domingo, 1 de novembro de 2015

A BALADA DOS CONSTRUTORES DE DEUS




Pela madrugada um passarinho voou
De um ninho onde nascera

E de véspera lançara

Medo sobre os reis da terra.


A primeira árvore onde poisou
Era verde de folhas perenes;

A segunda árvore em que poisou

Era vermelha com maçãs vermelhas;


A terceira árvore onde poisou
Era estéril, acastanhada

Excepto por um morto nela pregado

Desde então numa colina sobranceira.


Nessa noite os reis da terra estavam alegres
De taças e cálices cheios;

Na noite de véspera estavam gelados
Com medo de um homem nu.


"Se ele continuasse a conversa", disseram,

"O escravo seria mais do que o homem livre;
Se ele dissesse mais um par de palavras", disseram,

"As estrelas ficavam debaixo do mar."


Disse o Rei do Leste ao Rei do Oeste,
"Eu sentia que nos olhava com severidade,

Olha, matemo-lo e façamo-lo esterco,
E rapidamente o esquecerão."


 Disse o Rei do Oeste ao Rei do Leste,
"Eu senti medo com o seu sorriso,

 Nã, matemo-lo e façamos dele deus,
Convém-nos um deus morto."


Mandaram esse jovem para uma colina
E pregaram-no num madeiro;

E no meio de trevas e de sangue
Para eles fizeram um deus.


E a última palavra não soou,
E o mundo ficou sem marca

E o melhor dos filhos de homem
Foi-se mudo, na escuridão.


E vieram os cânticos e as harpas,
Incenso, ouro e mirra,

E elevaram sobre os Serafins
O pobre carpinteiro morto.


"Tu és o príncipe de todos", cantaram,

"Da terra, do ar e do mar."

Foi então que o passarinho voou para a cruel cruz
E se escondeu nos cabelos do morto.




"Tu és o filho do mundo", gritaram,
"Fala, se as nossas orações forem atendidas."

 O pássaro castanho agitou-se no cabelo
Dando a impressão de que o morto se mexera.



Ouviu-se um guincho tal como do mundo o último grito
De todas as nações debaixo do céu

E um senhor caiu perante o escravo
E suplicou pelo perdão.


Acovardaram-se, ao contemplar os seus olhos reabertos
A antiga ira por vir;

O pássaro voou do cabelo do Cristo morto,
E pousou num limoeiro.


G. K. Chesterton, A Balada dos Que Constroem Deus




Tradução idiomática: António Campos


Nota: naturalmente dedicado a todos os filósofos da sexta-feira especulativa, porque o homem não pode mais. E um agradecimento profundo aos monges copistas que evitaram a perda dos escritos clássicos e permitiram a estes filósofos modernos retornarem ao patamar dos gregos: a sexta-feira especulativa – um agradecimento que eles próprios nunca tiveram a grandeza de fazer.


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