8, 32-34, outra de São Paulo em Gal 2, 11-15. Assim ficamos a saber que Cristo escolheu para a base da sua Igreja apenas um homem muito comum.
Esta sexta mensagem é uma atitude que assenta no mesmo valor da primeira, uma qualidade que nunca se vê no Mal: a humildade! A humildade sem hipocrisia, a humildade não fingida, o esquecer-se de si, nunca vem do Inferno - é uma distinção segura.




E, finalmente, talvez ainda se possa extrair uma sétima mensagem: neste mundo secularizado, onde acreditar que só Cristo é Filho de Deus é tido como intolerante, talvez a atitude mais certa a tomar por quem transporta em si a fé em Cristo seja a de ser humilde mas firme, como o burro.


Muitos católicos acolheram a eleição do Papa Francisco como se tivessem passado de “cavalo” para “burro”. Mas o próprio Francisco de Assis considerava ser o seu corpo um “asno”. “São Francisco considerava burro o seu próprio corpo. Ele era como aquele burro comum ou de jardim que levou Cristo até Jerusalém.” Chesterton, São Tomás de Aquino, 1933.
No meio de tanta metáfora asinina e cavalar, nem faltou um doutor ser conhecido como boi. E logo boi mudo.



Ninguém é impecável! Quem se pode ter em conta de juiz? Em Fátima a própria Lúcia duvidou em certa altura se não estava a falar com uma entidade infernal. E o que lhe foi respondido? “No Inferno não falam assim!” E o que sempre repetiu enfaticamente: “Rezai pelo Santo Padre!” Deixemos pois o lugar de “cavalo” e sejamos “burros”. Façamos o que Ela nos pediu: “Rezai o terço e rezai pelo Santo Padre!”.
Queremos mudar o mundo? Porque não então mudarmo-nos a nós mesmos primeiro?





António Campos

Anália Carmo






















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