segunda-feira, 27 de maio de 2013

Eça de Queirós e G K Chesterton I








Quanto ao Sr. Eça de Queirós e aos seus amigos deste lado do Atlântico, repetirei que o autor d’O Primo Basílio tem em mim um admirador de seus talentos, adversário de suas doutrinas, desejoso de o ver aplicar, por modo diferente, as fortes qualidades que possui; que, se admiro também muitos dotes do seu estilo, faço restrições à linguagem; que o seu dom de observação, aliás pujante, é complacente em demasia; sobretudo, é exterior, é superficial. O fervor dos amigos pode estranhar este modo de sentir e a franqueza de o dizer. Mas então o que seria a crítica?

Obra Completa de Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. III, 1994


É interessante estabelecer um paralelismo entre o pensamento de Chesterton (1874-1936) e a obra de um escritor praticamente seu contemporâneo, Eça de Queirós (1845-1900), que viveu em Inglaterra em Newcastle-upon-Tyne (1874-1879) e em Bristol (1879-1888). Viveria apenas dois anos na sua amada Paris (1888-1900) onde viria a morrer de tuberculose.

Distinguem-se claramente dois períodos na obra de Eça de Queirós. No primeiro período, Eça criticou a Igreja Católica numa época em que era popular e moderno fazê-lo. O incesto e o adultério, a luxúria e a lascívia, eram assuntos principais dos seus romances, como em O Primo Basílio (onde é manifesta a influência de Balzac) e até no mais tardio Os Maias, menosprezando a fé como em A Relíquia ou o celibato como em O Crime do Padre Amaro (onde a influência de Zola é por demais evidente).
As correntes literárias na Universidade de Coimbra, nomeadamente com a Questão Coimbrã, e a simpatia com o pensamento francês (Balzac e Baudelaire em particular), trazido pelos ares do novo caminho de ferro, o Sud Express, que chegava de Paris, criaram uma moda, uma atmosfera, de desprezo e ataque à Igreja Católica. Assumido homem racionalista, experimenta com os seus amigos positivistas e socialistas a incerteza mística. Já em Lisboa, forma o grupo ironicamente denominado Cenáculo, com Antero de Quental, Teófilo Braga e Ramalho Ortigão. Antero de Quental intervalava o socialismo e Proudhon com o misticismo e o pessimismo, acabando por se suicidar. Teófilo Braga, que viria a ser um dos presidentes do desastre a que chamaram Primeira República, era socialista, ateu, mas místico, ferozmente anti-clerical. Nesse grupo, destinado a continuar em Lisboa a atmosfera coimbrã, insultavam-se a Igreja Católica, Deus e todas as instituições da sociedade. Elaborou os poemas satânicos da personagem Fradique Mendes. É marcada a influência de Baudelaire e do simbolismo, estética que poderia ser considerada a precursora do desconstrucionismo na arte e na filosofia. É neste seu período, sobretudo a propósito de O Primo Basílio e de O Crime do Padre Amaro, que o excelente Machado de Assis (1839-1908) lhe faz uma crítica contundente e mordaz, inteligente e assertiva.
No segundo período, que compreende Os Maias, A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras, manifesta-se a crítica a uma ralé aristocrática, que fazia do adultério passatempo e do ócio modo de vida. Eça apontava essa decadência moral, como quem expõe a fraqueza do puritanismo, como quem diz que o sinistro Mr. Hyde é, na verdade, o respeitável Dr. Jekyll, mas se abstém de fazer um juízo moral ou propor um comportamento alternativo. Neste período manifesta-se um desencanto com o mundo moderno e um desejo de retorno às origens. Foi nesta altura que este homem, esguio e recatado, casou, teve quatro filhos e sofreu marcada influência da sua longa estadia em Inglaterra.
Apesar de uma reaproximação à Igreja Católica, o misticismo marca-o até final da sua vida e é espantoso como entre o seu mobiliário de Paris, parte dele conservado actualmente na “Casa de Tormes”, que pertence à Fundação Eça de Queirós, se encontra uma mesa e candeeiro onde, com os seus amigos, fazia sessões de espiritismo.
Se o percurso de Eça foi o de uma busca do materialismo a partir de um ambiente religioso, o de Chesterton foi o de partir de uma Inglaterra vitoriana, puritana, fortemente anti-papista, ter uma passagem pelo deserto do agnosticismo, chegar a algo próximo de um anglicanismo da Igreja Alta e, finalmente, a assumpção do catolicismo, destemidamente, com confessa simpatia por Manning e Newman, e proximidade ou mesmo intimidade com John O’Connor e Ronald Knox. Chesterton foi sempre um apologista de uma concepção católica do Universo, mesmo antes da sua entrada na Igreja Católica em 1922. Chesterton teve sempre uma moral, um comportamento e uma teologia a propor. Converteu muitos antes de entrar, continuou, e continua, a converter muitos após a sua entrada na Igreja. Seguramente foi, inicialmente, um católico dos que ficam no Adro e indicam a quem passa o caminho da Igreja, mas nunca foi um daqueles católicos exemplares que só se sentem bem na sacristia e que, fora dela, a ninguém conseguem mostrar o caminho da Igreja.
Outra faceta distintiva do carácter de Chesterton é que ele não se limitou a revelar o que estava mal. Fez um juízo e propôs um caminho alternativo, uma moral e uma teologia.
Finalmente, tudo na sua vida era um espelho do que opinava e escrevia. Chesterton era transparente como o cristal. Não sofreu influência de modas nem de correntes literárias e nunca ambicionou sublimar a sua escrita ou rotulá-la. Como bom jornalista, a escrita era a sua forma de comunicar, o seu dom natural.





António Campos

Anália Carmo (revisão e correcção da primeira parte de três)

2 comentários:

  1. Publiquei:

    http://historiamaximus.blogspot.pt/2013/08/eca-de-queiros-e-g-k-chesterton.html

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  2. Eu procuro, graças a Deus, não sem terríveis dificuldades e com recorrências inumeráveis ao confessionário, ser um católico do adro e da sacristia conduzindo as pessoas à Igreja.

    Visitem o meu blog, basta clicar no meu nome que se segue João Emiliano Martins Neto

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