segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Chesterton Para Principiantes - Dialética: Entre o Optimismo e o Pessimismo







O materialismo filosófico possui várias dimensões. Talvez a mais importante seja a da
indiferença perante a origem sobrenatural e o destino do homem. Toma a premissa de que a matéria física é a única realidade cognoscível. O pensamento pós-darwiniano foi essencialmente materialista, mecanicista, nominalista e monista. A maioria dos ismos do séc. XIX – liberalismo, racionalismo, marxismo, positivismo, agnosticismo – são antropocêntricos e materialistas. As teorias naturalistas foram construídas como métodos de análise e captura da realidade. O volte-face mais importante deu-se a partir da filosofia analítica pós-darwiniana e da psicologia subjectiva freudiana, ligando toda a vida mental exclusivamente a factores de natureza biológica e empírica. Freud, ao sugerir um enorme iceberg determinante do comportamento humano, pretende lançar as maiores dúvidas sobre a validade da razão humana e do homem como ser racional. Em 1913, o behaviorismo apagou as diferenças entre o homem e o animal ao postular o mecanismo estímulo-resposta como o único elemento justificativo do funcionamento da mente.


A filosofia materialista conduziu a duas conclusões diferentes:

- Para Herbert Spencer e Huxley, darwinista, existia uma visão optimista do futuro alicerçada numa inevitabilidade do progresso evolucionista. Os positivistas como Comte também acreditaram numa crescente organização social, política e religiosa no caminho fixo rumo à perfeição.

- A outra conclusão era a de que o homem estaria refém de um universo mecanicista, indiferente, e das forças da natureza, que exerceriam uma força arbitrária sobre ele – o dilema do homem pré-determinado e enclausurado. Incapaz de determinar o seu destino, o homem cessa a sua condição de ser moral.

O materialismo filosófico moderno é, pois, ou optimista ou pessimista. A teologia do livre arbítrio e do pecado foi pois rejeitada em favor de um comportamento naturalista determinado por forças biológicas, psicológicas ou sociológicas. A concepção de uma razão inata e de uma ética universal foi substituída pela concepção pragmática de que não existem realidades prévias impressas na natureza humana ou no universo e a de que as normas morais, a ética social e a lei, evoluem naturalmente como resultado da  contingência e da experiência.

Para os pessimistas o homem encontra-se excluído da redenção. Para os optimistas o homem redime-se a si mesmo. A Encarnação, a cruz, a ressurreição, ficam esvaziadas de significado. Pio X na encíclica Pascendi Dominici Gregis classificou o modernismo como a síntese de todas as heresias. Os modernistas, influenciados por Henri Bergson, rejeitaram a ideia de que a fé é de natureza intelectual. Defendiam que Deus era mais conhecido pelas emoções do que pela razão e de que o dogma resultava da experiência concreta e se encontrava sob a influência do processo evolutivo. Partilhavam as premissas neo-kantianas de que o sobrenatural não podia ser apreendido pelo conhecimento racional. Essa foi a premissa de Nietzsche.



Qual a natureza do ser e da existência? Existe uma realidade externa ao sujeito pensante? Como se explica o pensamento? Como se comunica Deus com o homem? Existe uma estrutura moral no universo apreensível por todos? Estas são as grandes questões filosóficas e epistemológicas.

Chesterton responde dizendo que existe uma realidade de objectos tangíveis fora de nós próprios. A realidade existe. A certeza e a consciência existem. O conhecimento inicia-se com o que apreendemos pelos sentidos mas é completado pelo intelecto conceptual (comum a todos os homens) que é capaz de intuir a natureza essencial das coisas.
Portanto, a verdade absoluta e universal existe e está disponível a todos os homens mediante o uso da razão. A razão separa o homem dos animais e liga-o a Deus. O intelecto segue o trajecto que o conduz a Deus mediante a busca da causa primeira e da razão suficiente de todas as coisas. A fé é, então, uma faculdade do intelecto e o produto de um processo racional.

Quer o idealismo, quer o pragmatismo, quer o materialismo, quer o cepticismo, quer o utilitarismo, carecem de senso comum, produzindo apenas dúvida e desespero, e espalham as sementes do permissivismo moral e do julgamento privado subjectivo. O homem oscila então entre sujeito ou ordenador de uma moral sempre em mudança ou objecto de uma tirania da lei da selva, à qual se tem que cegamente submeter, como apenas mais um dos animais. Numa versão é um deus de um universo pequeno – aquele que tem dentro da sua cabeça -, na outra é um mero objecto minúsculo das forças terríveis de um universo monstruoso e inexorável; mera folha seca açoitada pelo vento, abandonado ao determinismo da natureza e da História.



Para Chesterton, o homem é dotado de livre-arbítrio, sendo responsável pelas suas acções morais. Essa responsabilidade implica uma fonte externa para a moralidade e uma aplicabilidade universal, para manter a igualdade e justiça perante todos os homens. Mas o homem também possui a faculdade do arrependimento. Ao escolher tal via o homem reencontra o caminho da virtude. O facto de o homem ser pequeno não o inferioriza no universo, pois no universo as coisas pequenas têm o mesmo poder das grandes, como o atesta a microscopia e a ultra-estrutura. O homem não é menos importante do que a girafa ou o elefante. Por outro lado, se o homem não se colocar numa posição pequena, i.e., de humildade, não franqueia a porta do conhecimento. Conhecer é aprender e só aprende quem escuta e age, não quem pensa ser a fonte do próprio conhecimento.

O que o tomismo ataca no modernismo são as suas premissas formais, neo-kantianas: o ênfase no sujeito do conhecimento em vez de no objecto, e a assumpção de limites no intelecto racional para a apreensão de uma realidade universal. O tomismo assume um antagonismo relativamente à ideia de uma realidade instável, mera mudança ou fluxo, traduzindo-se numa oposição aos subjectivistas neo-kantianos, como Dewey e Bertrand Russell, que defendiam precisamente que os conceitos e o conhecimento conceptual são mutáveis e modificáveis (se é que o conceito precisamente se lhes pode ser aplicado, seguindo o seu próprio raciocínio).

Contrariamente a subjectivistas como Freud, Lawrence, James Joyce, Franz Kafka e Nietzsche, que viam no irracional submerso “cá dentro” a origem última das coisas, o tomismo acreditava numa realidade externa, na validade dos sentidos e da razão para a alcançarem e na existência de verdades universais e imutáveis.



Cada idade rescreve a História para coincidir com a sua própria visão da realidade.




António Campos

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