sábado, 22 de dezembro de 2012

Esperança e Natalidade



O problema da natalidade, em Portugal como na Europa toda, mais do que uma questão de fé é uma questão de ordem metafísica. Digo-o com palavras de Rémi Brague, mas digo o que penso, que é isto: uma sociedade só se renova se acreditar, seriamente, no futuro. A natalidade, por isso, torna-se sociologicamente inexplicável se não tiver por detrás uma visão de esperança, ou seja, se não existir uma forte convicção de que é melhor viver do que morrer, ser do que não ser, acreditar do que desesperar, fazer do que não fazer, pensar do que adormecer, amar do que ser amado, etc. E por isso digo: uma cultura que perde a sua matriz metafísica mais profunda, torna-se uma cultura tendencialmente estéril, incapaz de gerar, incapaz de acreditar, incapaz de se abrir ao desabrochar da vida. 
Claro, a vida é sempre um milagre. Mas os milagres não se vêem se não tivermos a visão que lhes é adaptada, ou seja, aquele olhar que do pouco faz muito, que do bom faz coisa melhor, que do mal tira o bem que nele se possa aproveitar. 
Sim, a natalidade é uma questão de fé. Mas a fé tem pressupostos racionais que não se podem dispensar. Ora o que acontece em Portugal, e a Igreja tem de se perguntar sobre o papel que neste desastre também tem, como todos de resto temos, é que de há anos a esta parte se têm vindo a perder as razões da esperança, a vontade de futuro, a crença de que o amanhã é possível e, não menos, o reconhecimento de que sem o nosso agora e a sua decisão nunca haverá natalidade que chegue.

As inquietações actuais de um amigo anónimo e a resposta de Chesterton em Hereges:



"Ser materialista não é coisa natural, nem produz nenhuma impressão natural. Não é natural contentar-se com a natureza. O homem é místico. Nascido como místico, morre também quase sempre como místico, sobretudo. Mas, enquanto todas as sociedades humanas mais cedo ou mais tarde, sentem esta inclinação para as coisas extraordinárias, é-se forçado a confessar que apenas uma delas toma em consideração as coisas da vida ordinária. Todas as outras põem de parte o que é de todos os dias, e desprezam-no...


Muitas correntes místicas abalaram o mundo; apenas uma se conservou: o santo está ao lado do homem simples; o peregrino mostra amor à família; o monge defende o matrimónio. Entre nós, o óptimo não é inimigo do bom. Entre nós, o óptimo é o melhor amigo do bom. Qualquer revelação visionária degenera por último numa ou outra filosofia indigna do homem, em simplificações perturbadoras, em pessimismo, em optimismo, em fatalismo, em coisa nenhuma, em nada, em não-sentido, em absurdo. Todas as religiões têm em si qualquer coisa de bom, mas o bom, a sua mesma realidade própria, a humildade e amor, e ardente gratidão a Deus, não se encontra nelas. Quanto mais profundamente as conhecemos, e até quanto maior reverência por elas sentimos, mais claramente o compreendemos. No mais profundo delas encontra-se qualquer outra coisa que não é o puro bem; encontra-se a dúvida metafísica acerca da matéria, ou a voz forte da natureza, ou, no melhor dos casos, o temor da lei e da divindade.


Se estas coisas se exageram, surge uma deformação que pode ir até à adoração do demónio. Tais religiões só são toleráveis enquanto passivas. Enquanto permanecem inertes, podemos respeitá-las como ao protestantismo vitoriano. Mas o entusiasmo mais ardente pela Santíssima Virgem, ou a mais ousada imitação de S. Francisco de Assis, serão sempre, na sua essência mais profunda, coisas meritórias e sãs; ninguém por isso negará a sua condição de homem nem desprezará o próximo; o que é bom nunca poderá ser bom demais. Esta é uma das características que me parecem únicas e universais ao mesmo tempo.

Apenas a Igreja Católica pode salvar o homem da escravidão destruidora e rebaixante de ser filho da sua época. Bernard Shaw exprimiu o íntimo desejo de que todo o homem pudesse viver 300 anos, numa época mais feliz.
Em contraste com todos os outros homens, possui o católico uma experiência de 19 séculos. Um Homem que se torne católico fica de repente, a ter a idade de 2.000 anos. Exprimindo-me de modo mais exacto, quero dizer: só então é que se desenvolve e chega à plenitude da sua humanidade. Julga às coisas da maneira como elas movem a humanidade nas diferentes épocas e países e não segundo as últimas notícias dos jornais."


A Esperança espera mesmo no mais profundo desespero, senão não é virtude.





António Campos + Anália do Carmo

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