sábado, 7 de dezembro de 2013

SER E CONHECER





“No início do ser cristão não existe uma grande ideia ou uma decisão ética, mas sim um encontro. Um encontro com uma Pessoa concreta que dá à vida um novo horizonte, um rumo decisivo”.


O que é Deus ou quem é Deus?


Onde está a sua assinatura?


Porque não é a sua existência indiscutível?


Porque é que Deus ama?


Guarda alguma analogia connosco?


Qual o seu papel na condução do homem e da História?
É possível conhecer?
É possível conhecer Deus pela ciência?
O que é a Razão?




1 - O que é Deus ou Quem é Deus? 
Sem dúvida, Quem é Deus. Deus ou é um Ser, o Ser, ou não é nada. Se queremos discutir Deus, então é bom que à partida nos entendamos no que estamos a discutir, de outro modo estaremos encarniçadamente a discutir coisas ou pessoas diferentes. E deste modo, ninguém avança.
Por Deus entendemos um intelecto intuitivo, i.e., alguém que conhece no acto de existir. O que significa isto?
Cada um de nós conhece as coisas APÓS elas existirem. Os nossos pais já cá estavam, os nossos irmãos andavam na barriga da nossa mãe e quer coisas quer pessoas entram na nossa vida já depois de existirem. Para Deus não é assim. Ele cria, logo tudo o que existe, existe por seu intermédio. Por conseguinte, as coisas ou pessoas não lhe pré-existem. Ele não só já cá estava, como a existência das pessoas ou das coisas, saem Dele.

Portanto, crer ou não crer, mas num ser definido deste modo. Um intelecto intuitivo, criativo e Criador.

2 - Porque Deus ama?
Deus tem a liberdade de criar ou não criar, i.e., ele não cria tudo o que é concebível. Por exemplo não cria unicórnios ou sereias. Portanto Deus decide aquilo que vale a pena criar. Ama aquilo que criou.

3 – Guarda Deus alguma analogia connosco?
Kant dizia que ao homem cabe apenas um intelecto discursivo, i.e., as coisas pré-existem ao acto de conhecimento. Uma crítica que se pode formular é que existe apreensão de conhecimentos que não se processa pelos sentidos. Um exemplo é o êxtase dos santos e os milagres, mas fora da religião temos aquilo que é denominado por percepção extra-sensorial, os fenómenos déjá vu, etc.

Mas existe um fenómeno mais “terreno” e mais consensual que ilustra a natureza intuitiva do intelecto humano. O exemplo é a arte. Para o artista, a obra de arte sai de si próprio, ele conhece-a no acto da existência. Ele também interage com o que criou. Por isso existem rascunhos, rabiscos, maquetes,…Ele risca, corrige, apaga, reescreve; pinta, repinta e volta a pintar; desenha, apaga e volta a desenhar; toca e retoca, pausa e…volta a tocar. No final fica a obra prima. E ela não pode deixar de ser querida a quem a criou. Porque criação é separação, todo o artista ama aquilo que criou.


4 – O papel de Deus é intuído pela necessidade de existir um ordenamento moral. Quer a epopeia judaica, quer o milénio da Europa cristã, demonstram bem que não é o ordenamento particular de cada cabeça humana que pode fornecer um ordenamento jurídico comum. Kant propô-lo mas contraditou-se fatalmente ao confessar que cada homem apenas transporta o seu próprio bem-estar no coração. O sofisma do nosso tempo, com as diversas interpretações da lei, com a advocacia, com a deriva ética, quer nos valores humanos quer na alta finança, apenas exprime a desancoragem deste referencial sólido.

O futuro não é fixo, ele é determinado por uma série de acontecimentos ou factos inesperados, ele não tem a inércia de uma continuidade homogénea, sofre saltos, muitas vezes por catástrofes naturais, por catástrofes sociais, por catástrofes humanas ou pela existência de pessoas ou acontecimentos extraordinários. Encontram-se nesta categoria as aparições de Fátima, Joana d’Arc, o assassinato de John F. Kennedy, a vida de Lutero ou de Henrique VIII, etc.

