segunda-feira, 5 de agosto de 2013

G.K. Chesterton sobre Joana d'Arc, Ortodoxia, 1908



Ela era pragmática, alguém que fez obra, enquanto que eles eram apenas teóricos que nada fizeram.


As areias do Algarve, entre o azul celeste e o azul turquesa do mar (esse Atlântico norte selvagem
que uiva e bate, das costas da Cornualha até às costas do norte e centro de Portugal, que se atrasa e amansa a sul, à entrada das colunas de Hércules), dão-nos o leito para fazer eco dos textos escritos por Chesterton sobre a fenomenal Joana d’Arc, heroína do mundo católico e do mundo latino.

Chesterton escreveu sobre Joana d’Arc pelo menos dez textos, em livros ou ensaios: no capítulo 3 de Ortodoxia, 1908; The Maid of Orleans, de All Things Considered, 1908; no Illustrated London News (em 23.06.1923, em 07.07.1923, em 12.04.1924, em 30.08.1924, em 25.07.1925, em 15.08.1925); Santa Joana e a Nação de 12 de Abril de 1924. Tal importância deriva de vários factores: Joana representa a fixação mais a norte da fronteira do mundo latino, o triunfo do direito sobre a usurpação, a construção definitiva do conceito de nação, o triunfo do cavaleiro sobre o progressista, a intervenção de Deus na História, o papel central da França na história da Europa. Nos próximos dias publicaremos extractos de alguns desses ensaios.

Iniciamos pelo texto de Ortodoxia a propósito da crítica de um livro do céptico Anatole France sobre Joana d’Arc:

Joana d’Arc não ficou imobilizada numa encruzilhada, quer rejeitando todos os caminhos como Tolstoi, quer aceitando-os a todos como Nietzsche. Ela escolheu um caminho e foi por aí fora, como um raio. Contudo, quando penso em Joana d’Arc, vislumbro tudo o que há de verdadeiro, quer em Tolstoi, quer em Nietzsche, em tudo o que existe de tolerável em cada um deles. Penso em tudo o que há de nobre em Tolstoi, o prazer das coisas simples, especialmente a compaixão, o gosto pelas coisas práticas da vida, a empatia pelos pobres, a dignidade da reverência.

Joana d’Arc tinha tudo isso, com esta grande diferença: ela para além de admirar a pobreza, era efectivamente pobre; enquanto que Tolstoi era apenas um aristocrata tentando desvendar o segredo da pobreza. 
E penso no que existe de coragem, orgulho e patético no pobre Nietzsche, na sua revolta contra o vazio e conformismo do nosso tempo, no seu grito pelo aprumo extático perante o perigo, na sua ânsia pela investida de grandes cavalos, no seu grito às armas. Bem, Joana d’Arc tinha tudo isso, e com esta diferença: ela não elogiava a guerra, ela combateu. Sabemos que ela não temia um exército, enquanto que Nietzsche, por tudo o que sabemos, até de uma vaca tinha medo. 

Tolstoi enalteceu os camponeses; ela era uma camponesa. Nietzsche enalteceu os guerreiros, ela era um soldado. Ela bateu-os a ambos, nos seus ideais antagónicos; ela era mais dócil do que um, mais violenta do que o outro. No entanto, ela era pragmática, alguém que fez obra, enquanto que eles eram apenas teóricos que nada fizeram. 

Era impossível que não me ocorresse que talvez ela - e a fé que professava - detivessem um qualquer segredo de unidade e utilidade moral, um segredo que se perdeu. E com essa ideia veio uma outra, mais grandiosa, e a figura colossal do seu Mestre atravessou o teatro do meu pensamento. 




António Campos

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