5 – Não é possível pretender obter um conhecimento de Deus pela ciência e, ao mesmo tempo afirmar que não é possível conhecer. É verdade que o conhecimento científico assenta na observação, ele é indutivo, baseia-se em factos observáveis. As coisas são como são observadas, não são assim porque não pudessem ser de outro modo. Mesmo quando utilizamos o telescópio Hubble, um microscópio electrónico, um acelerador de partículas ou uma reacção de DNA por RT-PCR, na verdade apenas estamos a utilizar ferramentas que prolongam os nossos olhos.

Ora, não é possível ser-se um adepto da ciência, para negar a existência de Deus, e simultaneamente dizer que não existe possibilidade de conhecer. Não se encontra para este argumento outro significado que pura estupidez. Não é possível!

No que concerne à aplicação da lógica na investigação da existência de Deus é verdade que as posições não são equivalentes. Enquanto que ao crente basta afirmar a possibilidade da existência de apenas um ser de grandeza máxima, o intelecto intuitivo que é e que ama; ao ateu cabe a tarefa monstruosa de afirmar que de todos os seres possíveis existentes, nenhum é jamais em circunstância alguma, por qualquer que seja o critério lógico utilizável, um intelecto intuitivo que ama, um ser imortal de grandeza máxima. Percebe-se a dificuldade de analisar todos os seres possíveis existentes. Percebe-se a dificuldade das provas testemunhais de um dos povos mais instruídos da Terra, o povo judeu, cuja epopeia é, basicamente, a história de uma relação. Percebe-se a dificuldade das catedrais, da história europeia, do saber grego, do método científico com raiz na escolástica, das primeiras universidades. No caso português, até na sua História, na sua heráldica, no baptismo de índios e negros e, devido a isso, na miscigenação.

Pode obter-se uma evidência indiscutível da existência de Deus pela ciência? A resposta é não. Ela está no livro do Génesis, escrita muito antes destes aprendizes de feiticeiros, crentes e ateus, verdadeiros saltimbancos do nosso tempo. 
Deus diz a Moisés que ele apenas O pode vislumbrar de costas, após a sua passagem. 
Nós só obtemos provas da existência de Deus, pelo seu efeito nas coisas. Por observar que uma razão com analogia com a nossa preside ao universo. Que nós, se pudéssemos, provavelmente teríamos feito o universo assim. Uma experiência única é seguir um trilho numa floresta, acompanhado por um batedor experiente. É incrível aquilo que ele vê e nós não. O número de pessoas no trilho, incluindo mulheres e crianças; o tempo que se demoraram em cada etapa do caminho,…

É necessário ter o treino certo e ser bom observador para colher vestígios que outros não vêem.
É isso que são as profissões.
Assim é a ciência.  
Assim é a presença de Deus na ciência. 
As coisas estão lá, a única coisa que é necessário é mudar o nosso olhar. 
Por exemplo, o caso da sequência de Fibonacci e as espirais (1,1,2,3,5,8,…um número é obtido pela soma dos dois que o precedem). As espirais encontram-se no coruto da nossa cabeça, no pavilhão dos ouvidos, nas conchas, na casca do caracol, nas flores como o girassol, no ananás, nas pinhas de pinheiros, ramos de árvores, nas ondas do mar, nos furacões, em tornados, em funis nos oceanos ou na água que escoa do nosso lavatório, em certas orbitais atómicas ou nas galáxias, nas impressões digitais ou em construções como o Parténon.


6 – A ciência está acabada. Nós limitamo-nos a descobrir o que já está, o que é. No tempo de Aristóteles já estava presente o universo da mecânica clássica, da mecânica quântica, da relatividade. O ADN existe desde que há vida sobre a Terra.  A técnica é a nossa criação, a aplicação das nossas descobertas às nossas necessidades. Se o homem continua a caminhar sobre o tapete da ciência, a tentar descobrir o que já lá está, por vezes com recuos e correcções, porque razão é exigido ao homem que não possa caminhar no tapete da fé? Porque razão a descoberta da fé tem que estar terminada? O facto de o homem não saber tudo sobre a fé, implica tanto a não existência dela, como o facto de o homem não saber tudo sobre ciência implica a inexistência desta. Não estão ambas terminadas? Deus não é Deus e o Universo não é o Universo? Então, por o homem se encontrar a caminho, de uma e de outra, isso tem que implicar a existência de uma e a inexistência da outra?

7 – O que é a razão? De tudo o que foi dito, uma coisa o pensamento não é: mecânico! Ele é criativo e livre. Em ciência, o mecanicismo há muito ocupa o seu pequeno lugar. Sempre que se encontra uma evidência nova contra uma teoria, a ciência tudo refaz, não se limita a somar. Foi assim com a teoria quântica e a teoria da relatividade, foi assim com Ramon e Cajal e a sua teoria sobre o sistema nervoso central. A razão humana não se limita e recolher dados por observação, ela é também dedutiva e criadora. Só assim se compreende que a música e a pintura acompanhem a filosofia. 
Discutir Deus apenas na dimensão da ciência é reduzir Deus e o Homem, é entrar para uma caixa.

E como para acreditar na ciência é necessário acreditar que é possível conhecer, que o conhecimento apreendido pelos sentidos guarda alguma conexão com a realidade, que a razão humana é confiável, então uma razão circunscrita à ciência é, também ela, um acto de fé. E é chegado aqui que o sofista moderno tão defensor da ciência, acaba a defender o determinismo, o pensamento mecânico, a impossibilidade de conhecer, a incerteza na sua própria existência ou na dos outros. Este ser racional, que quer enfiar todo o universo dentro da sua pequena cabeça, entrou para uma caixa e, como qualquer louco, chama-nos a ela. O seu pensamento circular mata toda a criação; apagaram-se as últimas luzes, o crepúsculo abateu-se sobre ele para sempre. Tão cedo não abandonará a jaula…


8 – A assinatura de Deus é Jesus Cristo. Só a Ele e por Ele podemos contemplar Deus face a face. Conhecer não é apenas saber e saber não é apenas ciência. Conhecer é procurar a verdade. Conhecer a verdade tem como finalidade o conhecimento do bem. Estar na verdade não é apenas praticar o bem, é ser bom. Chesterton dizia que o filantropo pratica o bem, o Santo é bom. Como diz o Papa na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, citando Bento XVI, “no início do ser cristão não existe uma grande ideia ou uma decisão ética, mas sim um encontro. Um encontro com uma Pessoa concreta que dá à vida um novo horizonte, um rumo decisivo”. 

A fé não carece de demonstração na medida em que é uma relação com alguém que amamos. De que cor é o amor, qual a sua forma geométrica? Tal como o vento, a sua intensidade, a sua força…Chesterton dizia que o homem é o maior salto do reino animal; Cristo o maior salto do reino dos homens. 

Nos evangelhos encontra-se uma mensagem inefável de uma personalidade concreta. Ser cristão é estar apaixonado, é ser louco. 
Quisera ser louco, acompanhado por milhões de loucos, numa cacafonia de línguas; quisera ser louco acompanhado de loucos como Cauchy, Schrödinger, Gauss, Volta, Marconi, Heisenberg, Pasteur; louco a ouvir música de Haydn ou de Bach, de Verdi ou Pachelbel; louco e pintar como Rubens ou Rembrandt, como Velazquez ou Caravaggio; louco internado numa biblioteca ou numa universidade. 
As catedrais góticas são o meu hospício, as festas de verão as minhas manias, o silêncio o meu mutismo, as orações os meus neologismos, o vislumbre de Deus as minhas alucinações, a ajuda aos outros o meu delírio, a vaidade a minha ausência, a simplicidade a minha rigidez, a bajulação a minha neutralidade afectiva, a mulher que amo a minha dupla personalidade, a eternidade a minha paranóia, Cristo a minha ideia delirante.
Quisera ser louco…






António Campos













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